Iniciou-se nos últimos dias um debate nesta Rede em torno da afirmação de que a PNH acabou como “política de governo” a partir de dois posts:
1) Repúdio ao fim da PNH enquanto politica de governo (Maria de Jesus de Assis Ribeiro, 01/08/2015)
2) Sobre o fim da PNH enquanto politica de governo (Cleusa Pavan, 09/08/2015)
Esta afirmação contrasta com a que consta neste outro post, publicado com o perfil institucional da PNH na RHS, claramente em resposta ao primeiro dos dois posts acima, que deixa claro que a PNH segue como “política de governo”: Política Nacional de Humanização compõe novo arranjo de apoio do Ministério da Saúde às Regiões de Saúde (07/08/2015)
Minha intenção com este novo post é a de tentar reunir numa única página essa importante discussão que se dispersa por três diferentes posts e, ao mesmo tempo, entrar neste debate com a querida companheira Cleusa Pavan, que nos dois posts é a porta-voz dessa afirmação que a PNH acabou como “política de governo”. Sua provocação é um convite a inúmeras e necessárias reflexões, mas vou procurar manter o foco, nessa primeira entrada na conversa, exatamente nesse contraditório que está escancarado na nossa Rede e que, a meu ver, decorre do que está sendo chamado de “política de governo” nestes diferentes posts.
Parece-me que temos uma excelente oportunidade para revisitar as importantes formulações de Regina Benevides e Edu Passos no artigo A humanização como dimensão pública das políticas de saúde. Esse artigo pode ser de grande valia neste momento, não apenas por nos ajudar a fazer uma certa distinção conceitual entre “política de Estado”, “política de governo” e “política pública”, mas porque foi escrito em 2005, relatando "as experiências desenvolvidas nos anos de 2003/2004, quando (os autores integraram a) equipe da Secretaria Executiva (SE) do Ministério da Saúde (MS), como consultor e como Diretora de Programa da SE coordenando a 'Política Nacional de Humanização da atenção e da gestão na saúde' (PNH)", num momento em que o cenário se alterara "com a mudança na formulação e condução das políticas de saúde no MS". As semelhanças com o momento atual, portanto, são grandes, mas os autores não ousaram afirmar que a PNH havia acabado como “política de governo”, preferindo, conforme colocam na introdução do artigo, acompanhar "com atenção os desdobramentos destas mudanças para saber se os princípios construídos nestas experimentações poderão reverberar nas novas configurações da máquina do Estado".
Indiscutivelmente, vivemos uma “mudança na formulação e condução das políticas de saúde no MS”. Pessoalmente, coloco-me, no momento atual, numa posição muito semelhante à de Regina e Edu em 2005: acompanhar “com atenção os desdobramentos destas mudanças para saber se os princípios construídos nestas experimentações poderão reverberar nas novas configurações da máquina do Estado”.
E o que já podemos saber dos sentidos dessas mudanças? Eu, afastado das atividades de consultor da PNH desde o início deste ano, não muita coisa, mas algumas que me parecem bastante significativas…
Do meu ponto de vista, este debate iniciado com o post da Maria de Jesus em 1º de agosto já produziu um importantíssimo resultado, que foi provocar uma manifestação pública da nova coordenação da PNH nesta ágora aberta e democrática que é a RHS. Subentende-se pela autoria e pelo título do post que a PNH, evidentemente, segue existindo como política de governo, compondo o “novo arranjo de apoio do MS às regiões de saúde”. Num texto público, assinado pelo perfil institucional da PNH na RHS, a nova coordenação reconhece a importante contribuição e os enormes acúmulos dessa Política nos últimos 12 anos, afirmando que “seus princípios e diretrizes, bem como o método do Apoio, têm sido incorporados de modo crescente pelas demais políticas do SUS, culminando no atual redirecionamento proposto pelo MS para o Apoio às Redes de Atenção à Saúde (RAS), com foco no fortalecimento da regionalização”. Neste mesmo post também ficamos sabendo que “no dia 03 de setembro, o coletivo de apoiadores da PNH se reunirá para elaborar um novo plano de ação da Política para essa nova proposição do Apoio do MS e, sobretudo, pactuará ações que fortaleçam a dimensão da produção de conhecimento e tecnologias para o SUS, na perspectiva de zelar e dar continuidade à construção do capital simbólico da Política”.
Parece-me, portanto, que há, sim, mudanças, há um claro redirecionamento e que o atual grupo gestor do MS aposta (legitimamente!) numa dada direção estratégica (fortalecer as RAS) e convoca a PNH, com toda sua reconhecida expertise, a compor nessa nova direção. Parece-me também que o processo dessa composição se encontra ainda em construção e um novo plano de ação da Política deverá ser elaborado e pactuado em reunião do coletivo de apoiadores da PNH no início do próximo mês… Ou entendi mal o que está escrito?
Como disse, sigo, como Regina e Edu em 2005, acompanhando “com atenção os desdobramentos destas mudanças para saber se os princípios construídos nestas experimentações poderão reverberar nas novas configurações da máquina do Estado". E o que vejo de importante até aqui? Uma afirmação de compromissos da atual gestão por escrito, publicado numa rede social aberta, que exalta os significativos acúmulos dessa Política nos últimos 12 anos, convoca suas competências para dar potência ao seu projeto estratégico e compromete-se a zelar e dar continuidade à construção do seu capital simbólico.
Na minha humilde e sincera opinião, isso não é pouca coisa! Isso, talvez, não seja tudo, mas eu não subestimaria a importância desse fato e não acho que devemos deixá-lo passar desapercebido. Quantas outras políticas de governo têm produzidos textos públicos com uma afirmação de compromissos que se oferecem ao debate numa plataforma social aberta na internet altamente inclusiva e democrática, como é a RHS?
Sem dúvida, há muitas outras coisas ainda por se produzir nesse processo, há muita água ainda pra correr sob essa ponte, mas essa manifestação pública é um fato tão real e legítimo quanto a percepção e a afirmação de alguns de que a PNH não existe mais como política de governo. Essa percepção e o direito de afirmá-la é um fato real e legítimo (sempre parto desse pressuposto), mas se essa política de governo de fato não existe mais é uma outra questão, que não se dobra tão facilmente ao que queremos ou não afirmar da realidade…
Nesse sentido, procuro compreender no que se funda o veredito do fim da PNH como política de governo e só encontro uma resposta mais ou menos clara num parágrafo negritado no post da Cleusa, que transcrevo a seguir:
“Porém, enquanto Política de Governo, com institucionalidade dentro do MS (orçamento, coordenação nacional, arranjos de gestão compartilhada: Coletivos regionais de Consultores, Colegiado de Gestão Nacional, Coletivo Nacional) e responsabilidade pela formulação, acompanhamento e avaliação das ações, ela não existe mais."
Devo subentender deste parágrafo que a PNH enquanto política de governo só existe na medida em que preencha um determinado arranjo institucional, que foi aquele que prevaleceu nos últimos 12 anos (e que foi aquele que apenas “prevaleceu”, pois nem mesmo se deu continuamente nos últimos 12 anos, interrompido que foi no período em que Regina e Edu escreveram o artigo supra citado). Se essa “institucionalidade” não existe mais, não existe mais a PNH como “política de governo”? Tenho dificuldades com esse tipo de raciocínio, Cleusa. Entendo se você disser que não existe mais o que era essa política de governo para você ou para alguns outros companheiros (posso até me incluir entre eles, pois foi essa a PNH que vivi). Mas ela segue inequivocamente como política de governo, ainda que ela não corresponda a mais nada do que a gente ache que ela deveria ser. Penso que é mais vantajoso que as coisas sejam colocadas dessa forma para que ninguém "mate" ninguém nem nada antes da hora, para o bem da noção de uma "política de governo" (em sua imprescindível distinção com a noção de uma "política pública") e, sobretudo, para que essa política de governo continue a ser objeto de debate público e democrático, o que me parece um requisito indispensável para que ela possa se fazer, de fato, uma política pública.
Nos quase 8 anos em que atuei como consultor desta Política, atravessei quatro diferentes gestões do MS e da SAS e quatro diferentes coordenações da PNH e não foram poucos os redirecionamentos estratégicos e necessidades de novas composições que tivemos que experimentar. Uma boa parte desses anos também integrei o Colegiado Gestor da Política e não foram poucas as vezes em que problematizamos nosso arranjo de gestão e a “institucionalidade” da PNH dentro da “máquina de Estado”. Havia grandes dissensos entre nós a este respeito. Muitas vezes, eles se manifestaram em torno, por exemplo, da discussão sobre a importância para a Política da Rede HumanizaSUS (enquanto verdadeira "máquina expressiva" do Movimento HumanizaSUS e a mais radical expressão da abertura dessa Política ao seu "fora"). E apesar de já virmos há vários anos reconhecendo a insuficiência de nossos arranjos para garantir uma efetiva co-gestão da Política e garantir a potência da sua “força instituinte”, conseguimos produzir muito pouca alteração nessa estrutura e, sob certos aspectos, a Política se tornou bastante dependente da sua reprodução (inclusive identitária) dentro da "máquina". Pergunto-me se não seria essa resistência à mudança que se expressa, outra vez, nessa afirmação de que a dissolução de uma “forma” corresponderia ao “fim da Política”?
Revisitando o brilhante texto de Regina e Edu, especialmente quando discutem “A máquina de Estado e suas linhas”, quando discutem o que pode ser uma “Política (pública) de humanização” e o quanto só pode ser efetivamente pública na medida em que propugna “um novo “humanismo”, podemos entender porque “o Estado-Nação como figura gerencial” é o correlato necessário do “Homem como figura ideal”. O combate dessa transcendência do Estado em relação ao campo de forças constituintes, ao plano em que se forjam novas institucionalidades políticas, só pode se fazer acompanhar do combate dO Homem , isto é, do combate de um “fundamento do humano e do que, de direito, é o Homem e a organização da sociedade”. Isso porque aprendemos com esses admiráveis autores que “este ‘de direito’ nunca se concilia com o que é de fato a experiência de um homem”. Analogamente, dizer que uma política de governo só existe na medida em que se identifica com uma dada forma me parece reproduzir essa mesma operação de transcendentalização: só há uma PNH “de direito”, não há outra experiência possível da PNH.
Bem, por ora, fico por aqui. Insisto que essa discussão, para mim, está longe de ter começado nesse momento! Ela está colocada há muito tempo, desde os tempos em que atuei por dentro da Política, em debates que já fazíamos sobre as insuficiências de nossos arranjos, sobre o que definiria a PNH, se ela se restringia ou não ao apoio institucional, sobre a sua relação com o que se passa e o que se construiu por aqui na Rede HumanizaSUS, sua relação com o Movimento HumanizaSUS e com os movimentos sociais de uma forma geral, sobre o seu fechamento ou a sua porosidade ao "fora" da Política etc. etc. etc. Mas, como disse, vou procurar me restringir, nesse início de conversa, nessa primeira entrada no debate, a um único argumento e que polemiza claramente com essa afirmação de que a a PNH como política de governo acabou. Essa informação não é correta. Ninguém se beneficia com ela. A PNH está passando por uma profunda reformulação como política de governo. Dizer que ela acabou não contribui para mantê-la como objeto de debate público e democrático.
Espero que essa conversa evolua bem o bastante para que valha a pena aduzir outros argumentos e outras temáticas que me parecem igualmente importantes para pensarmos os acúmulos e os novos devires dessa Política que, acredito, ainda não encerrou sua contribuição histórica na construção do SUS.
Ademais, este debate, acontecendo aqui, neste espaço criado e apoiado pela PNH, em minha opinião, deixa claríssimo que a PNH não só existe como política de governo, mas segue, sobretudo, bem viva como política pública! Eu (como ex-coordenador e eterno amante desta Rede) e todos os atuais consultores da Política diretamente envolvidos com o projeto da RHS temos nos regozijado com o fato de que nunca vimos tantos consultores e ex-consultores da PNH conectados e interessados num debate público se dando na RHS, como nos últimos dias!
33 Comentários
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Por bethmori
Excelente Rafael. Com poucas palavras vc nos chamou a atenção para o ato falho deste Post. Obrigada. Tá dito. A logomarca da PNH, metade apagada, fala mais do que todas essas palavras argumentadas num excelente texto de amigos que fundaram a PNH e que hoje é negada pela gestão do MS!! E outros…
Por Erasmo Ruiz
Raphael e Beth
Creio que a questão apresentada pelo texto de Ricardo não se reduz a um "ato falho" "do" ou "no" post. Na imagem, cores vivas estão atreladas a cores opacas, uma representação do que parece ser o cerne da questão, a PNH permanece ou não pemanece como política de governo, é negada ou reafirmada de maneira diferente? Perde ou ganha potência e, no limite,continua ou não existindo. Agora, sinceramente, como nos lembra o velho Freud, tem vezes que um charuto é tão somente um charuto na boca de um homem.
Ricardo fez um excelente exercício argumentativo. Seria muito legal e eu diria até respeitoso com o trabalho do companheiro se o debate pudesse ir ao cerne do que está escrito, ou seja, o novo arranjo de gestão do ministério da saúde realmente nega os princípios e diretrizes da PNH? Houve\haverá de fato perda de potência ou esse arranjo permite a PNH uma nova dimensão que a fortalece não só como política de governo mas também como política pública? Enfim, "só há uma PNH “de direito”, não há outra experiência possível da PNH"?
Concordo com Raphael quando ele diz "Acredito que agora só o tempo e as ações que formos acompanhando (inclusive por aqui) é que vão dizer se a PNH segue como política de governo, ou se ela ganha maior dimensão como um movimento social." Mas não serão apenas as ações que seguiremos aqui que construirão as bases de uma "nova-velha" política mas também, e principalmente, das formas como participaremos dessas ações. Fica complicado fazer alguma coisa quando acreditamos que um certo "modo de fazer" morreu. É nessa hora que o não agir faz morrer o essencial do que acreditamos. Ao decretar a morte do que ainda vive, corremos o risco de nos tonarmos profetas que realizam a própria profecia.
