Chegamos em Agosto, e como diz o ditado popular, é o mês do desgosto.
No Brasil, o debate público tem sido tomado pelo retorno da escola.
O texto de Julián Fuks, nos lembram de um detalhe: porque retomamos o shopping e não as escolas?
Antes de entrar nessa discussão é preciso reiterar para os que não tem memória: o Brasil não conhece os seus brasis.
Muita gente ainda imagina que escola é um espaço ordenado como na TV, e não entende quando a repórter informa que não há saneamento básico. Não é preciso vir para os interiores da região norte para saber que em diversas escolas públicas o banheiro dos professores é o único fechado a cadeado, com sabonete e papel higiênico. Em muitas escolas, não há local para usar o banheiro sentado, a professora avisa, “cocô se faz em casa”.
Fenômeno parecido ocorreu com a chegada do vírus Sars-Cov-2 no Brasil. Em um primeiro momento, doença da elite, logo foi indo para aqueles lugares onde todo sanitarista sabe que a doença gosta de atingir de forma mais letal, na população mais pobre e periférica.
Assim como a doença não atinge a todos da mesma forma, tampouco o fenômeno da educação não é igual pelo Brasil.
Mas apesar disso, a educação resiste. Em 2015, quando houve o início do fechamento de escolas em São Paulo, diversos grupos de estudantes se organizaram e decidiram ocupar as escolas. Ocuparam porque não foram ouvidos. Para a sociedade o último lugar que uma pessoa fora da escola gostaria de estar é na escola. A educação é sinônimo de prova, ocupação de tempo, longas aulas, chatices. Mas o que os e as estudantes nos lembram sempre é que a escola e lugar de criação e invenção. Da organização de plenárias para decidir sobre o rumos do movimento estudantil, organização do cronograma da faxina e arrumação.
E eis que surge a epidemia da Covid-19 em território nacional. E o encontro no ambiente escolar virou sinômino de risco, e a troca e interação é canal de transmissão da Covid-19. As escolas foram as primeiras a fechar, e eu me lembro que na assembleia de docentes disse: historicamente, seremos os primeiros a fechar e os últimos a reabrir.
Cancelaram academias, as praias, fecharam os shoppings e as lojas.
Passados 5 meses, lojas, festas, praias, retornam, mas porque as escolas não?
Respondendo ao Julián, nos priorizamos a educação, mas foram os governantes que parecem não priorizar o bom senso.
Mas sabemos, para quem trabalha e é profissional dos serviços essenciais a ausência da escola significa rearticular a rotina com uma rede de cuidado que não existia antes. O dia-a-dia do risco de se contaminar soma-se a outros como: será que é seguro deixar minha filha sozinha em casa? Será que a minha mãe está em risco? Ela é grupo de risco? Será que a cuidadora informal cuida bem dela?
Até mesmo para quem divide a guarda de uma criança a covid-19 traz novas questões: mas você está cumprindo o isolamento? Usando máscara?
Novos checklists para a socialização do cuidado de nossas crianças.
Nesse cenário, parece razoável que as crianças voltem para a escola, se eu voltei a trabalhar, porque ela não volta a estudar?
Esse é o cerne da questão, para que afinal, a escola nos serve? Ela é um equipamento do bairro que é cuidado, ou é um microcosmo da sociedade que as crianças precisam ir e sofrer um pouco, enquanto nós sofremos em nosso trabalho?
Alguns analistas tem defendido o retorno das escolas segundo protocolos de segurança, o que tem sido chamado de “novo normal”.
Esse é um ótimo debate, porque em se tratando de sistema escolar todo ano é um novo normal. Novos alunos, novos professores, novos gestores, novas cartilhas e novas ideias. Para quem trabalha na educação, há tempos que ‘novo’ significa precarização. O modelo neoliberal que adentrou as escolas tem um objetivo apenas, melhorar a classificação das escolas em testes nacionais. Essa moda que vem importada dos Estados Unidos criou um fenômeno da padronização.
