Logo ao ler a primeira página do texto Reforma Psiquiátrica e Saúde Mental no Brasil (Brasil, 2005) fiquei impressionada. Como assim o processo de desinstucionalização já possui três décadas? Algo que na minha percepção era atual e do século presente já viveu uma trajetória tão longa e marcante. Trajetória esta complexa e cheias de percalços, que embora seja linda no papel demonstra através do nosso cotidiano uma realidade completamente diferente.
Há três anos comecei a frequentar o Hospital Escola Portugal Ramalho em virtude das três disciplinas de psiquiatria que tivemos e posso dizer com tamanha propriedade que aqueles mesmos pacientes que estavam internados no começo do meu curso, se fazem presentes ainda hoje perambulando em suas instalações. Claro, novos rostos surgiram em meio a dezenas de pacientes, mas aqueles mesmos exclusos, apáticos e indiferentes ainda ali fazem morada.
Acredito que a mesma ideia de depósito de Barbacena de certa forma ainda se faz presente. Cada vez que conheço uma nova ala do hospital eu fico literalmente aterrorizada; as condições de higiene e o “respeito ao eu” passam longe de suas dependências. Os internos parecem realmente regredir e se desfazer de tudo que os tornam homo sapiens. Mas como mudar a associação entre o mundo da loucura e o mundo da exclusão presente desde meados do século VXII do dia para noite? Permito-me dizer, impossível!
Nesse aspecto que surge a Reforma Psiquiátrica, com todos os seus anseios e busca de esperança para este setor tão marginalizado da sociedade. Com isso, o que se percebe são avanços presentes de forma notória em alguns Estados desde o começo dessa luta contrastando com um caminhar de passos lentos de Alagoas sobre esta questão.
E como acabar com o maior manicômio público do Estado sem uma mínima estruturação?
Sem sombra de dúvidas o CAPS tem sua importância. Nos dias que lá pude conviver, percebi a dedicação e profissionalismo de todos os seus trabalhadores e o impacto positivíssimo na vida de seus usuários.
O CAPS se mostra um ponto da rede essencial, como o texto citado acima exatamente explica, e puder acompanhar isto na prática. O CAPS atrela desde atividades de autoconhecimento, autonomia e acompanhamento clínico até a produção de renda para os seus frequentadores. Tarefas estas que a meu ver é imprescindível para a reinserção do doente mental na esfera social. Apenas com remédios e eletrochoque, por exemplo, o paciente não evolui, como afirma o filme “Em nome da razão”; seu tratamento deve atrelar ainda a esfera cultural, social, política… Ações estas que o CAPS e demais componentes da rede procuram desenvolver.
Contudo, muito ainda falta. Acredito que seja mais uma questão política do que falta de vontade dos próprios trabalhadores desta realidade. Durante a convivência, percebi que a Reforma é anseio e desejo de todos! Acredito ainda que muito do descaso que se tem pela própria Reforma é o fato de não conhece-la. Nesse sentido, me tomo como exemplo, através da experiência pude apagar preconceitos e compreende-la, algo que para mim antes era inviável. Como acabar com um manicômio? Onde colocar os residentes? Como eles serão controlados? Como os profissionais vão atuar? Perguntas estas que preenchiam e norteavam o meu pensamento.
Assim, com o estágio e sobretudo com o texto da Reforma Psiquiátrica pude clarear meus pensamentos. Entretanto, vou em oposição ao texto ao não acreditar na realidade quase ideal que ele quer passar. Infelizmente, o Brasil não é assim e mascarar os fatos negativos expondo apenas os positivos não é viável.
Nesse cenário, o Hospital Escola Portugal Ramalho apresenta cerca de 160 pacientes hoje em dia e para atender sua demanda seriam necessários aproximadamente 7 CAPS III. Como progredir com a ideia de desinstucionalização de forma tão rápida como está sendo proposto em nosso Estado se o modelo de CAPS III nem faz parte da nossa realidade?
Sendo assim, sou totalmente a favor da Reforma e concordo plenamente com as atrocidades apresentadas pelo filme e por outros textos sobre o assunto, vejo uma pequena parcela delas todos os dias ao passar pelos corredores do hospital. Contudo, que ela se faça de forma adequada e estruturada, começando com a superação dos estigmas trazidos pelos próprios profissionais. Assim, em minha opinião, não acredito que estejamos prontos para esse grande passo, e se todos assim pensassem não seria mais um processo incompleto/jogado que se tomaria forma no Brasil. As conquistas vêm aos poucos, assim como as ações que devem usadas como base!
Por Emilia Alves de Sousa
Olá Marina,
Muito legal a sua postagem! Corroborando com as suas reflexões, compartilho o post da Psicóloga Iza Sardemberg que traz o documento técnico Desinstitucionalização e Atenção Comunitária no Brasil como contribuição ao debate da crise pela qual passa a política de saúde mental no cenário atual
. https://redehumanizasus.net/93684-desinstitucionalizacao-e-atencao-comunitaria-no-brasil
AbraSUS!
Emília