Abraços fraternos do ERASMO
Por Ricardo Teixeira
Acho que o Erasmo já disse uma boa parte do que eu teria a dizer sobre os seus comentários, em especial no que se refere à escolha da imagem…
Acrescento mais um esclarecimento: não fui eu que escolhi a imagem, foram os editores. Com o meu consentimento, é claro! Quando sugeriram a imagem, eu achei que poderia ser uma boa imagem, exatamente porque sugere uma "divisão" ou um "dissenso". Acho que é exatamente do que se trata! Isso está não só explícito no texto, como no próprio título, que explora uma radical divergência de opiniões em relação à existência ou não da PNH como política de governo. Portanto, foi uma escolha consciente e deliberada. Ou seja, de "ato falho" não tem nada!
Não me importo em nada que se procure achar conteúdos implícitos e velados no meu post e nas coisas que escrevo, mas ficaria mais feliz, especialmente neste caso, se pudéssemos debater aquilo que procurei deixar bem explícito: o cerne da divergência que se expressou nos últimos dias nesta "ágora virtual". Reiterando o que disse nas primeiras linhas do post: minha tentativa de contribuir para esse debate foi procurar reunir numa única página a divergência que está expressa em diferentes postagens e, ao mesmo tempo, trazer um posicionamento pessoal nesse debate que se fundasse o máximo possível numa tentativa de entender o que está sendo efetivamente declarado pela coordenação na PNH (que existe) e por quem argumenta que a PNH acabou.
Por fim, justiça seja feita: só organizei e aprofundei um pouco mais um questionamento que foi feito com muita perspicácia e rapidez pelo próprio Raphael, em comentário ao post de "repúdio ao fim da PNH como política de governo" publicado pela Maria de Jesus em 01/08, cujo título era: "Mudança de estratégia ou extinção da PNH?"
E, de novo, no comentário a este post, o Raphael traz mais questionamentos extremamente razoáveis que mereceriam discussão. Ele não é só um bom leitor de imagens, mas sabe também ler nas entrelinhas de um texto e da realidade, que é sempre um pouco mais complexa do que o modo como ela pode se apresentar à primeira vista…
Sigamos no bom debate!
Abraços.
Por CLEUSA PAVAN
caros companheiros,
Entro nesta conversa, neste espaço de comentários, apenas pontualmente, prometendo uma retomada quando um tempo de elaboração me permitir maiores articulações.
Por agora, inicialmente, quero agradecer imensamente à Maria de Jesus cujo Post ajudou a retirar do silêncio em que se encontrava, nesta RHS, um assunto tão importante quanto o que aconteceu com a institucionalidade da PNH nos últimos meses, com o seu Coletivo Nacional, com o modo como se operou a dissolução de uma institucionalidade, modo, penso eu, nada condizente com os princípios e método da PNH!!!
De minha parte, sinto-me mais apaziguada, ética e psiquicamente falando, pois, de fato, as reações tanto ao Post acima citado, quanto ao meu texto "Final de um ciclo da PNH enquanto Política de Governo", sub-título do post “Sobre o fim da PNH enquanto Política de Governo”, demonstram que houve repercussão, produziram-se respostas, não apenas do ponto de vista reflexivo – não esperava outra coisa do meu também querido companheiro Ricardo -, mas também reposicionamentos estratégicos por parte da chamada nova gestão da PNH.
A atualmente considerada Coordenadora da PNH (não o era até então, porque quem está como coordenadora da PNH, no momento, afirmou várias vezes, e publicamente, que foi por engano que a sua nomeação no Diário Oficial saiu como Coordenadora da PNH e que não se considerava como tal) vem a público, segundo entendi com a ajuda do Ricardo, em resposta ao post da Maria de Jesus, e se compromete a manter a Política de Governo sob outra configuração.
Penso que, admitir (posteriormente a repercussões desfavoráveis, que não são apenas provenientes de apoiadores da PNH-território de São Paulo) que o que houve foi uma mudança na forma, deixando de mencionar a violência como a forma anteriormente em experimentação foi desfeita, talvez não nos ajude a seguir processando.
Não bastasse todas as restrições que impuseram aos arranjos de co-gestão, coordenação política, etc, já exaustivamente mencionados por mim como sinalizadores de que um ciclo da PNH enquanto Política de Governo se encerrou, a proibição velada de fazermos um evento público em São Paulo, para um balanço e perspectivas, convidando companheiros históricos da PNH, tais como, Edu Passos, Gastão Wagner, Dario Pasche, é um analisador sobre os modos de fazer que dispensa maiores análises.
Tínhamos como proposta, logo na sequência de tal evento público, realizarmos uma atividade entre os consultores, necessitados que estávamos de analisar implicações e processar conflitos, diferenças, possibilidades, sofrimento grupal, etc, apoiados por alguém de fora, um fora incluído. Tudo isso ficou adiado sine die, os convidados foram desconvidados, em nome de que a direção da SAS queria estar junto e não tinha agenda. A própria direção da SAS se comprometeu em desconvidar os convidados.
Talvez isso tudo possa estar dizendo (gerúndio propositalmente usado) que não apenas uma forma de institucionalidade estará mudando mas, fundamentalmente, um método, um modo de fazer política de governo, dissonante do modo PNH, anteriormente em experimentação, o que não é pouca coisa para uma "nova Política de Governo" e para quem ficou no MS sob esta nova injunção.
Aliás, esta velha distinção entre forma e conteúdo dá pano para muitas tessituras.
E que bom que qualquer discurso, por melhor e mais elaborado que seja, não dá conta de tudo!
Seguimos conversando! Há “muito mais coisas no ar do que os simples aviões de carreira”!
O Barão continua atual!
Gde beijo
PS: como a tentativa de colocar num post só poderá silenciar a conversa veio rolando nos dois outros Post, recoloco aqui os links porque acho importante que sejam lidos diretamente.
https://redehumanizasus.net/91613-repudio-ao-fim-da-pnh-enquanto-politica-de-governo
https://redehumanizasus.net/91704-sobre-o-fim-da-pnh-enquanto-politica-de-governo#comment-31620
Por Ricardo Teixeira
Continuando o diálogo, de leve, para que ele não se transforme num ping-pong entre nós dois e alguns poucos, quando há tantos atores implicados nessa história, quando há tantos outros pontos de vista que poderiam se expressar!
Comentando alguns pontos da sua mensagem, meio que de trás pra frente:
1) Começando pelo "PS": a tentativa de reunir toda a conversa num único post é para que toda a conversa seja ouvida e as diferentes posições possam dialogar; o contrário de querer silenciá-la. Os dois links que você colocou no final são os dois links que estão no topo e no início do meu post, Cleusa.
2) Gostei dessa frase: "E que bom que qualquer discurso, por melhor e mais elaborado que seja, não dá conta de tudo!" Nenhum discurso, nenhum arranjo institucional, nenhum método dá… Estamos sempre experimentando.
3) Também concordo com o sub-título do seu post, Cleusa: "Final de um ciclo da PNH enquanto Política de Governo". Creio que essa é uma afirmação da qual ninguém discorda! E convenhamos de que é bem diferente dizer que um ciclo da PNH enquanto política de governo acabou e dizer que a PNH acabou como política de governo. De certa forma, o sub-título contradiz o título.
Por outro lado, quanto mais essa conversa evolui, mais percebo que essa diferença de visões sobre o fim ou a mudança da PNH encobre uma outra diferença de percepção: entre os que entendem que o processo em curso já esta definido (e, portanto, não existe mais como processo) e os que entendem que o processo permanece em curso e aberto. Entre os que já estão prontos para serem oposição e os que acham que há espaço para novas composições…
Penso que ambas as posições são legítimas!
Mas penso também que devemos exercê-las com todo o cuidado e responsabilidade que o delicadíssimo momento político que atravessamos exige!
Nesse sentido…
4) Abro meu coração:
Sem desmerecer em nada a importância que tudo o que está em jogo nessa discussão tem para cada um de nós, confesso que ela recua para um lugar relativamente secundário quando me volto para alguns outros acontecimentos desses mesmo dias…
Quando há dois dias o Senado propõe uma "Agenda Brasil" elogiada pelo Ministro da Fazenda que é um verdadeiro pesadelo! No que tange a Saúde é absolutamente inconstitucional e lança a área num processo de privatização ainda mais selvagem do que já estamos assistindo…
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/08/1667660-cobranaca-no-sus-e-desastre-e-lembra-a-ditadura-diz-ex-ministro-da-saude.shtml
Quando na tarde de hoje foi aprovado o texto base do PL 2016 (a famigerada "lei anti-terrorismo" proposta em regime de urgência e sem nenhum discussão pública – como está que estamos podendo fazer aqui – e cuidadosamente "escondida" pela mídia, pelo menos dessa vez, apoiando inteiramente e contribuindo para a aprovação de uma medida do governo), assinado pelo Ministro da Justiça e (curiosamente) pelo Ministro da Fazenda, que altera a lei 12.850/2013, que dispõe sobre organizações criminosas, acrescentando dispositivos tão abertos que qualquer tipo de manifestação pode (ou não) ser considerada uma "organização terrorista". Afeta-me, ao escrever essa linhas, saber que nesse exato momento o Congresso vota as emendas a essa "lei hedionda"…
https://martinsvc.jusbrasil.com.br/artigos/214750393/projeto-de-lei-2016-15-e-a-importacao-da-cultura-do-medo
Continuemos aprofundando esse importante debate (tanto mais quanto ele representa um esforço de sustentação de um ambiente de discussão democrática, em meio a tantos retrocessos que estamos vivendo), mas com um olho nele e outro numa perspectiva mais ampla do que se passa nesse momento histórico do nosso país. Sem perder de vista onde só cabe oposição e onde devemos jogar pela composição.
Saudações democráticas!
Por CLEUSA PAVAN
querido Ricardo,
entro pela última vez nestes comentários centralizados em nós por algumas razões: i) concordo que um ping pong não é a melhor coisa, ii) considero-me satisfeita por ter colocado na roda um acontecimento violento e não menos nefasto do que outras violências e arbitrariedades que nos têm sido impostas ultimamente neste país e contra as quais luto incansavelmente, iii) necessidade de retirar minha libido desta paixão triste e liberar energia para todas as rodas SUS que continuo realizando, agora na região Sudeste de SP, para a minha clínica e aulas, para a resistência organizada contra o conservadorismo que assola nosso tempo, enfim, para a vida em toda a sua amplitude de paixões alegres e bem quereres.
Portanto, serei breve.
Incialmente, que bom você dizer que trago algumas questões que você não tem condições de responder e espera que outros entrem para isso. De fato você não viveu o desmonte e a truculência do mesmo em seus detalhes porque já estava fora do coletivo nacional há um tempo.
Penso que a versão que você abraçou, expressa no post tentativa de reunir toda a conversa num só post, versão segundo a qual o que houve foi uma mudança e não um fim, deixa de fora um fato considerável nos seguintes termos para mim: mudança houve, e, tal mudança, foi o recuo da equipe que fez o desmanche diante das denúncias que começaram a aparecer.
Importante ressaltar que tais denúncias: “esta gestão acabou com a PNH”, vieram de sanitaristas conhecidos nossos, e não apenas via o post da Maria de Jesus ou o meu, antes mesmo destes post saírem.
Não vejo problemas em recuos políticos. Vejo problema sim em negação da realidade, ou seja, em reversão do acontecido, posteriormente a repercussões desfavoráveis, dando a entender que foi simplesmente uma mudança. Isso não contribui, isso confunde.
E, um agravante a mais: qual foi a postura responsável de quem fez tudo o que fez sem vir a público explicitar posições? Esperar para explicitar, com ensaios de reversão, apenas depois que pegou mal?
Há uma pergunta que se repete em todas as rodas de conversa de que participo: “mas o MS não vai dizer uma palavra sequer, oficialmente, sobre o que aconteceu com a PNH?
Por que será que esta gestão desconsidera os inumeráveis apoiadores da PNH que formamos neste país inteiro, que estão nos serviços, nas secretarias estaduais e municipais de saúde, que consideravam a institucionalidade federal, que tínhamos enquanto política de governo, uma companhia ainda muito importante para enfrentarem a dureza da conjuntura local e nacional da saúde e que, portanto, merecem considerações informativas ao menos já que jamais seriam convidados a palpitar se queriam ou não o desmonte ocorrido?
Será isso mero descuido ou será desapreço por algo que não foram eles que inventaram, portanto, não podem reconhecer o valor que tem?
questões e mais questões!
saudações compositivas!
PS: apenas agora, ao vir postar este comentário, vi o comentário do Miguel e reconheço o caráter reativo e contra-reativo de nossa conversa. Mas, não desconsidero a importância da expressão disso tudo que não foi possível escoar por outros meios.
Por Carlos Rivorêdo
Pessoas humanas.
Não entro na discussão sobre se se extinguiu a PNH ou não. Apenas (re)afirmo o que penso desse movimento como ato de Governo.
Governar é, desde o século XVII-XVIII, administrar uma máquina, através de instituições que tem como objetivo final reafirmar a própria maquina de Estado. Desde a Prússia é assim e isso só se muda via Revolução. Ocorre que Governo não faz Revolução. Governo governa. E o faz através de táticas afirmativas de poder que contribuam para aumentar a governança, ou seja, a potência para governar. Tudo isso dentro de um conjunto de estratégias e táticas que compõem uma arte de governar:
1) Através das instituições que lhe são afeitas;
2) Pela decisão, calcada em saberes que possam aumentar a própria governança;
3) O distintivo de governar para aumentar o controle, pela segurança e pela disciplina da população.
Neste sentido, governo, governando chega ao máximo a fazer reformas. Para o Governo, a Revolução seria suicídio.
Assim pensando, e tentando chamar a discussão para esse novo lugar da PNH (ressalto que falo da PNH e não do Movimento HumanizaSUS), digo:
1) A PNH é uma Política de Governo, portanto, submetida a ele, à governança e à arte de governar;
2) A PNH mostrou ser uma Política DE Governo e não uma política deste ou daquele governo;
3) A PNH, assim pensando, pertence ao SUS e aos cidadãos brasileiros.
