Sobre o resultado das eleições municipais, consiste em uma birra infantil atribuir culpa, seja aos próprios partidos ou aos eleitores. Há uma autoindulgência e um autoelogio em todas as avaliações que se pretendem superiores ao criticarem a capacidade dos eleitores tomarem decisões acertadas. Pela mesma razão, se irritar com as escolhas dos outros, significa colocar a frustração do auto interesse no resultado da eleição como um ataque a expectativas e desejos pessoais.
A questão é que o intelecto de todos nós, é equivalente em capacidade. Todos temos a mesma ancestralidade evolutiva. Em termos estatísticos, dezenas de milhões de pessoas nascem com um sistema cognitivo que em média têm um nível de funcionalidade semelhante. Não existem aparatos intelectuais deficientes por efeito inato ou de classe social.
Na média, a capacidade de perceber e interpretar o mundo é muito equânime. Desenvolver mais ou menos nossa capacidade intelectual é efeito dos nossos modos de vida. Expor crianças a telas de celulares, antes que a capacidade de interpretar emoções através das expressões afetivas do olhar e dos músculos da face humana, está relacionado a atrasos no desenvolvimento neurocognitivo que, dependendo da intensidade, pode causar sequelas potencialmente irreversíveis. Este é apenas um exemplo sobre os efeitos de hábitos que levam a práticas não examinadas que afetam o desenvolvimento de nossas capacidades intelectuais.
A democracia liberal pressupõe condições de vida, materiais e subjetivas, tais que o raciocínio, a lógica e o ceticismo racional possam ser experienciados em algum grau de eficiência.
Sob condições precárias de vida, o desenvolvimento de nossas habilidades cognitivas dá lugar à luta pela sobrevivência e a crença emerge como arma para suportar a vacuidade de sentido da vida.
Assim, acusar os eleitores parece uma atitude que parte do pressuposto de que todos têm a mesma possibilidade de ser rigorosos na leitura da realidade. Não é assim no modo de vida capitalista.
No capitalismo é raro que as pessoas consigam desenvolver um senso crítico sobre a noção de si mesmo que este sistema de produção produz. Mesmo para os que estão nas classes médias, apesar da educação formal, o espírito crítico é minoritário. Isso é claramente ainda mais difícil para os mais pobres.
Então, perdemos essa eleição e perderemos muitas outras. Não porque as pessoas não sejam inteligentes. Mas porque o sistema de produção capitalista é refratário ao saber. Especialmente dos explorados. Mas, praticamente, não há ninguém mais imbecilmente iludido do que um bilionário. É da lógica do sistema colocar a vida a serviço do capital. No final, isso torna a vida dos ricos tão vazia de sentido quanto a dos que vivem as privações materiais e subjetivas relacionadas a miséria.
Enquanto a direita diz que tudo é assim mesmo e o melhor a fazer é manter ou recuar em termos sociais, culturais, religiosos e econômicos, nós buscamos apoio, afirmando que não é viável ser como estamos sendo. Para pessoas anti capitalistas a única alternativa é nos lançarmos numa reinvenção do humano e de seus modos de vida. Devemos recuperar do passado a capacidade que caçadores coletores tiveram de mudar radicalmente suas vidas e, talvez recuperar o que perdemos nesse processo: nossa ligação umbilical com a terra e a vida.
Como todas as espécies que vivem e já viveram sobre a Terra, nosso desafio é o de prolongarmos a nossa existência na busca de plenitude e bem-estar. Não é certo por quanto tempo teremos condições de persistir.
Já estivemos próximos da extinção no passado remoto. Especialmente, na combinação entre o modo de vida capitalista e as tecnologias das armas de destruição em massa, agora, nós podemos ser agentes de nossa destruição.
O clima hostil sempre foi uma ameaça. Mas, somos nós, em permanente estado de rebeldia contra o ambiente e promovendo guerras sem fim, a maior ameaça. Nesse sentido, a responsabilidade está distribuída igualmente entre generais, ministros, cientistas, magistrados e cidadãos comuns. Todos falam pela humanidade, exceto os miseráveis. Esses tentam apenas viver mais um dia.
Marco Antonio Pires de Oliveira
30 de agosto de 2024