Não há decisão judicial que não seja política. No máximo a sentença pode se ajustar a uma perspectiva do senso comum, expressa num marco legal, através de uma constituição e um conjunto de leis.
Na prática essas leis são aplicadas de modo a expressar correlações de força. Em geral, no interesse da manutenção de uma determinada ordem de poder, o judiciário exige a aplicação de algumas leis, enquanto outras degeneram como letra morta.
Nietzsche expressou bem esse fato ao chamar de justiça a racionalização do abuso contra o outro. Jamais a “justiça” é aplicada unilateralmente pelo poder judiciário. Se assim fosse cada sentença seria um tijolo assentado na arquitetura da guerra civil.
Antes de qualquer condenação é necessário a desconstrução da humanidade do réu. De ser contingente ele é reificado como ser maligno que escolhe e acolhe o crime.
A justiça desconhece, quando condena, a complexa relação de interdeterminação que refuta o pressuposto de que somos seres absolutamente autodeterminados.
O livre arbítrio e a liberdade são pressupostos metafísicos que unem religião e teoria do direito. Como não há dado objetivo, além de conjecturas filosóficas e teológicas para fundamentar o conceito de livre arbítrio, o máximo que se pode fazer é buscar provar um ato concreto. Matou ou não matou, roubou ou não roubou e assim por diante. Como nenhum gesto é indiscernível de seu contexto, a noção de crime é objetiva, ainda que complexa. Já a ideia de culpa é um pântano de pura subjetividade.
Lula foi, e vai ser condenado em outros processos, com base na tese do domínio do fato e de outras mistificações que equivalem as superstições do senso comum. O problema é que o senso comum é muito supersticioso. E não necessita de que seus pressupostos sejam coerentes. Exatamente por isso o senso comum não pode ser acusado de ingenuidade.
O que as pessoas acolhem como mais plausível?
A ideia de que Lula foi um governante bem–sucedido que do nada, escolheu permitir a corrupção que enriqueceu seus antigos opositores, enquanto ele mesmo fortalecia o judiciário, o ministério público e a polícia federal.
Ou quem sabe, irá acreditar que o pacto que levou Lula ao poder foi baseado em exigências da mesma natureza das que levaram aos escândalos de corrupção dos governos Sarney, Collor e FHC.
A corrupção é o correlato da comissão na iniciativa privada. É algo sem o qual o sistema financeiro e a economia não funcionam.
A condenação de Lula se deve a subversão, ainda que modesta, que foi promovida no padrão da aplicação dos recursos públicos. Assim, parece que o crime de Lula é identificado mais com seu significado histórico do que meramente com seus atos.
Uma colunista social chegou a escrever, com sincera tristeza, que não havia mais prazer em contemplar o pôr do sol no alto da Torre Eiffel, pois poderia encontrar sua faxineira neste sagrado momento de exclusividade.
Em parte, essa é a razão subjetiva da condenação de Lula.
A razão objetiva é geopolítica.
Moro é um agente dos interesses norte–americanos em relação a nossas reservas de biodiversidade, energia e produção de alimentos. Todos os demais líderes políticos que se envolveram nas zonas de fronteira entre o legal e o ilegal vem sendo poupados por jamais terem ameaçado a tutela internacional que constrange nossa soberania.
Entretanto, para os interesses da oligarquia financista mundial já não basta mais a submissão. Agora eles querem a suspensão da democracia, da política e da ordem jurídica.
Já não temem a guerra civil. Na verdade, a estão promovendo.