Daí, boa prá frente. Como vejo as possibilidades para esse lugar da PNH dentro da estratégia do Apoio?
1) Uma possibilidade real de transversalização pelas demais políticas do MS. Buscando o comum junto com essas outras políticas e com as Redes Temáticas de Atenção. Por exemplo, em uma roda de conversa com as Redes de Atenção, como poderíamos contribuir para aproximar os coletivos da RAS? Uma possibilidade seria colocar em discussão, tendo como pano de fundo as políticas outras, os dispositivos próprios da PNH para descobrir sua aplicabilidade em cada uma delas e de que forma.
2) Uma possibilidade real da PNH estar dentro do SUS, conhecer, criticar e, eventualmente, reconstruir os seus instrumentos. Por exemplo, como a PNH poderia contribuir para o desenvolvimento dos Complexos reguladores? Como as diretrizes e os dispositivos da PNH poderiam contribuir para suavizar os protocolos rígidos utilizados na Regulação?
3) Uma possibilidade de aproveitar o acúmulo de experiências no fomento à cogestão, via desenvolvimento de coletivos, nos órgãos colegiados de gestão das regiões de saúde e suas câmaras técnicas. Por exemplo, como a PNH pode contribuir para o aperfeiçoamento das reflexões que se instalam nas CIRs?
4) Uma possibilidade de atuação no auxílio às tomadas de decisão nos colegiados das regiões de saúde. Por exemplo, como contribuir para que as decisões nos colegiados de gestão possam estar incluindo não apenas os gestores, mas também os trabalhadores e os usuários?
5) Uma possibilidade de desenvolvimento e envolvimento na transformação do Controle Social nas Regiões de Saúde em Fóruns efetivos de Participação Popular. por exemplo, a expertise da PNH pode auxiliar na gestão dos conflitos permanentes entre usuários, gestores e trabalhadores, dando voz aos fórunde de PArticipação Popular?
Vejo um sem número de possibilidades que dão sinais de vida.
Conto uma experiência.
Em recente roda no Rio de Janeiro sobre o Apoio às Regiões, após longa discussão sobre o projeto em si, acordamos que os apoiadores fariam uma agenda de apropriação das política do MS par o SUS. A PNH pautada pelo seu caráter de transversalidade com as demais políticas.
Última coisa, quando da última reunião do CGN insistia que deveríamos manter o CN e as Frentes da PNH no novo arranjo. Avaliava que teria espaço politico para tanto. Bem, parece que não estava insano. Dia 3 haverá uma oficina com o CN da PNH, convocada pela coordenação do Apoio. Ótima oportunidade para afirmarmos a positividade desse coletivo.
Repito, bola prá frente, que atrás vem gente (do mal).
Beijo fraterno.
Carlão.
Companheiros
Entro para dizer que com cócegas nas mãos, ainda não tive tempo hábil para entrar nesta conversa. E que conversa!
Todos os posts sobre o assunto são importantíssimos, desde o primeiro que partiu do território de São Paulo até o último, por enquanto, que acho ser este, em que Ricardo Teixeira, velho amigo e companheiro querido, tenta trazer para um único mais que apenas compilando, beleza pura, porém colaborando com sua própria visão.
Os temperos e destemperos fazem parte da conversa e da controvérsia, rs, mas, acima de tudo, democraticamente convocam à conversa intensiva.
Em linha paralela, se espalha pelos facebooks a discussão e, confesso, tenho, na medida do possível, convocado a todos para que migrem também para cá esta discussão, porque considero e confio, ao menos ainda por enquanto,pois nada me fez pensar o contrário, que a RHS continua sendo a Máquina Expressiva do SUS e que seus editores, na medida do possível, com toda a sua dimensão de humanos, demasiadamente humanos, continuam firmes e fortes no timão da democracia, preservando acima de tudo as manifestações, venham de onde vier.
Enfim, tô chegando compas, principalmente porque vejo que há uma dimensão nisto tudo que não está sendo ouvida: a voz que vem dos territórios. Não acho que isto se dê por cinismo ou falsidade, mas é que, a meu ver, estamos engajados todos, sem tirar nem por, num movimento reativo e contra-reativo que nos tem impedido de ir ao encontro daquilo que os territórios colocam como cerne da questão.
Juro que isto não é marketing para que leiam meu futuro post, que ainda não existe por falta de tempo mesmo, mas porque sinto que há algo fora do lugar e, infelizmente, assim me parece, é o lugar em que a PNH viva acontece, a dimensão pública.
Enfim, pedindo perdão por antecipar a questão sem esclarecê-la já, afirmo que farei um post com o tempo que ele merece, voltando à discussão.
Apenas passando para parabenizar a PNH viva, esteja ela aonde estiver, e sua máquina expressiva chamada RHS. Continuem pois, pois eu continuarei nesta discussão…
Abraços fraternos.
Miguel Maia
O post anunciado: https://redehumanizasus.net/91802-para-nao-dizer-que-nao-falei-dos-vivos-do-bolinho-de-bacalhau-e-da-camaleonica-pnh, já se encontra na rede.
Miguel Maia
Querido Ricardo,
viva, quase morta, morta viva? Não sei se estamos falando se a PNH existe ou não como Política de Governo, mas se ela está viva, pulsante, contagiante. Quem poderia dizer isso?
Tenho a impressão que se ela existe, está tão fraca que parece morta. Se há dois ou mais anos atrás alguém publicasse um post como o da Cleusa, não seriam ex-consultores que estariam se manifestando, mas dezenas de consultores. Se ela existe, certamente ela está mais forte fora do Ministério do que dentro. Não é a toa que quem se manifesta sobre esta questão com veemência são ex-consultores. Se existe um Coletivo da PNH, enquanto Política de Governo, ele está aquém da PNH. Não digo das pessoas individualmente, mas do agenciamento que a produz. Por onde tenho andado não percebo a presença da PNH enquanto uma agenda de governo.
Existe uma ética, uma estética e uma política da amizade que fundou a PNH pautada na tensão e composição da diferença. Por isso discordo de ti querido companheiro, na leveza da certeza que isso pode produzir rachaduras com outros, mas não entre aqueles que compartilham essa política da amizade. Esse exercício de falar francamente sem medo da morte foi o motor que permitiu mudanças de arranjos e gestores. Processos coletivamente construídos. Nunca foi um DAS, per si, que definiu a legitimidade de uma coordenação nacional da PNH, sua força, sua bravura para defender uma política de resistência. Mas um respaldo coletivo emanado do território (espaço de vitalização e renovação da Política). Não cabe a mim dizer como os rumos do novo ciclo da PNH estão sendo desenhados. Não os conheço. Me limito a demarcar um certo sentido constitutivo dessa política.
Por ser a Política de Humanização do SUS, a PNH se parece muito com o SUS: não acaba porque tem bases sólidas que fundam um sentido de democracia, mas não avança porque esbarra em interesses macropolíticos, econômicos e subjetivos que compõem a sociedade brasileira. Agoniza, mas não morre! Quem em sã consciência ousaria anunciar que vai acabar com uma Política de Humanização, com o SUS, com a Democracia? Também não acredito que estejamos diante de uma intenção coinsciente deum grupo de por fim a uma Política, mas de um rolo compressor!
Por isso Ricardo, não é possível reduzir a questão tão complexa a uma identificação identitária de alguns pelos arranjos instituídos. Arranjos e coordenações sempre mudaram. Eixos, frentes, coletivos regionais, cursos de formação, RHS… Tudo isso foi uma invenção temporária que cumpria uma função de manter vivo o exercício democrático. Não é essa a questão que está sendo anunciada.
A PNH já passou por algumas mortes. Talvez estivesse fadada a uma vida curta. Desde sua criação, a máquina de estado e a máquina governamental foram resistentes à ética da PNH. O primeiro ciclo de gestão da PNH foi marcado por uma importante ruptura do movimento da Reforma Sanitária. Talvez estejamos passando por um risco semelhante ao que vivemos em 2004. Desde então ficou reservado à PNH um lugar menor, e a partir de um exercício coletivo, esse lugar menor foi tornado potência, uma função menor, um devir minoritário. A potência da denúncia e da produção de desvios em quase todas as Políticas Maiores. Não para produzir maioria e hegemonia, mas para produzir contágio e mudança…movimento. Não deixar a peteca cair! Só assim uma política de 6 milhões de reais, composta por 50 pessoas, produziu um legado tão preciso pro SUS. Por isso, apesar das tantas mortes, a PNH resistiu. “Quero ter olhos pra ver”, a PNH renascer!!! Rsrsrsrs!!!
Espero estar enganado e que essa crise seja uma marolinha. Mas não parece. A crise da PNH é apensas um analisador. Esse fim de ciclo ao qual se refere a Cleusa é o fim de um ciclo mais amplo, em que a própria esquerda vai precisar se reinventar, os movimentos sociais estão se reinventado, os rumo da própria democracia vão precisar se reinventar. Isso vai demorar.
A PNH foi um acontecimento efeito de uma certa conjuntura do processo democrático, em que foi possível inscrever na máquina republicana algumas temáticas caras a democracia. Mas a PNH não tem uma relação intrínseca e necessária com a máquina governamental. Ela pode e continuará sendo exercida por outros meios. E certamente, estaremos juntos nesse front! No limite, acho que a reformulação de uma Política é sempre efeito de um problema concreto. Se a questão central da PNH é a democracia institucional, qual seria o novo problema que exigiria uma reformulação?
Profundas reflexões, querido Tadeu, e extremamente pertinente a questão que coloca no final de seu comentário.
Embora não seja de simples formulação, penso que você mesmo nos dá a pista quando formula que a PNH, como o SUS, agoniza mas não morre, porque tem bases sólidas apesar de "não avançar porque esbarra em interesses macropolíticos, econômicos e subjetivos que compõem a sociedade brasileira".
Tais obstáculos têm, não certamente como fator único, mas bastante importante, como penso, as formas como têm se dado a gestão e seu relacionamento com aqueles que, embora precisando para levar seus projetos a frente, cisma em considerar como simples recursos humanos, como máquinas luxuosas de produção, no seu aspecto vivo. Aspecto que, ao contrário do que desejam, não funciona apenas como mãos/ferramentas alienadas e pés/docilizados de ovelhas seguindo um pastor. Os que produzem, o fazem com seus corpos, sua carne, seu suor, seu sangue, seu coração, sua mente e, assim, sofrem mutilações imensas nesta violência que é passar por cima de sua vitalidade normativa.
Apenas diria que, não é a PNH e o SUS tão somente, são todos os trabalhadores que agonizam e, infelizmente, às vezes morrem mesmo ou se matam, porque não conseguem viver sem um sentido para aquilo que fazem.
Como apoiador, estive junto a vários trabalhadores da saúde, em diferentes serviços das redes e o que ouvia em uníssono era que a coisa pública é quase diluída frente a interesses de quem está na gestão, como se o que gerissem fossem propriedade sua e não uma empresa pública.
Ou repensamos todas as formas de fazer gestão e as transformamos em modelos mais democráticos, condizentes com a res pública, ou privatizaremos, enquanto gestores e trabalhadores, aquilo a que fomos chamados a responder em nossa missão pública.
Como analista do trabalho, tenho ouvido e percebido um certo endurecimento da gestão do trabalho, tanto por administradores como por trabalhadores, que, virando-se como podem, tentam dar conta de um sistema enlouquecido e enlouquecedor em o qual a dimensão cooperativa, afetiva e subjetiva acabam blindando-se em uma produção de subjetividade individualista, personalista e pouco afeita ao valor da construção coletiva que torna a todos solitários em meio a um meio que em tudo parece ser feito apenas para extrair ao máximo a sua força viva, nem que para isto precise passar por cima como um rolo compressor.
Principalmente na saúde, que não é comércio, não é mercadoria, não é bem consumível e muito menos empresa privada e privativa de quem possui poder econômico, mas necessidade vital, estes modelos contraproducentes de gestão têm provocado um completo arraso e empobrecimento mutilante da potência de quem nela opera.
Para mim, corrupção é exatamente a incapacidade de sair do próprio egoísmo, do próprio individualismo, do próprio interesse pessoal para construir algo com um outro, visto e sentido como um outro e não decalque de si mesmo. Desta forma, estamos num sistema corrupto e corruptor e não é a toa que, mundo a fora, temos constatado tanta denúncia de corrupção, seja na esfera pública ou privada. Não dá para deixar de ser corrupto se nos corrompemos neste individualismo cego e cruel no qual vale qualquer coisa para ter vantagem pessoal, de que ordem for.
Vejo com bons olhos, em nosso país, estas denúncias e investigações que não têm acabado em 'pizza' como no passado.Lamento que, por interesses espúrios, elas sejam propaladas como se a corrupção tivesse aumentado nos últimos anos, em decorrência de um governo, quando, o que percebo, é que está mais difícil para os ratos se manterem nas sombras, em virtude de um maior amadurecimento democrático deste país.
No frigir dos ovos, acho que a Humanização de que falamos, tem muito a ver com tudo isto. Democratizar as relações de trabalho não é uma utopia messiânica, é uma necessidade imperiosa para que paremos de nos matar trabalhando e matar aqueles que trabalham junto conosco.
Ou a gestão é com o outro, como cogestão, ou ela será sempre corruptora e corrupta, porque utilizará o outro como recursos de um projeto não dialogado, imposto e mutilador que muda, não para fazer melhor, mas para imprimir sua marca ao que faz.
Como você aponta, a crise da PNH não é a crise, mas um analisador de uma crise muito maior que, como penso, nos demanda uma profunda reflexão e debate sobre o processo civilizatório nos nossos tempos. Uma crise de sentido político, ético e estético com a qual Félix Guattari já dialogava em as suas "Três Ecologias".
Enfim, esta crise não é privativa da PNH e de sua relação com a SAS. Não se trata de maquiavélicos num jogo sórdido de destruir um ao outro, mas do encontro com algo que é bem mais generalizado e que, sem outro nome no momento, diria que é uma profunda perda de sentido de todos os valores que tem desrespeitado em todos os âmbitos a vida digna de ser vivida.
