Espaço, infância, ingenuidade e criação

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Em “A poética do espaço” Bachelard pergunta qual é a natureza fundante, essencial e ontológica do espaço.

O espaço estabelece a distância entre o biológico, o orgânico, e seu continente… Um espaço que contém o dentro e o fora simultaneamente, ou seja, uma distância entre o mundo, o eu reflexivo e o eu pensante. Precisamente entre eu e eu, eu e o outro e eu e o mundo.

O modo de ser é, então, primeiramente imagético, a imagem espacial precede o signo, o simbólico e a linguagem. Alfa e ômega, o alfabético, se fundam na anterioridade da imagem. Ela, a imagem do mundo, responde as primeiras perguntas da mente que desperta: Quem está aí? [A mente de dentro para dentro] e O que é isso? [A mente para o mundo, o externo imageado no cérebro]

Nossa obsessão pela alfabetização responde à necessidade funcional de integração numa forma antropológica que é histórica e social. Uma funcionalidade submetida a máquina social, portanto, que molda uma determinada forma de existir, de ser.

Mas o ser não é a sua, qualquer que seja, função. Muito menos uma função social e histórica. Dado que estas, invariavelmente, são expressões do ressentimento.

O aluno diante de nós, ainda está “informatado” in-formatado ou não formatado, no algoritmo dos pseudo valores sociais. O estudante, o discente, é aberto e ingênuo como a criança, tal qual o hominídeo em que a mente desperta.

O jogo de atribuição e internalização da moldura social de uma época não implica numa ascensão à razão. Antes, significava e significa, reiteradamente, o ingresso em um tipo de clausura da razão.

O ser humano (cada um diante de si mesmo, do outro e do mundo) é pleno, desde a revolução cognitiva ocorrida há dezenas de milhares de anos.

A linguagem é uma ferramenta tecnológica como o arado. Ela não tem o status ontológico de nossa relação com a poética do espaço.

A criança que não sabe e descobre – cada vez com mais precisão e rigor – a extensão do que desconhece, expressa, ao mesmo tempo em que é, o humano atemporal. Essa infância atemporal, que é o humano diante do espaço, espelha toda vez e novamente, atualiza no instante, a força que nos fez persistir como espécie até agora.

Renegar a criança como humano incompleto, implica em negar toda a nossa humanidade.

O cálculo frio de produção e reprodução do capital, a alienação do fenômeno humano no interior de uma farsa racional que arremeda a vida consiste no impulso de negação que ameaça nossa existência.