E esse processo de padronização por indicadores que faz com que em nosso imaginário as escolas sejam todas iguais, umas com o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) melhor ou pior. Porque o IDEB é medido em números e não nos expõe à violência que são escolas sem merenda, sem água encanada e sem banheiros. Ou ainda, a violência que é o fato de que mesmos nessas escolas e nessas condições, aconteça a educação. O processo de educação, como diria Paulo Freire, não acontece quando o professor ensina para o aluno, mas quando os dois trocam e aprendem. E isso ocorre, apesar da constante precarização do trabalho docente.
É preciso ter maturidade para dizer que iremos #DescouparAsEscolas até o momento em que seja possível retornar com segurança, e tornar a escola em local de segurança e acolhimento. Isso independe da tão anunciada vacina. Segurança e acolhimento são tecnologias sociais e não vem em comprimidos.
Você deve estar se perguntando o por que desse post na Rede Humaniza SUS?
Porque a Atenção Básica por meio da Estratégia Saúde da Família, da UBS e do PSE tem muito a contribuir nesse processo. Independente das aulas estarem ativas ou não, a promoção de saúde da criança e do adolescente é uma competência natural desses serviços. Será que não temos a competência em auxiliar nesse processo de criar segurança e acolhimento para estudantes do nosso território?
Se as experiências de educação que defendemos no SUS estão ligadas às experiências que geram autonomia, que tipo de educação é possível dentro de escolas sem recreio e com alunos dentro de redomas de plástico?
Que tipo de educação é possível nesse momento sem ser no ambiente escolar? Como ativar nossos territórios para compor no cuidado das crianças e adolescentes fora da escola? Vale lembrar que todo o atraso ‘cognitivo’ e do desenvolvimento infantil que tem sido denunciado como consequências do fechamento das escolas não são competências únicas desse equipamento, como a Caderneta da Criança lembra com os tópicos sobre estímulo de desenvolvimento infantil.
O Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade está com esse inquietamento, sabemos que a educação é um direito, e a garantia dele é nosso dever, mas qualquer tipo de educação?
Para além dos aparatos de controle biológico e dos dispositivos de judicialização, como acha que a atenção básica e o SUS podem auxiliar na discussão?
Por Emilia Alves de Sousa
Olá Rui,
Que beleza de postagem com um tema tão importante e urgente neste contexto pandêmico!
Você traz questões relevantes neste cenário de preparo de abertura das escolas públicas. Questões de respostas difíceis. Estamos como se diz vulgarmente aqui no Nordeste, numa “sinuca de bico”
”se eu voltei a trabalhar, porque ela não volta a estudar?” Esta é uma pergunta que muitos pais têm feito, principalmente aqueles que não tem quem cuide dos filhos em casa. E aí você trás esta outra questão: ‘que tipo de educação é possível dentro de escolas sem recreio e com alunos dentro de redomas de plástico?”O pior amigo, é que nem todas as escolas contam com essa redoma de plástico citada. Muitas nem estrutura com a simples disponibilidade de sabão e álcool em gel não possuem, como falaram alguns alunos entrevistados por uma conhecida emissora de televisão na semana passada.
E aí vem a pergunta que não quer calar: “Que tipo de educação é possível nesse momento sem ser no ambiente escolar? Faço eu uma outra pergunta: Que tipo de educação é possível nesse momento pandêmico com esse governo, que tem demonstrado não ter o devido compromisso com a vida das pessoas? Difícil, né?
“Como ativar nossos territórios para compor no cuidado das crianças e adolescentes fora da escola?” Uma necessidade urgente que temos que pensar estratégias de enfrentamento!
#DescouparAsEscolas até o momento em que seja possível retornar com segurança, e tornar a escola em local de segurança e acolhimento.” Totalmente a favor.
Um abraço!
Emília