Desculpe se pareço colocar as coisas para um além sem governabilidade, parecendo minorizar a problemática séria que enfrentamos na saúde. Mas a saúde é um, apenas um, dos verbos da vida e, como eles se transitam, porque a vida não pode ser intransitiva, em qualquer um deles nos encontraremos com a mesma crise, se for mesmo esta a palavra adequada.
Estamos todos moribundos e claudicantes. Estamos todos num não poder mais que explode em miríade de manifestações de descontentamento e caça às bruxas, quando ganharíamos mais construindo juntos as três ecologias do Guattari.
Veja aqui mesmo, no nosso exemplo, como as questões vão sendo reduzidas a questões personalísticas, entre compositores e opositores, quando somos todos produzidos por um sistema que não nos dá muito tempo para nos produzir e, muito menos, nos produzir com o outro.
Urge a valorização de coletivos, urge a construção de espaços coletivos, urge deixarmos de lamber nossas feridas narcísicas para, feridos, fazer da ferida nossa força.
Para finalizar. Estranho também muitíssimo a ausência da nova PNH nestas discussões, em que só fala quem não está mais no MS. Vai virando uma espécie de analisador importante, porque vai suscitando inúmeras questões. Mas enfim…
Acho que ganharíamos bem mais com a proposição do Gustavo:
"Proponho que a PNH agora em diante seja constituída pelos sujeitos que militam pela Humanização da gestão e da atenção à saúde!!! Pelos sujeitos que defendem a democracia!! E que os gestores do SUS se corresponsabilizem, diante da potência desse movimento, para garantir financiamento e respaldo institucional para fazer acontecer o que o Movimento HumanizaSUS discutir e definir como estratégico!!
O HumanizaSUS, e não mais apenas o MS, deveria propor conferências, encontros, discussões regionais, nacionais e internacionais, com o tema central da Humanização e propor uma agenda política, chamar o MS para conversar!".
No mais, não tenho mais nenhum desejo de discutir "a morte e a morte e a morte da PNH", a la Quincas Berro D´água, ou a vida dela; acho que já disse tudo que tinha a dizer, cansei.
Prefiro que nos esforcemos para repensar o movimento HumanizaSUS e nossas formas de luta em defesa do SUS, como compositores com suas diferenças, certamente, mas comunados nesta direção comum que nos aproxima a todos e nos faz militantes do mesmo desejo.
Miguel Maia
Prezad@s amig@s!!!
Nos idos de 2011, quando se intensificavam os debates internos no MS em torno da implementação dos dispositivos do Decreto 7508, no trabalho intenso de grupos técnicos que articulavam várias secretarias do MS e representantes tripartite, ouvi de várias bocas que aquele parecia, finalmente, um momento em que a perspectiva do “ministério único da saúde” se desenhava. Daqueles debates surgiu a proposta do “apoio integrado do MS” e em pouco mais de 6 meses, a PNH deixou de ser solitária nos territórios do SUS e mais de 200 técnicos e consultores de áreas do MS se lançaram ao território sob o título de “apoiadores” do MS para estados, municípios, regiões de saúde.
Como era esperado, nem todo ao chamado “apoiador do MS” conseguia, desejava ou sabia fazer apoio institucional. A esmagadora maioria dos apoiadores estavam no território para fazer valer os interesses das áreas técnicas e políticas específicas, em ritmos e intensidades muito heterogêneas. A maioria, como foi objeto de várias intervenções minhas à época (coordenador da PNH), mais na função de representar o ministério em suas funções de induzir, financiar, implementar, monitorar e fiscalizar, do que produzir uma efetiva relação de compromisso solidário interfederativo com as políticas do SUS. Manteve-se o “cada um no seu quadrado” em grande medida e isso foi gerando cada vez maiores conflitos internos entre áreas e secretarias ao ponto do arranjo ficar muito enfraquecido e ser considerado por muitos um grande fracasso.
Todavia, muitos de nós aprendemos com isso que o MS não é uma única máquina, mas um grande organismo, com o seu interior muito articulado com o “fora”. Algumas áreas mais permeáveis e fortalecidas politicamente por movimentos sociais organizados, militâncias e instituições, outras mais surdas à sociedade, fechadas, empobrecidas pela pesada burocracia (mais muito poderosas e constituintes da tecnocracia do governo federal). Muitos de nós aprendemos que o problema não é a fragmentação das áreas em si, mas a ausência de soluções organizacionais, políticas, metodológicas que considerassem o MS como uma multiplicidade efetiva (permeada pelas agendas das políticas em disputa perpétua) e não uma única máquina que padece de integração. Mas isso demanda alinhamento com um certo paradigma (democrático).
Acontece que alguns atores envolvidos na tentativa do apoio integrado em 2011 e 2012 não escondiam (ou nem sequer desconfiavam) que a ideia deles de “ministério único da saúde” era, na verdade, um sonho fascista, uma tentativa de controle totalitário do que denominei à época de ministério múltiplo da saúde. Para estas pessoas, o fato das diversas áreas do MS se articularem de forma heterogênea e inclusive autônoma com diversos movimentos sociais e perspectivas político-institucionais sempre representou uma “ameaça ao governo”. Não ao governo como instituição. O governo eleito pelo voto. Mas a ameaça ao projeto de um grupo. Bueno, isso percebido, de lado a lado, no conflito entre forças internas do MS e forças do SUS, o “apoio integrado” como arranjo formal e poderoso foi destituído à época. Mas os apoiadores continuaram em território. As diversas áreas e políticas do MS, em negociação com as secretarias e colegiado do MS é que decidiram como, quando e onde o apoiador do MS continuaria atuando. Uma vitória provisória da multiplicidade do MS para alguns, que muitos gerentes e gestores interpretaram como uma vitória da inércia, cultura institucional da tecnocracia do MS, por conflitos adiados em função de pautas mais estratégicas.
A PNH atravessou esse processo todo se mantendo firme. Não mais sozinha nos territórios do SUS. Mesmo assim se mantendo como referência em método de apoio institucional. Teve que se rever, e muito! A PNH fez muitos movimentos de reorganização neste período que antecede imediatamente o atual, 2012 a 2014. Com muitos conflitos internos, manteve seus arranjos de funcionamento pois, a meu ver, eles ainda faziam sentido. Não cabe a mim dizer se ainda fazem sentido hoje. Penso que sobre isso, os colegas que dialogam nesse debate podem falar com propriedade.
Chegamos então ao ponto.
Seria esse momento da PNH uma crise devido a reconfiguração no MS ou analisador de que a PNH não cabe mais no MS ou no SUS? Penso que não vale a pena entrar desse modo na questão, pois o efeito disso não incomoda quem, na minha opinião deveria ser incomodado!
Nessa linha de raciocínio, teríamos que levar em consideração que boa parte da frustração de colegas que defendem que a PNH acabou como política de governo é proveniente do incomodo provocado pela desconstituição de arranjos organizacionais que essas pessoas ajudaram a criar e a sustentar por alguns anos. Nesse ponto só posso me entristecer ao perceber que o apego ao arranjo gera tal sofrimento e violência de lado a lado. Ainda nessa linha de raciocínio, seríamos levados a pensar que a frustração é de um grupo que se acha dono da PNH, o que contradiria tudo que se argumenta baseado nesse triste encontro. Como amigo peço e torço que saiam logo dessa posição!!!!!
A questão analisadora para mim passa pelos seguintes pontos:
1 – Quando a percepção de que um processo institucional é de que foi feito de forma violenta, o problema pode ser a interpretação de um grupo que teve seus interesses feridos, ou realmente se trata de uma forma truculenta da gestão. Tenho ouvido relatos de muitos trabalhadores do MS de que as relações de trabalho estão muito duras, intransigentes e centralizadoras. Há gente no Brasil que comemora esse tipo de postura dos gestores! Estamos vivendo uma era que na qual um gestor democrático ainda é visto como um gestor fraco. Sabemos que a violência institucional no setor saúde é um problema sistêmico, não só em relação aos usuários, mas também sobre trabalhadores. De algum modo, toda essa situação faz transparecer que a gestão do MS, em especial da SAS, não soube lidar e negociar essa transição e talvez esteja agindo de forma truculenta. Seria essa mais uma tentativa centralizadora e totalitária de constituir o “ministério único da saúde”, no qual tudo é sabido e decidido pelo secretário-ministro-presidenta? Nesse ambiente de trabalho, trabalhador é o empregado que passa os dias fazendo notas técnicas, reunindo dados solicitados pelo chefe, para que sejam alimentadas as planilhas e power-points que serão utilizados para a tomada de decisão centralizada. Sem engajamento, criação ou vida inteligente… Não há melhor forma de tornar o MS menos poroso a sociedade, mais autocrático e supressivo das agendas políticas sociais, em especial aquelas minoritárias, as quais a PNH sempre defendeu em sua história! Meu diagnóstico provisório é que a gestão do SUS é cada vez mais um problema dos gestores e gerentes e menos da sociedade. Minha percepção é que não há nada nesse “caso” da PNH que indique o contrário! Devíamos estar preocupados com isso!! O arranjo da PNH está explodido? Ótimo!!! Assim o corpo fica mais leve e flexível, pode criar coisas novas e mais potentes! Carregar a “cangalha institucionalizada” já vinha pesando demais e não é de hoje! Sempre defendi que a PNH deve ser “a água que vaza" e não a "pedra de define o curso”.
2 – Com tamanha crise política, toda e qualquer crítica “de dentro” tem sido vista como “fogo amigo”. Os problemas do governo Dilma com o recrudescimento da direita no Brasil são graves a ponto de colocar todas as conquistas sociais e éticas em risco. Sim! Há gente contra a democracia e contra tudo o que se defende na RHS e o que ela representa!! Mas isso não pode ser motivo para calar qualquer crítica ou autorizar os autoritarismos “de dentro”! O Ministério da Saúde está na defesa! Fechado aos movimentos sociais! Enfatiza demasiadamente as políticas de provimento e fixação no profissional médico! A questão estratégica da transversalidade sumiu de vez da agenda política! Destituiu vários dos programas de fomento à relação ensino-serviço e até o momento não anunciou novas linhas!! Queremos colaborar, apoiar o MS!! Mas ele está fechado para boa parte da sociedade!! É preciso abrirmos o debate e reposicionar a militância do SUS!!
Levando em conta esses dois pontos, e levando em consideração que os trabalhadores da PNH são extremamente qualificados e a eles não lhes falta alternativas de trabalho, discutir se a PNH acabou como política de governo ou não é, no mínimo um sinal de que parte do grupo da PNH, vinculado ao MS, está cansado, frustrado ou se institucionalizou demasiadamente!!
Proponho que a PNH agora em diante seja constituída pelos sujeitos que militam pela Humanização da gestão e da atenção à saúde!!! Pelos sujeitos que defendem a democracia!! E que os gestores do SUS se corresponsabilizem, diante da potência desse movimento, para garantir financiamento e respaldo institucional para fazer acontecer o que o Movimento HumanizaSUS discutir e definir como estratégico!!
O HumanizaSUS, e não mais apenas o MS, deveria propor conferências, encontros, discussões regionais, nacionais e internacionais, com o tema central da Humanização e propor uma agenda política, chamar o MS para conversar!
Se do contrário, chegarmos a conclusão de que não existe essa potência neste movimento, talvez tenhamos que nos perguntarmos qual o sentido de uma Política Nacional de Humanização!
Abraços,
Gustavo
Excelente contribuição Gustavo.
Publiquei um post, https://redehumanizasus.net/91802-para-nao-dizer-que-nao-falei-dos-vivos-do-bolinho-de-bacalhau-e-da-camaleonica-pnh, em que alertava para o fato de que estava me parecendo que estávamos presos a falsos problemas e, inclusive, de certa forma surdos, a boa parte das vozes que vem do território.
A questão da defesa dos arranjos, ao meu ver, está muito mal colocada, porque ela foi uma ínfima parte do que foi debatido pelo Coletivo Nacional, até junho, quando então foi decidido que este grupo se dissolveria, entregando a coordenação da PNH para a SAS.
Ora, prender-se a arranjos seria uma fetichização do método e estaria muito mal qualquer política que compreendesse que apenas um método poderia garantir sua existência. Inclusive, na PNH, isto seria esdrúxulo, porque sabemos bem como ela modificou e modificava seus arranjos todo o tempo. Portanto, entender que a saída de alguns consultores se deveu a um apego excessivo aos arranjos e a uma certa relação idenditária com um único modo de fazer PNH, é entender muito mal o que se passou e, inclusive, desqualificar a decisão dos que partiram.
Por isto, insisti também que a discussão da existência ou não da PNH como política de governo era outro falso problema ou, ao menos, estava tomando uma proporção descabida e escamoteando um outro fator desencadeante do que se constituiu como uma certa ruptura de alguns consultores.
No bojo de todas estas discussões que certamente fizeram parte de nossas análises, penso, e que os outros digam por si mesmos se não foi assim, que o que entendemos como uma impossibilidade de permanecer e continuar nos chamando de consultores da PNH foi um certo modelo de gestão, posto em marcha, e que sentimos que feria todos os princípios da PNH.
Foi portanto, uma certo modo de relação da máquina com as políticas públicas, que nos eram caras demais, que começamos a contestar. O que não podíamos aceitar não era rearranjar os nossos modos de fazer, isto sempre fizemos, e você bem o sabe. Nos oferecemos para compor, mas compor com diálogo e construção conjunta, já que numa composição há que haver, necessariamente, uma aproximação negociada das diferenças de projetos.
Sentímos então um certo modo de fazer que nos impediria de compor com os territórios e apoiá-los em suas demandas. Vários movimentos em marcha e considerados potentes, não pelos consultores, mas pelos próprios territórios, não seriam mais possíveis e os que existiam teriam que acabar o que, de fato, acabou acontecendo.
Como diz Edu Passos e Regina Benevides no mesmo texto citado por Ricardo: "Garantir o "caráter constituinte" do SUS, impõe que possamos identificar os problemas contemporâneos que se dão na relação entre Estado e as políticas públicas”. Foi a análise do tipo de relação que estava se estabelecendo e que estávamos sendo chamados a compor que, assim nos pareceu, tornava a PNH inabitável na máquina de governo.
