Violência Terapêutica e Iatrogênias Psicossociais: Um ensaio sobre Libertação
Seria redundante promover relato de experiências sobre o que está posto historicamente acerca das instituições totalitárias. Mesmo diante do fantasma do hospício que vive a nossa espreita.
Todavia, precisamos reconhecer que os mais de 300 anos de uma era manicomial não permitiriam passar incólume ao advento da Reforma Psiquiátrica no Brasil.
Falamos aqui de um conceito cunhado por mim, em 25 anos de experiência e observação sobre a clínica psicossocial que postulo como Violência Terapêutica e Iatrogênias Psicossociais.
A Violência Terapêutica é antes de tudo um sintoma social, que revela sobretudo o germe do manicômio que nos habita e que se personifica na relação com usuário, perpetuando com a devida sutileza e invisibilidade o estatuto do louco como incapaz e perigoso.
A Violência Terapêutica portanto, é o uso do suposto saber e poder academicista que silência o dito louco em nome da razão. Isso significa que a ação terapeutica é meramente figurativa, restando ao usuário a tutela e o assujeitamento dentro dos serviços abertos e comunitários. Não havendo portanto, em grande parte da RAPS no Brasil,o real reconhecimento da alteridade do dito louco, vivendo sobre o império do desejo daqueles cujo ofício reduz-se a prescrição e o controle.
Já as Iatrogênias Psicossociais, são justamente, os dispositivos da Reforma Psiquiátrica a serviço do manicômio. A terminologia é tomada de empréstimo da área médica, em razão de significar um dano causado por uma procedimento que há princípio deveria promover saúde. No caso mais amiúde da saúde mental, produz de forma imperceptível a servidão e a hierarquização do cuidado.
Revelar o negativo dessa realidade é salvar a liberdade. A lógica da dissociabilidade entre a gestão e a atenção se reproduz na relação entre os profissionais de saúde mental e “seus” usuários,onde “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.
Falamos aqui de um modelo de saúde mental bancário e portanto fabril, erguido sobre a bandeira de uma sociedade sem manicômios, porém cujas práticas ratificam o que nos propomos a combater. E assim reatualizamos o sequestro da subjetividade e o controle de corpos de nossa inexorável sociedade disciplinar.
Cabendo aqui as seguintes indagações sobre nossas práticas, a qual nós orgulhamos tanto: PTS, é de quem? Se eu desqualifico o sujeito do desejo. Técnico de referência? Cujos pronomes possessivos não permitem o devir do “eu”. Se não fosse apenas um ensaio, passaria muitas outras linhas sobre o ofício de dissecar o quanto de manicômio há na Reforma Psiquiátrica.
No fundo, quando o usuário emerge é pela arte ou pela desobediência cívil. Torna-se um insurgente, quem sabe um perigo, cujo destino é um leito, contido e com injeções na coxa.
Mesmo em tempos de “Cuidados Democráticos” há um perverso em cada um de nós. A parte obscura de nós mesmos,cuja face escondemos por de trás de um pseudo altruísmo e da ordem do discurso.
Não há dúvidas de que nada está perdido e nem adianta o uso do recurso a projeção de nosso governo, pois também reproduzimos tal totalitárismo na relação com o outro.
Qual é o seu medo afinal? Até quando vai manter os ditos loucos sobre vossos grilhões? Não seria mais potente descentralizar o saber e o poder? Permitir que a pessoa apareça sobre a máscara de nossas classificações etiologicas?
A resposta a essa questão fundamental, indubitavelmente está na implementação da Política Nacional de Humanização do SUS.
Entretanto como Narciso, o campo da saúde mental ficou emsimesmado e esqueceu-se de sua própria história. Hoje vaga copiando pessoas, encaixando-as em estruturas clínicas, sem procurar saber da dor e muito menos do amor.
Retrocesso na atenção psicossocial? Muito antes da ameaça estrangeira do revogaço de nossos marcos legais, nossos vermes já vinham consumindo as pessoas e seus sonhos em nome da razão e de uma psiquiatria comunitária.
Tenho conhecimento da indigestão de tais constructos, porém são necessários, antes que o amanhã seja demasiado. Não há como mudar, sem provocar um novo “Mal estar na civilização”. É como mexer em um vespeiro, que vem se canibalizando na história recente.
Não há outra saída para Reforma Psiquiátrica, do que a pauta por uma nova reforma. Onde os doutores cedam o lugar a platéia, pois ela já cansou-se de esperar para bradar. Mas antes, solte as correntes, caso contrário, nós mesmos vamos lutar para nós libertar.
Se você ainda não sabe, incluir também é libertar e amar também é cuidar. A ferida narcísica está aberta, mas não há outra forma de cuidar sem doer. Qual o tamanho do seu desamparo agora, perto de quem nunca soube o que é um abraço, pois aprendemos a sutil arte acadêmica da equidistancia.
A pintura é de uma pessoa livre, onde jaz um paciente. Hoje usa sua arte para humanizar, cujo melhor sinônimo é libertar.
E aí? Você dá conta? Caso positivo vamos iniciar uma revolução pelo afeto na saúde mental de nosso país. Vamos acender o fogo que ainda aquece nossos corações e fazer dele nosso guia por uma sociedade sem manicomialização das pessoas.
Já dizia o poeta Mario Quintana: “Sonhar é acordar-se para dentro”
Então vos digo: Chegou a hora de despertar! Chegou a hora de HumanizaSUS!
Valeu Isabele.
Por Paulo Fernando Macieira Peixoto Filh
A luta antimanicomial deve começar dentro de cada um de nós!
Essa postagem é um verdadeiro desafio ao status quo. Aprova-la é tão improvável como granizo no norte. Mas jamais impossível. Romper o silêncio é o caminho para poucos, mas tem a força do incômodo e ele nos move. Viva a liberdade. Existir é sempre uma prova de resistência!