Portanto, não foi apego a arranjos e a um ideal de PNH o que nos levou à dissolução, foi uma forma de relação verticalizada, pouco transversal e que impunha um único projeto como o prioritário, tanto assim, que todos os outros deveriam se converter a ele e, aquilo que não parecia homogêneo, deveria ser finalizado. Parecia-nos que isto era uma espécie de violência institucional e o estabelecimento de uma certa autocracia que feria de morte os princípios democráticos da PNH. Como continuar?
Por outro lado, entendíamos que a PNH, até certo ponto, já havia cumprido sua função, com capilarização nos territórios e na máquina que talvez a tornasse mesmo uma mortalha, caso continuasse daí para frente. Em nenhum momento achamos que a PNH tinha morrido, o movimento HumanizaSUS é a PNH, não a entrincheirada na máquina, mas a que ganhou vida e força por si mesma como política pública. Para que então PNH, se ela estava sendo colocada na máquina de um jeito em que ficaria amarrada e impedida de ser ela mesma?
A violência da reformulação é hoje, infelizmente, sentida pelos territórios. Como disse em meu post, me parecia que esta sensação de desfiliação, de abandono e de desqualificação que apontam em várias falas, não estava sendo ouvida.
Coisa que tentei expressar lá e que trago para cá agora:
Vamos lá companheiros, tenhamos ouvidos não surdos, os trabalhadores dos territórios estão repudiando a sensação de serem apenas instrumentos de uso de políticas que se modificam ao bel prazer de gestores, infelizmente personalísiticos, que querem impor sua marca e, para isto, desconsideram o que já existe e é sentido como movimento que dá certo, como um oxigênio no meio da sufocação de um verticalismo solapador da vida, principalmente, da vida afetiva. É a isto que eles chamam fazer sempre o mesmo. O repúdio é ao abuso de suas vidas, de seus esforços, de seu engajamento, de seus afetos. E como não seria assim? Estamos, nós trabalhadores, diria do mundo inteiro, cansados de nos vermos triturados por uma máquina de fazer sempre o mesmo e de termos que começar sempre de novo, porque simplesmente o que funciona e dá certo é desmontado em nome de um projeto melhor. Cansamos deste tipo de messianismo dos infernos.
Leiam com atenção e cuidado o que nossos formadores do território, apoiadores, articuladores, trabalhadores, estão nos dizendo. Pífio, se acharem que a Cleusa os incitou com a sua verdade, porque, se formos ver em Santa Catarina, o Carlos colocou a coisa de outro jeito “mais suave” e, no entanto, como as Marias Josés de São Paulo, os Raphaéis de Santa Catarina sentiram do mesmo jeito. Prefiro, como analista do trabalho, ler as coisas de outro jeito. Diante do desconforto dos consultores frente a serem obrigados a saírem de movimentos, abandonando aqueles que se engajaram, lutaram e se comprometeram, sentido que faziam a diferença para a sua realidade, como não ver aí uma atmosfera comum de violência institucional que se abateu sobre todos, apoiadores e apoiados, se sabemos que esta relação, ao menos na militância PNH, não se separa?
Portanto, como entendo, não é a PNH que eles pedem para retornar como era, não são arranjos da PNH, sua idealidade identitária e a Política de Governo que eles enfocam, nem o que enfocamos como prioritários, mas um certo tipo de relação que nos põe como apenas receptarios de um projeto por vir, solapando todos os seus movimentos atuais.
Eles não repudiam a SAS/MS, repudiam sim uma forma de relação em que não são chamados para conversar, na qual suas vozes não são ouvidas.
Isto sim, é grave e sério, pois solapa, mais uma vez, a confiança dos trabalhadores.
Trago para cá a fala de um trabalhador em comentário ao meu post:
"Nós, aqui no território, estamos famintos de apoios institucionais que deem passagem ao vívido da vida, à potência de mudanças, ao fortalecimento de vínculos solidários de saúde. O corpo já não aguenta políticas cartoriais que determinam, adequam, conduzem. Ele vomita na apatia dos trabalhadores, na falta de vontade, no mal atendimento. O corpo não é bobo. A boca pode até comer, mas a alma vomita!!!".
O que mais dizer?
Abs.
Miguel Maia
Por bethmori
Bom dia pessoal,
Miguel entrou no ponto que também me chamou a atenção na fala do Gustavo que, junto com Tadeu, trouxe ótimas questões para pensarmos… Tadeu nos deixou uma boa pergunta: "Se a questão central da PNH é a democracia institucional, qual seria o novo problema que exigiria uma reformulação?"
Como Miguel entendo que o que pegou foi o confronto de objetos de trabalho. A PNH propõe a implementação da democracia institucional na sua radicalidade e, por isso, exercitá-la para dentro faz parte de seus processos de intervenção. Não acho que a atual gestão do Ministério tem interesse em implantar a democracia institucional no SUS e cuidar da saúde do trabalhador, pois se quisesse não mexeria com a PNH (e seu coletivo de trabalhadores) do modo que fez.
A forma como foi feito o desmonte da PNH, pela gestão maior do MS, não me pareceu coisa de gestores que acreditam que a cogestão é o único caminho para o SUS se exercitar enquanto política pública. Negam portanto os princípios Susista. Sabemos que o tom centralizador de atuação comanda a gestão na Saúde federal hoje. Ouço isto de pessoas (que trabalhavam em outras áreas, inclusive na SE) que saíram, deixaram o MS, porque nesse tempo se sentiram desqualificadas, não valorizadas, não reconhecidas, por não foram convocadas a trabalhar, pensar, propor os novos tempos. Isoladas, adoeceram. Sofreram porque o trabalho perdeu o sentido. O mesmo foi acontecendo conosco, consultores da PNH, e por isso alguns de nós saímos.
Tem sido assim "manda quem pode obedece quem tem juízo" e "quem discordar que saia". Esse tom gerencialista tem marcado, infelizmente, a gestão de muitos campos da Esquerda. Não somente no MS, como sabemos. Portanto, Gustavo, temo pelo seu entendimento de que nossa reação no enfrentamento desse modo de fazer gestão se restrinja ao tema do arranjo, como uma coisa menor.
Será que entendi direito? Para nós os arranjos organizacionais experimentados ao longo desses 12 anos eram "o como" buscávamos compartilhar o poder e nos responsabilizarmos pelas decisões tomadas, num exercício contínuo e fundamental do processo de cogestão: em ato! Temos uma história de mudanças de arranjos internos para lidar com o problema "falta de acesso dos usuários e de participação na gestão do trabalhador". Muitos de nós escrevemos artigos sobre esse ponto.
Por isso entendo que este processo de "desarranjo", como nos disse Eneida, em outro post, não foi coisa pequena. Ao contrário, debatemos muito internamente sobre outras formas que poderíamos nos estruturar para compormos melhor com a regionalização do SUS, por meio de um projeto político que elaboramos e entregamos à SAS. E, não fomos ouvidos. Nossa história não foi ouvida. Ficou claríssimo em todos os encontros com as assessoras da SAS que participei que a decisão em dissolver a PNH no grupo do apoio descentralizado, com apoio generalista (impossivel ao meu ver), já estava tomada. E não tinha escuta para nada diferente disso.
Por último, se não foi um ato falho a imagem do post, a decisão afirmativa consciente do título "fim OU mudança", com os argumentos que se seguiram, nega a primeira possibilidade em defesa da segunda. Se não era essa a intenção teria sido melhor então "fim E mudança", com inclusão dos dois acontecimentos. Digo isso porque comungo da ideia de que vivemos o fim de um ciclo de cogestão no MS. A PNH acabou para a gestão do MS porque o que justifica esta Política é vivenciar a gestão compartilhada como Diretriz. Tanto é que no apoio institucional demandado por gestores e trabalhadores em Secretarias e serviços sempre iniciávamos pela implementação de dispositivos de cogestão.
Não aceitar este fato que estamos reiteradamente afirmando é desqualificar o que vivemos e sentimos, nós ex-consultores que saímos por não toparmos continuar jogar um jogo no qual, para permanecer, teríamos que nos comportar como cordeiros. Reafirmo, portanto, publicamente que em nenhum momento não nos furtamos a debater esse caminho onde enxergávamos, no fim do túnel, o abismo que a PNH vinha sendo (e foi) empurrada.
Abraços, Beth Mori
Companheiro Gustavo
A conversa na RHS está tão rica e proveitosa, que só mesmo aos poucos, depois de irmos afastando as nebulosas e clareando os caminhos é que vamos podendo entrar nos cometários e explorarmos, aos poucos, sua imensa riqueza.
Com todos os ui,ui,uis e ai, ai, ais de todas as parte sendo acalmados na catarse de um certo vômito reativo, acho que finalmente, após o muro das lamentações a que já nos acostumamos em todo começo de trabalho para formação de coletivos, acho que vamos aqui lançando sementes que, se tratarmos com cuidado, poderão florescer em algo extremamente positivo e pertinentes para todos nós, independente do lugar que ocupamos, que militamos nos áridos caminhos de efetivação e defesa do SUS.
Não mexa com o SUS, ele não anda só! Eu ando com o SUS e junto comigo vejo uma multidão que, ainda que diversa e sem cabresto, como qualquer multidão que se preza, marcha incólume na mesma direção.
Neste e lá nos outros posteres sobre o mesmo assunto, vai, como percebo, surgindo um desejo comum de maior diálogo e abertura de um espaço público de construção comum, realmente democrático e participativo, no qual, na conversa qualificada possamos ouvir e ser ouvidos em nossas diferenças, que aponta em última análise para a democratização das relações institucionais.
Você diz: "Meu diagnóstico provisório é que a gestão do SUS é cada vez mais um problema dos gestores e gerentes e menos da sociedade". Comungo desta provisoriedade. Nas percepções que tenho em minha atuação, também este diagnóstico me salta aos olhos.
Acredito que esta constatação cause-nos um certo espanto e desconforto, ouso colocá-lo como cúmplice de meu espanto e desconforto e digo o porquê.
Sabemos bem que ver e dizer não são a mesma coisa e que nunca conseguimos dizer o que vemos e ver o que dizemos, porque entre ver e dizer há um mundo de águas rolando de coisas que não são nem possíveis ao ver e muito menos ao dizer. Daí a necessidade para um ser político daquilo que Rancière denominava a partilha do sensível, quando, então, no sentir em comum, mas que ver e dizer, atuamos juntos numa intervenção que nem podemos ver nem dizer ao certo, mas que nos põe em co-movimento e, quando nos damos conta, vemos e dizemos outras coisas e assim tudo recomeça sem nunca acabar e ter realmente começado.
Mais que isto, sabemos bem que o problema quase nunca está, ao menos com muita sorte, aonde o percebemos no primeiro momento e que é preciso problematizar em conjunto para, então, depurarmos nossa capacidade de por o problema, o que chamamos ampliação da capacidade de análise. Como se não bastasse, sabemos bem que focar o que depende de rede de relações complexas e heterogêneas sobre apenas um de seus protagonistas não se mostra uma boa focada. Por isto postulávamos, na boa e velha PNH, a tríplice inclusão.
E assim, de provisório em provisório, ousaria alargar seu diagnóstico provisório. A gestão do SUS é cada vez mais um problema dos gestores e gerentes e menos da sociedade, porque a sociedade entende que gestão é inerente somente a gestores, sem compreender que todos nós somos também gestores e cúmplices do nosso status quo. Só existe verticalidade e ela só consegue domínio absoluto, porque corroboramos com ela, verticalizando a horizontalidade na forma de segmentos, castas, corporações e segregações e decalcamos tudo com o padrão de domínio produzido por um sistema que nos produz para o reproduzirmos.
Assim, tudo se torna um só verticalismo estreito, sem molejo para os lados, porque até os lados estão verticalizados em seus horizontes estreitos.
Deus, como sou prolixo. Enfim, tudo isto era para dizer que me dei conta que você é o idealizador de um curso de Gestão em Saúde Coletiva na Universidade de Brasília que utiliza esta mesma rede como campo de pesquisa.
Tadeu, em seu cometário formula: "No limite, acho que a reformulação de uma Política é sempre efeito de um problema concreto. Se a questão central da PNH é a democracia institucional, qual seria o novo problema que exigiria uma reformulação?".
Sem focar na PNH, como ele compreensivelmente faz, mas substituindo na frase PNH por políticas de saúde, não seria o novo problema o da Gestão em Saúde Coletiva que necessariamente deve passar, acho eu, pela gestão coletiva em/na/da saúde?
Embora trazer este pesquisadores do curso para este debate com a galera HumanizaSus?
Este trem não seria bom galera?
Abs.
Perfeito, Miguel!
Por MARCOS SILVA
Prezado Miguel,
A gestão do SUS é cada vez mais um problema dos gestores e gerentes e também acho da sociedade,pois a sociedade entende que gestão é inerente somente a gestores, sem compreender que todos nós somos também gestores e cúmplices das ingerências no SUS.Os movimentos sociais ocorridos durante a década de 80 na busca por um Estado democrático aos serviços de saúde,hoje estão desestruturados ,devemos fazer uma reflexão quantos aos atores envolvidos nestes cenários.Além de ser insuficientes e estar apenas na lei,e preciso que aconteça na prática. Entretanto, a sociedade civil, ainda não ocupa de forma efetiva esses espaços de participação .haja vista que a PNH,apesar das ameaças continua produzindo para o SUS e conhecimentos,experiências vividas e relatos e principalmente discursões acerca da ampliação da assistência à Saúde para a coletividade,possibilitando,com isso,um novo olhar ás ações,serviços e práticas assistênciais.
Sendo estas norteadas pelos princípios e diretrizes :Universalidade de acesso aos serviços de saúde; Integralidade da assistência; Equidade; Descentralização Político-administrativa; Participação da comunidade; regionalização e hierarquização.
Abraço,
Marcos da Silva Santos
Por Ricardo Teixeira
Escrevi, há algum tempo, um texto sobre "acolhimento" do qual reproduzo abaixo uma passagem, que cai como uma luva para essa nossa experiência de conversação democrática. Sinto que é uma boa oportunidade de re-evocá-la!
Estudando diferentes técnicas de conversação, descobri…
"… a palabre [ou árvore da palavra], uma variante africana do parlamento e a principal instituição política da África pré-colonial. Para oferecer uma síntese eloquente das principais características dessa técnica de conversa e de seu potencial democrático, transcrevemos um comentário da filósofa Isabelle Stengers, que participou de palabres e ficou impressionada com as transformações que são produzidas pelos constrangimentos impostos aos participantes por suas regras de conversar:
'Por definição, cada um dos associados de uma palabre sabe alguma coisa da ordem do mundo que deve ser produzido, criado, descoberto, reinventado em torno do caso que os reúne. Mas jamais a intervenção de um deve assumir a forma de uma desqualificação do que diz um outro. Isso é uma regra de conversa: cada um reconhece todos os outros como legítimos e insuficientes – só há palabre porque nenhum dos saberes presentes é suficiente para fabricar o sentido da situação. É, então, que podem se produzir as convergências. Não há apelo ao acordo entre os participantes, pois cada um é interessante enquanto divergente. Mas, pouco a pouco, palavras que não pertencem mais a uma pessoa em particular se põem a caracterizar a situação de maneira pertinente e ativa' (Mangeot et al., 2002).
Não poderíamos encontrar síntese mais adequada para o tipo de disposições 'morais' e 'cognitivas' que estamos prescrevendo para o acolhimento-dialogado:
· o reconhecimento do outro como um legítimo outro;
· o reconhecimento de cada um como insuficiente;
· o sentido de uma situação é fabricado pelo conjunto dos saberes presentes.
Resumindo, todo mundo sabe alguma coisa e ninguém sabe tudo, e a arte da conversa não é homogeneizar os sentidos fazendo desaparecer as divergências, mas fazer emergir o sentido no ponto de convergência das diversidades."
Ótimo Ricardo, perfeito.
O que demonstra o quanto temos a aprender com nossos ancestrais humanos que, muitas vezes desqualificados como primitivos, mostram uma sabedoria social bem maior que vemos hoje circulando pelo mundo.
Aliás, dentro do contexto da definição, Palabre, se entendi bem, poderia ser vista como o próprio sentido do que entendo como democracia das relações comunicacionais. A nosso gosto, transversalidade efetiva. Afinal, sem comunicação, sem Palabre, como fazer democracia?
Lembro de uma canção religiosa que escutava na minha adolescência quando frequentava a missa, que gostava muito e que dizia: "Palavra não foi feita para dividir ninguém; palavra é a fonte aonde o amor vai e vem". Palavra, então, como hoje entenderia, circulando como paixão alegre.
Por outro lado, infelizmente, sabemos que a palavra também pode dividir, no seu sentido diabólico, de lançar através da palavra irrefletida. Neste sentido é que o diabo se torna o pai da mentira. Como acreditamos que mentira e verdade são sempre relativas, vamos então, como você sempre bem o faz, procurando os sentidos do que é dito, não para desqualificar quem fala, mas para poder realmente conversar com ele.
E assim, poderíamos dizer com base na Palabre, que o sentido diabólico emerge quando algum dos três componentes de Palabre são desconsiderados. Ou não se reconhece o outro como legítimo outro e/ou não se reconhece as nossas insuficiências em qualquer dizer e/ou se tenta privatizar o sentido do que se diz.
Assim, talvez, já estejamos em princípios metodológicos da conversa como paixão alegre. Pois cada vez que a palavra, como diabo, divide e segmenta, teríamos uma pista para explorarmos, dentro dos três 'princípios' de Palabre, aquele(s) que está(ão) sendo desconsiderado(s) e assim, nos esforçarmos para a condução da conversa ao seu sentido de religare, de comunhão ou comum. Paixão alegre.
Cá estou eu com minhas estrepolias, rs.
Mas amigo, este comentário não veio a toa, mas como um sentido para o que você vem tentando fazer aqui e que reconheço como um importantíssimo exercício democrático. Vá, portanto, em frente acolhendo as gentes, rs.
Abs.
Por Ricardo Teixeira
… e todos os companheiros que participam silenciosamente dessa conversa!
É porque fundada numa "política da amizade", bem lembrada pelo Tadeu, que essa conversa fortalece um plano do comum em que as diferenças podem se expressar sem medo e "fazer emergir o sentido no ponto de convergência das diversidades".
Assim como alguns povos africanos criaram técnicas de conversação fantásticas, como a palabre, que lembrei no comentário abaixo, os índios dessa terra que hoje chamamos Brasil também inventaram as suas e, numa delas, nos ensinam que quando numa roda de conversa sentimos que já fomos contemplados por uma fala anterior, não precisamos repeti-a para reiterá-la, mas simplesmente gritamos "huuu!"
Dou, portanto, prosseguimento ao nosso diálogo, com um grande "huuu!" aos comentários do Gustavo. Ele já diz muito do que eu gostaria de agregar nessa conversa, depois das últimas intervenções do Miguel, do Tadeu e da Beth. Acabo de ler todas com muita atenção e cuidado, procurando, de fato, entender o que estão dizendo.
Mas quero dizer um pouco mais na interlocução com esses companheiros e, de certa forma, com o comentário do Carlão (ainda que sem entrar em diálogo direto com ele, Carlão, porque discordo bem de sua leitura dos conceitos que procurou trazer para o debate e não quero, de modo algum, entrar numa discussão que poderia parecer exclusivamente teórica. Não sei se é isso que o Miguel quis dizer ao criticar um possível "academicismo" dessa conversa. Se for, concordo. Mas se o "academicismo" se referir à tentativa de buscar alguma precisão conceitual e, principalmente, tentar forjar novos conceitos no calor dessa experiência viva e vívida, discordaria totalmente! Assumo abertamente que o maior ganho que vejo nesse debate é a possibilidade de conseguirmos enxergar novos "problemas", diferentes daqueles que nos conduziram ao estado de coisas atual e que estamos padecendo. Novos "problemas" que nos retirem do padecimento e nos conduzam a uma nova atividade. Novos problemas que são os correlatos da preocupação que devemos ter com os conceitos que estamos, cuidada ou descuidadamente, pondo pra circular nessa conversa).
*
Por isso, começo pelo seu post, Miguel, que afirma que o meu post baseia-se um falso problema, referindo-se, pelo que entendi, à questão que está no título: fim ou mudança?
Você também diz que o que foi dito pelo Raphael (primeiro comentador do post da Maria José) não foi contemplado na discussão.
Vou repetir o que já disse abaixo (respondendo à Cleusa): o que o Raphael colocou na primeira hora dessa conversa não só foi contemplado, como eu assumi (e dei os créditos) que foi "plagiado"! rsrsrs
O título do meu post (deste post que estamos comentando) repete o título do primeiro comentário do Raphael. Foi ele que levantou primeiramente essa questão em relação ao post da Maria José:
https://redehumanizasus.net/91613-repudio-ao-fim-da-pnh-enquanto-politica-de-governo#comment-31549
Creio que o Raphael foi perspicaz em captar muito precocemente que essa poderia ser uma questão. E foi assim mesmo que a coisa se apresentou nessa Rede, num primeiro momento. Seis dias depois do post da Maria José, a coordenação da PNH publicou outro post que afirmava a continuidade da Política! A questão levantada pelo Raphael se mostrava, então, inteiramente pertinente… Ou essa manifestação da Política deveria ser tomada como invisível? Deveríamos ignorá-la ou desqualificá-la como interlocução legítima nesse debate?
Minha primeira intenção, repito, ao produzir este post foi tríplice: incluir (pelo reconhecimento do outro como um legítimo outro) todos os sujeitos nessa conversa; incluir os conflitos e todos os possíveis analisadores dessa situação (não há um único analisador, que seria aquele que se põe a serviço da tese que queremos defender; e, por isso, a meu ver, o único até o momento que desempenhou uma efetiva função analista nessa conversa foi o Gustavo); incluir o "plano do coletivo" (que é aquele em que se desenham os novos possíveis conceitos/problemas que podem imprimir movimento nessa situação; isso não é tarefa "acadêmica", mas certamente exige que a gente se arranque de nossas concepções mais triviais).
Minha segunda intenção (também mencionei no post acima) foi explicitar uma resposta pessoal à questão percebida pelo Raphael. Sim, eu afirmei, nos termos em que se formulou essa questão, que não vejo como "fim", vejo como "mudança", exatamente como você entendeu, Beth. Só não entendi porque você tenta ver nisso, de novo, algum "ato falho"? A minha intenção era exatamente argumentar que eu não vejo "fim" da política de governo, mas uma "mudança". Por que não? Não poderia achar isso? Eu não simplesmente disse o que eu acho, eu tentei explicar porque acho isso. Também disse, na continuidade do diálogo com a Cleusa, que se a questão se formular em termos "fim de um ciclo da PNH enquanto política de governo", eu estou inteiramente de acordo. Sim, este ciclo da PNH acabou. Mas a PNH como política de governo que não tem um dono exclusivo não acabou.
Voltando ao falso problema, Miguel: "Fim ou mudança?" não é uma falso problema, porque nem é um problema. É só uma questão, uma pergunta.
Mas o tema dos falsos problemas me interessa nessa conversa, pois, como anunciei acima, estou interessado em tentar recolocar alguns problemas a partir do que estou aprendendo, não apenas nessa conversa, mas o que aprendi nos últimos anos vivenciando por dentro a PNH e, muito especialmente, este experimento chamado RHS.
*
Você sabe, Miguel, que há dois tipos de falsos problemas: os inexistentes e os mal colocados. Vou pegar esse gancho pra tentar deixar bem claro, cada vez mais claro, a importância que eu vejo nesse debate sobre a PNH como política de governo. Sem meias palavras, de um jeito que não é preciso ser um "acadêmico" para entender.
A afirmação do "fim da PNH" é que me parece ser um "falso problema": do tipo problema inexistente. Ou seja, essa afirmação é que é falsa. Não só falsa, mas denotaria uma atitude anti-republicana, de quem se acha "dono da PNH", como bem colocou o Gustavo. Antes de qualquer mal entendido, quero deixar bem claro que não estou dizendo que quem afirmou isso seria "anti-republicano"; acho que quem afirmou isso quer dizer outra coisa: está se referindo ao fim de um ciclo, como já coloquei. E é muito diferente dizer uma coisa e outra. Nós devemos tomar muito cuidado com o modo como dizemos as coisas! Vou continuar insistindo que faz uma profunda diferença (POLÍTICA!) dizer uma coisa ou outra… Se não, não perderia tempo com isso.
A PNH como política de governo não acabou porque os atuais gestores do MS (o governo!) dizem que ela não acabou. Simples assim. Se ela acabou, não temos mais o que discutir. Se ela existe, podemos ainda discuti-la. E "repudiar" aquilo no que ela se transformou ou o modo como ela foi transformada. É muito mais potente politicamente repudiar aquilo que se deu, do que aquilo que não se deu. Se ela acabou, não é mais objeto de debate público. Mas ela não acabou e eu quero continuar a reivindicá-la, discuti-la. E, se estamos repudiando aquilo no que ela se transformou, essa é a prova de que ela existe. Isso não é um jogo de palavras! Essas diferenças na formulação dos nossos enunciados têm consequências políticas absolutamente concretas!
Um política de governo não é propriedade de um determinado grupo e de como ele concebe que ela deveria ser e funcionar. Mas ela é objeto de disputa entre diferentes grupos e diferentes visões. Negar isso é negar a política!
Acho que se quer dizer outra coisa quando se diz que a PNH acabou. Não vou interpretar. Vou dizer apenas que compreendo a "frustração" (outra excelente formulação do Gustavo). Quero ter o cuidado de respeitar os sentimentos que impulsionaram a essa afirmação bombástica. Minha objeção a essa afirmação é que ela, partindo de um problema inexistente, conduz, em seguida, a problemas mal colocados, que estrangulam nossas possibilidades de construir alternativas potentes de luta política diante desses estado de coisas, o que devemos continuar a fazer. Pra mim, o jogo não se encerrou! Permanece aberto…
Não dá pra dizer que a PNH persiste como política pública, se desistimos de discuti-la e disputá-la como política de governo (vou argumentar mais adiante porque acho isso). E fazê-lo, nesse momento, pode ser "por dentro", como devem buscar fazer os valiosos companheiros que permanecem na "máquina", ou "por fora", através do acompanhamento crítico a ser feito por todos aqueles que, sem negar a existência da Política, permanecerão discutindo o seus rumos (o que se tornou extremamente facilitado graças à existência desse espaço público intensamente democrático que é a RHS), com o auxílio valioso e qualificado daqueles companheiros que não se sentiram mais confortáveis em continuar atuando na Política tal como ela se conforma neste momento.
*
Para encerrar mais essa entrada no debate, quero ainda discordar da formulação que a PNH segue como Movimento HumanizaSUS. De novo, na minha opinião, uma formulação que não contribui para uma colocação adequada do problema, com consequências para os desdobramentos das lutas políticas…
Miguel, você foi o criador dessa feliz imagem de que a RHS é a Máquina Expressiva do Movimento HumanizaSUS! Mas a gente ainda não compreendeu perfeitamente o que isso quer dizer. A gente ainda não discutiu suficientemente o significado disso. O significado desse dispositivo (RHS) para a Política, que foi um objeto de atenção e reflexão para apenas um pequena parcela dos consultores da PNH nos últimos anos.
Haveria um Movimento HumanizaSUS "antes" que veio a se expressar na Rede HumanizaSUS? Ou a existência dessa máquina expressiva, dando tangibilidade e "corpo" a um movimento apenas potencial e difuso, foi decisiva para que a gente pudesse falar e demonstrar, hoje, a existência de um Movimento HumanizaSUS atravessando o país de cabo a rabo, que se mostra presente até mesmo nos territórios que jamais foram atingidos, nem pelos processos de formação, nem pelo apoio institucional da Política? Essa questão não é desimportante! Minha posição na Política em todos esses anos, coordenando esse projeto de "rede social", talvez, explique porque ache indispensável insistir nas distinções conceituais que estou fazendo agora…
Gustavo pergunta se não estamos, nesta crise, diante de um analisador de que a PNH não cabe mais no MS? Eu diria que a PNH nunca "coube" no MS! Em todos os sentidos dessa palavra (não cabe porque o transborda e não cabe porque não tem "cabimento"… rsrsrs). Não é por outro motivo que seus principais intelectuais-formuladores terem desde o princípio, problematizado o "dentro-fora" da máquina de Estado…
Mas penso que essa "topologia" relativa precisa ser revisitada.
Miguel traz outra feliz citação de Regina e Edu, lembrando que: "Garantir o 'caráter constituinte' do SUS, impõe que possamos identificar os problemas contemporâneos que se dão na relação entre Estado e as políticas públicas."
Perfeito! Mas penso que os problemas contemporâneos que se dão nessa relação se alteraram profundamente de 2003-2004 para 2015!
Acho vantajoso não misturar PNH (política de governo) com o Movimento HumanizaSUS, esse cuja única expressão tangível e concreta se dá aqui na Rede HumanizaSUS (que eu chamaria, nessa altura do século XXI e depois do que temos aprendido com a experiência da RHS, enquanto rede social "ligada" a uma política de governo – a primeira e mais abrangente na história das políticas de governo desse país – de uma "política pública distribuída" – e que ensaia e prepara o terreno, na sua radicalidade, para uma "política pública pós-soberana").
A PNH é uma política de governo que sempre se quis política pública. E essa possibilidade sempre esteve ligada à preocupação de como habitar a máquina de Estado, de como estar "dentro" da máquina e fazer uma política aberta e porosa ao "fora".
A PNH continua a existir como política de governo e estamos preocupados se as mudanças atuais não representariam um recuo importante no seu caráter público. Toda minha argumentação nesse debate é no sentido de que devemos continuar a fazer dessa política de governo uma política pública, não importa em que lugar estejamos hoje. Assim como considero pretensioso achar que o ciclo da PNH que se encerrou foi plenamente exitoso no sentido de fazer dessa política de governo efetivamente uma política pública. Concordo se dissermos que foi o norte que nos guiou e que não cessamos de problematizar e que isso se deu como tendência! Concordo também e reconheço com admiração que algumas experimentações locais foram notáveis nessa afirmação do caráter público dessa política de governo! E ouso, por fim, dizer que, na minha opinião, onde essa abertura ao "fora" e afirmação do caráter público da política foi mais longe é nessa radical experiência de abertura em extensividade que é a RHS, e que também é obra dessa Política!
Gustavo também afirma que a PNH está mais forte "fora" do MS do que "dentro". Eu acho que isso já está claro há alguns anos! A Semana Nacional de Humanização de 2014 deixou isso objetivamente bem claro…
A tal ponto, que hoje deveríamos, com vantagem, inverter o sentido do que chamamos de "dentro" e "fora".
Em 2003-2004, o grande problema, adequadamente formulado por Regina e Edu, situava o "dentro" como o estar dentro da máquina de Estado, porque a grande preocupação era como abrir essa máquina ao seu "fora", antídoto para as possíveis capturas…
Hoje, depois do que essa Política produziu, penso que o "dentro" é o Movimento HumanizaSUS, entendido como o plano de imanência em que se plasmam as forças constituintes do que merece ser chamado de uma política pública de humanização do SUS. O Estado é que está verdadeiramente "fora", porque se põe numa posição de transcendência em relação a esse plano, pretendendo ser aquele que "representa" e detém o "poder soberano" sobre toda política. Todos os acontecimentos politicamente relevantes do mundo contemporâneo indicam que essa figura do Estado como aquele que representaria o "interesse público" e deteria o monopólio do "poder público" só pode persistir expondo pornograficamente o modo como sempre exerceu esse poder: pela violência que pratica uma efetiva expropriação coletiva da potência política que pertence, de fato, aos "governados".
Esse me parece hoje o modo mais adequado e potente de se colocar o problema. Não tenho conhecimento de nenhuma outra política que tenha ido tão longe nessa direção quanto a PNH, do modo como procurou se constituir como política de governo nos últimos 12 anos.
Esse modo de colocar as coisas, como se pode concluir, naturalmente interpela as manifestações que lamentam o "fim da PNH como política de governo" se perguntando se isso não denotaria um movimento ainda excessivamente dependente do "governo" e, portanto, uma baixa capacidade de apropriação por parte desses coletivos de sua própria potência política, potência de fazer política lá mesmo onde essa potência se constitui…
É a esse movimento que Gustavo conclama no final de suas colocações!
Por outro lado, quero deixar bem claro que não se trata de dizer que a disputa do Estado não nos interessa mais, que não importa invadi-lo e fazer uma reapropriação pública dessa máquina. Se não, não teria argumentado com tanta veemência que é importante reconhecer que a PNH subsiste como política governo e que não devemos desistir de fazê-la sempre mais e mais pública, o que significa pô-la a serviço do Movimento HumanizaSUS. É um direito (direito = potência) que construímos a cada dia na força constituinte do Movimento HumanizaSUS, que há quase 8 anos encontrou um espaço público democrático para se expressar: aqui.
Só por isso, posso dizer em alto e bom tom que a PNH não acabou!
Abraços multitudinários!
Querida trupe HumanizaSus, instigante Ricardo Teixeira, em especial
Havia dito que não mais me manifestaria sobre o funesto e cadavérico assunto da morte sem cadáver, mas a interlocução do Ricardo, que me convoca várias vezes, torna necessário que me manifeste mais uma vez para esclarecer melhor o que venho tentando dizer, mas parece, ainda não consegui me fazer claro. Digo, na pérola da Palabre que Ricardo nos oferta, é minha insuficiência assumida enquanto discursante.
Sobre o academicismo. Querido Ricardo Teixeira, é naquele primeiro sentido que se refere que se deu a crítica e, uma crítica, digamos de passagem, clínica. Em nenhum momento tentei desqualificar a discussão que se fazia, ao contrário, enfatizei a sua importância e meu desejo que ela continuasse, por seu aspecto formativo e porque como você diz a “tentativa de buscar alguma precisão conceitual e, principalmente, tentar forjar novos conceitos no calor dessa experiência viva e vívida” você sabe que é um esforço que partilho com você, mas não a sua altura. Ela é mais do que necessária, é primordial para quem busca realmente se comunicar nos três sentidos da Palabre, como reconheço ser sua busca não só neste post, mas como diretriz viva de um pesquisador interessado na comunicação democrática.
Digo que a crítica era clínica porque, sem desconsiderar a importância do que se discutia, temia o risco dela ser vista pelos territórios como academicismo, na medida em que percebia que parte, e somente parte, daquilo que eles falavam, aqueles naqueles cometários, não estavam encontrando ressonância. Por isto disse que colocaria entre parênteses toda esta discussão importantíssima e, criando novo post, tentaria clarear o que, para mim, estava sem respostas ainda. Portanto, no Palabre, um esforço de reconhecimento do outro como legítimo outro.
A grande confusão colocada principalmente por mal versação dos conceitos exigiam um esforço tal qual você o fez, Ricardo, e brilhantemente, abrindo caminho para a clareza do que se dizia e porque se dizia. Porém, havia uma sensação de abandono, que percebia na fala de diversos companheiros dos territórios, que não me parecia estar sendo respondida. Foi a isto que, insuficientemente, agora vejo, tentei dar clareza em meu post. Tento esclarecer agora, correndo o enorme risco de confundir ainda mais.
Para não dizer que não falei dos vivos era meu modo de afastar a morte e seus mortos ou quase mortos ou falsos mortos do meu discurso. Para deixar mais claro, existe política de governo, existe PNH como política de governo, existe PNH como política pública e existe PNH, inclusive, em quem ficou no e quem saiu do MS, enquanto seu representante. Gracias a la vida estamos todos respirando e com saúde, prova disto é esta profusão intensiva de conversas. Portanto, gracias a la vida!
Do bolinho de bacalhau, foi minha maneira metafórica de fazer entender que há diversidade de sentido na forma como cada qual, embora coletivo, percebe e sente esta nova maneira de se pensar e se colocar a PNH como estratégica. Para alguns, isto foi sentido como ferida de morte, para outros como novos possíveis de vivificação. Não podemos desqualificar o que os outros pensam e sentem, apenas fazermos algo com isto em nós e, a partir daí, tomar uma decisão ética por nossa conta e risco. Portanto ninguém é puro anjo ou demônio, mas vivos no princípio democrático de escolha. De novo, gracias a la vida!
Da camaleônica PNH foi uma tentativa de mostrar que ela sempre seguiu em devires, que estes devires nunca agradaram a gregos e troianos, glória da multiplicidade, e que outras saídas já haviam acontecido, antes destas, também sentidas como morte. O que morre, portanto, não é a política de governo e nem a PNH nela. O que morre é a sensação de pertinência de alguns frente a tomadas de decisão éticas que devemos respeitar e que não se prendem, ou ao menos não tão somente, a apego a arranjos e identidades, como nas discussões, as vezes, inadvertidamente se reduz a questão. Nossa eterna insuficiência como discursantes. De novo, gracias a la vida!
Estas questões entre consultores é que temia afastar os territórios como academicismos, mas jamais desqualificar a discussão, mesmo que completamente acadêmica fosse, porque a academia não pode ser algo a se deixar de lado, pelo bem de nossa formação.
Não disse que seu post se baseia em um falso problema, meu amigo, ao contrário, enfatizei a importância da questão colocada em sua faina de trazer a conversa para um comum de discurso. As três intenções que você coloca ao escrever seu post, eu as percebo e vejo que, ainda considerando nossas insuficiências de discursantes, se cumpriram.
O falso problema por mim levantado é o de que parte de algo que percebia vindo dos territórios não estava só mal colocado, estava sem resposta. Raphael foi realmente brilhante, em sua sensibilidade política, em tudo concordo com você. Mas, como os outros, o Raphael falava de uma espera, sem saber bem o que fazer enquanto se espera, já que o cotidiano em que se dá as lutas e os movimentos no trabalho não param, enquanto se espera. Era esta quebra nas relações imediatas do que estava se dando como movimento, com a saída dos consultores, que parecia provocar uma fissura desconfortável, para ser suave, que não encontrava resposta no material postado.
Acho que uma resposta possível, que não consegui lá, poderia ser dada aqui como proposta. Aos movimentos em curso que espero não parem com a saída dos consultores, os territórios podem continuar tendo apoio dos consultores dentro e fora do MS, pois a PNH continua viva em ambos, por meio de interlocução direta com eles ou por meio da Máquina Expressiva do SUS, a RHS, como forma de coletivizar seus movimentos e não perder a interlocução com os de ‘fora’, necessária, a meu ver, para a ampliação do planejamento, monitoramento e avaliação de seus movimentos. Assim, o sentimento de desfiliação pode encontrar resposta, porque continua havendo acesso à apoiadores de todo o território nacional, via RHS, e a apoiadores específicos, em quem confiam, via contato direto com eles. Não seria esta uma forma de transversalizar sobremaneira a função apoio?
Era então, amigo, para este corte sentido entre a máquina de Estado e o movimento em curso pelas políticas públicas, a dos territórios, que, como me parecia, as discussões em curso que, repito, qualifico e desejo, pareciam atuar como falsos problemas, no sentido em que obnubilavam a questão da relação entre políticas de Estado e políticas públicas e seus efeitos sobre os corpos trabalhadores.
Por isto chamei atenção para esta problemática importantíssima. Porém, de forma nenhuma eram falsos problemas no sentido de inexistentes ou mal colocados em seus âmbitos, o da clareza conceitual, fundamental à boa conversa, mas que caía em um certo ‘academicismo’ frente ao âmbito do vivido e esperado pela vida nos territórios, para além de uma simples espera que, vejam bem, ninguém desqualifica nos territórios, mas se resigna a esperar para ver.
Concordo com você sobre a função de analista que o Gustavo desempenhou aqui, fora de reativismos e contra-reativismos, inclusive meus, humano demasiadamente humano, e o primor que suas colocações trouxeram para esta conversa. Não diria que ele foi o único a desempenhá-la, porque vejo questões analíticas perpassando vários comentários, como no do Tadeu, que termina, inclusive, com uma questão que, ao menos para mim, convoca a análise.
Quanto ao mais meu amigo, seus argumentos são tão pertinentes desde o início da discussão sobre política de governo e sua necessária existência, que postular o fim de qualquer coisa é meio ser cavaleiro do Armagedon, uma postura escatológica de confundir o próprio mundo com o mundo inteiro, sempre em recomeço criativo para o bem ou para o mal, mas em movimento. Concordo com você que todas as mortes declaradas aqui são falsos problemas, mais questões do sentir e do viver no qual são verdadeiros, do que problemas porque, no limite, como você bem diz, acaba matando a própria possibilidade política.
Quanto a sua colocação sobre o que coloquei: “a PNH segue como Movimento HumanizaSUS. De novo, na minha opinião, uma formulação que não contribui para uma colocação adequada do problema, com consequências para os desdobramentos das lutas políticas…”. Huuuuu, para você, foi minha insuficiência como discursante.
O que quis dizer é que, aquilo sentido como cortado e apagado, tinha um canal de comunicação que não o tornava desfiliado, mas acho que já aclarei isto. Queria dizer que existe um canal aberto para trocas intensivas que, se não tem a intensidade de um apoio presencial, pode tê-la, no entanto, em um apoio matricial não da PNH, tão somente, mas do movimento HumanizaSUS.
Quanto ao movimento HumanizaSUS, querido, na minha opinião ele veio antes da RHS, porque o que é potencial e difuso não deixa de ser real e, neste sentido, existente. Foi, como vejo, esta amplificação para aquém e além da PNH, que a transbordava em muito de sua posição no MS e de seus ‘escudeiros’ no Coletivo Nacional, que incitou a formação da Rede que desse corpo e voz a este movimento que, sem dúvida, ganhou consistência e se ampliou inimaginavelmente, a ponto de eu denominar a RHS a Máquina Expressiva do SUS.
Sem dúvida, o HumanizaSUS que hoje conhecemos é em grande parte fruto da rede virtual, ousaria dizer, o melhor e mais potente dispositivo criado pela PNH, tendo a felicidade de ter você como principal ideador e preceptor. Porém, como vejo e penso, e isto não é um dado, apenas uma primeira focada, o virtual não precedeu o movimento, mas o atualizou de forma concreta, quando possibilitou um canal para sua expressão. Canal que os corpos agradeceram e concretizaram numa história de encontros incidentais de fluxos em movimento.
Mas este assunto, como você bem sabe de algumas conversas, me interessa muito e acho que urge mesmo uma debruçada mais atenta e qualificada desta questão. Urge uma pesquisa levada a cabo neste sentido e, como já o incitei, teria enorme prazer de participar desta empreitada.
No mais, amigo querido, publicamente, quero dizer que o admiro e admiro muitíssimo sua forma de trazer os problemas, sempre com lampejos e luz, jamais poderia e conseguiria desqualificar seu discurso. Acho que estamos mais próximos do que distantes, inclusive nas discussões aqui em andamento.
Temos diferenças, gracias a la vida, e além dela, também gracias a la vida, temos nossas insuficiências como discursantes e leitores, mas nada que nos lance no diabólico da palavra , porque como eu, tenho certeza, você também se apaixona pela Palabre, na qual a palavra é a fonte aonde o amor vai e vem nas paixões alegres da celebração das diferenças e na paixão infantil de jogando com seriedade, construir no discurso uma construção mais democrática na qual a vida pode ser vivida e pensada como vida digna de ser vivida.
Com a certeza que não consegui contemplar com meus comentários a riqueza de tudo o que colocou, apenas me ative, por enquanto, ao que me pareceu mais urgente.
Por fim, deixo aqui para a questão das mortes, das quais me despeço para sempre com alegria, um afirmativo gracias a la vida e a los vivos!
Abraços.
Miguel Maia
Por Ricardo Teixeira
Só quero dizer que não me senti desqualificado por você em nenhum momento.
E eloquência é algo que realmente não lhe falta nem um pouquinho… 😉
Aprendendo muito com todos nesse diálogo.
Gracias a la vida!
Grande abraço!
Por catia martins
Olá queridos da RHS, bom dia!
Tenho acompanhado esta importante conversa. Fico feliz, como já dito por muitos, por estarmos fazendo-a aqui. Ainda estou pensativa sobre tudo que vocês trouxeram neste e nas outras postagens. Decidi entrar na conversa de um outro jeito…
Nestes tempos tensos e incertos, quero registrar mais alguns ingredientes – nem tão novos para muitos – mas que trazem a força da PNH na produção de acontecimentos no SUS. E, assim como já comentado por vários, jogo minhas fichas em nossa força para manter vivo o HumanizaSUS.
Há pouco, terminei minha pesquisa sobre a PNH (agradeci esta enorme e solidária roda no post: https://redehumanizasus.net/91241-habitar-um-paradoxo) e destaco algumas narrativas dos muitos apoiadores que ainda me encantam deveras. Uma ideia que foi recorrente é a de que "esta é uma Política que muda a gente". Alguém tem dúvida disso?
Outra narrativa que tb traz a potência desta proposta de mudar olhares, práticas e sujeitos foi "entrei lagarta e sai borboleta". Os apoiadores e inúmeros parceiros do Plano de Qualificação das Maternidades que estão por aki provavel/e se lembrem deste comentário. Foi de um gestor que ficou encantado com a visita que fez ao Hospital Sofia Feldman e se surpreendeu com as inovações construídas por uma equipe e uma comunidade pela humanização do parto e nascimento. Para ser rápida, ressalto que há tantas coisas boas no SUS desconhecidas pelos seus trabalhadores e pela população brasileira…
Mais um decisivo deslocamento sinalizado por um apoiador foi: "somos pegos por nós mesmos nos queixando de que nada é feito para melhorar, mas será que temos que ficar esperando?". Poderia conversar por horas sobre isso, sobre a intervenção produzida por esta Política em mim, em muitos de nós, que convida/convoca a fazer algo.
As incontáveis rodas de conversa na e a partir da PNH, os cursos de apoiadores (PNH formou 3 mil!), as inúmeras publicações, a própria RHS como exemplo vivo, dentre outras ações e tb outras políticas de saúde e até outras redes, mostram-me que há sujeitos alinhados etica/e e comprometidos com saúde, cidadania, democracia e etc. Como disse uma apoiadora "somos uma rede de apoiadores em busca de um SUS melhor". Para mim isso não é trivial. Não é pouca coisa ter que defender o SUS de nosso próprio Senado, como bem lembrou Ricardo. (https://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/agenda-brasil-de-renan-quer-regular-terceirizacoes-e-cobrar-pelo-sus-2622.html)
Eu mudei com a PNH. Vi vários colegas, amigos, companheiros de trabalho mudarem tb. Nós mudamos com ela. Sei, sabemos q os arranjos têm prazo de validade e têm a duração cronológica incerta. Mas aposto que os apoiadores – trabalhadores do e pelo SUS – farão muita coisa boa por ai… e por aki tb. Por fim, adoro esta ideia de Deleuze e Guattari: "[…] pode ser que nada mude ou pareça mudar na história, mas tudo no acontecimento, e NÓS mudamos no acontecimento".
um abraço, Catia
Catia querida, saudades, há quanto tempo…
Fico muito feliz com sua pesquisa e, principalmente, porque a fala dos apoiadores não são diferentes das dos consultores da PNH. Ouvimos e também sentimos isto. Muito embora, olha o ato falho, ainda esteja aqui falando como se fosse um consultor, quando já saí.
A PNH muda a gente sem dúvida, porque nos muda enquanto gente conectada com gente. De muitos para muitos, rede inteligente coletiva que a RHS agrega e consegue dar expressão. Canal instigante!
Entre lagartas e borboletas, nenhum de nós, certamente, afirma o casulo, porque não é com silêncio e com coisas feitas no silêncio que avançamos até aqui. Todos fomentamos no casulo a potência necessária para que, de simples lagartas encapsuladas, pudéssemos voejar como borboletas em nosso voejar intrépido, chamado cogestão.
E, por fim, "somos pegos por nós mesmos nos queixando de que nada é feito para melhorar, mas será que temos que ficar esperando?". Será que realmente ficamos esperando ou será que nossa luta é tão árdua que acabamos acreditando que avançamos pouco, quando o movimento coletivo diz que fizemos muito. Do contrário, porque perderíamos aqui nosso tempo discutindo isto?
O que nos impede de ir além, ao que me parece, é um sempre esbarrar com práticas de gestão que, infelizmente corroboradas pelo MS, nos calam e nos castram em pleno movimento. Por que a insistência quase louca em se dizer insistir em democratização quando o que vemos é a nomeação ou o referendo em gestores nada democráticos, para quem o SUS é uma questão de projeto individual?
Os trabalhadores, e sei que você é uma militante na mesma seara que eu, jamais poderão fazer algo diferente que "somos uma rede de apoiadores em busca de um SUS melhor". Do contrário, ou se blindarão em uma morte esperada, apática, ou morrerão nas trincheiras de uma luta inglória e desigual.
Precisamos rever nossos conceitos sobre o que é gestão. E, enquanto isto não vem, continuamos tentando em lampejos de acontecimento que nunca acontecem completamente, coartados que são.
Enfim, acho que no fundo esperamos que o SUS que dá certo venha ao nosso encontro, porque, na imensa e esmagadora maioria das vezes, desejamos e queremos efetuar isto, mas somos esmagados pelo peso de modelos de gestão que nos castram e nos querem calar.
Todos que aqui se manifestam, ao que me parece, não querem outra coisa senão construir juntos. Você tem dúvida disto?
Bjs.
Por Shirley Monteiro
Miguel, bom lembrar do casulo, remete também ao fato de que a vida é cíclica, que o tempo não para e como Cátia lembra, os arranjos são temporários, e as mudanças fazem parte da vida, …nesses momentos vivemos 'pequenas mortes', que sim, precisamos elaborar, enlutar com reflexoes até percebermos que se continua na estrada, e avida segue no acúmulo de tudo de bom, e de dificuldades, desafios, descobertas, que se vivencia em continuidade.
Lembrando do texto da "PNH Nacional" que ainda não se apresenta na pessoa viva de uma nova Coordenação, acho que podemos apostar que ela vive de novo uma estação de transição, e "casulo" … que mudem as cores das asas que surgirão, mas que a PNH prossiga como Coletivo que somos, td@s junt@s.
Lembra da fase em que a RHS mudava de plataforma, lay-out, inovaçoes ?Ainda que tenha sido uma mudança bem cuidada, gradual e compartilhada em suas fases, muitas questões geravam em nos expectativas, e até receios, adaptaçoes para navegação … e havia de fato uma expectativa em relação as inovaçoes, … fases de Casulo da equipe técnica de T.I; e hoje estamos tod@s aqui .
Vamos apostar nesse momento de "casulo" mais silencioso ? Quem sabe estarão escutando a Rede HumanizaSUS, durante essa maturação?
Bela reflexão Shirley
Na vida, tudo o que é da vida é necessário, inclusive casulos, rs.
Assim como incentivo fluxos, também respeito in-fluxos, pois, ainda assim, são também fluxos pertinentes.
Mas o silêncio absoluto é muitas vezes atordoante e desbaratador, porque a vida não para e não pode esperar, principalmente na saúde que, como sabemos bem, o trabalho é quase sempre ininterrupto. Não se pode esperar.
Há um lado de fora do útero, também casulo, que, enquanto se gesta a nova vida, agradece mexidas, chutes e manifestação de movimentos perceptíveis.
Um, "alô galera estamos atentos e já, já entramos em contato com vocês" já nos daria a reconfortante resposta de uma vida se gestando, enquanto a esperamos.
Mas, enfim, com nossos "quem sabe", esperemos…
Abs.
Querida Cátia,
Que forte e linda modulação se produziu nesta tua fala em comparação com a anterior.
E que lembrança sobre algo que toma a todos, sem exceção, para colocar na roda: a produção subjetiva de um outro modo de ser quando entramos de sola nesta política, quando a abraçamos.
Quem poderá dizer não ter sido profundamente tocado pela beleza e generosidade desta política? Mesmo o nosso querido poeta, ao escrever, o faz como consultor e precisa lembrar-se de que não é mais… Isto não é ato falho, Miguel. Deixar a consultoria não é deixar a PNH!
E digo que pelo que vivemos na RHS, a PNH está vivinha da Silva!
Por Shirley Monteiro
Huuu Cátia.
Texto lindo, vivo nos representa !
bjos,
Shirley Monteiro.
Por Aline Costa
Catita, obrigada por seu texto tão lúcido! Realmente, habitar o coletivo Humanizasus foi (e sempre é) uma experiência de acontecimentos!
E assim vamos nos encontrando nos múltiplos movimentos em luta pela democracia, por novos modos de habitar o mundo e pelo SUS!
Beijos, Aline.
Por Ricardo Teixeira
Querida Cátia,
Profunda gratidão por essas suas palavras virem se entretecer a esta conversa…
Luz!
Também permitiu que eu conhecesse essa sua postagem do início de julho, que não registrei na ocasião, anunciando sua pesquisa sobre a paradoxal PNH. Vejo que ainda nos deve o texto final.
A referência à emocionante "Por que nós?" do Marcelo Jeneci e do Luiz Tatit merece ser ecoada por aqui…
"Tínhamos dúvidas clássicas
Muita aflição
Críticas lógicas
Ácidas não
Pérolas ótimas
Cartas na mão
Eram recados
Pra toda a nação
Éramos súditos
Da rebelião
Símbolos plácidos
Cândidos não
Ídolos mínimos
Múltipla ação
Sempre tem gente pra chamar de nós
Sejam milhares, centenas ou dois
Ficam no tempo os torneios da voz
Não foi só ontem, é hoje e depois
São momentos lá dentro de nós
São outros ventos que vêm do pulmão
E ganham cores na altura da voz
E os que viverem verão
Fomos serenos num mundo veloz
Nunca entendemos então por que nós
Só mais ou menos"
Beijo grande!
Por Carlos Garcia Jr
Pessoal
Achei uma passagem que pensei em resocializar no Documento Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: Documento base para gestores e trabalhadores do SUS / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. – 4. ed. – Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2008.(p. 17-18).
Diz o seguinte:
A Humanização como Política Transversal na Rede
A humanização vista não como programa, mas como política pública que
atravessa/transversaliza as diferentes ações e instâncias gestoras do SUS,
implica em:
Posicionar-se, como política pública: a) nos limites da máquina do Estado
onde ela se encontra com os coletivos e as redes sociais; b) nos limites
dos Programas e Áreas do Ministério da Saúde, entre este e outros
ministérios (intersetorialidade).
Muito bom Cátia
É a sempre necessária maneira de fazer da camaleônica PNH que, inclusive, se gruda em nós, fazendo com que mudemos nossas próprias cores territoriais exclusivistas.
Bjs.
Por Raphael Henrique Travia
Ricardo,
Acredito que agora só o tempo e as ações que formos acompanhando (inclusive por aqui) é que vão dizer se a PNH segue como política de governo, ou se ela ganha maior dimensão como um movimento social.
Um ponto de interrogação é que a figura que você usa para ilustrar este post, transmite uma mensagem como se a PNH estivesse "cortada ao meio" ou "meio apagada"… e existe um ditado que diz uma imagem vale mais que 1000 palavras.
Vivemos um período de crise econômica no país (isso não é demagogia ), alguns bilhões foram cortados de políticas públicas como saúde e educação … uma forma de economizar é fazer novos arranjos institucionais para otimizar os recursos disponíveis (isso é a dinâmica da gestão).
De todo jeito espero que a PNH realmente não seja política deste ou daquele governo, mas patrimônio do SUS e de todos nós!
Abraço
Raphael