ESTÓRIA DO REI MERCADO CAPITAL I

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Era uma vez, nesta hora, neste tempo e nesta era, um império, um reinado cujo rei, sua majestade “Mercado Capital I” reinava absoluto apesar das suas sucessivas crises de valores, humores, poder e governabilidade. Mesmo com as tormentas que sacudiam seu reinado, o “Rei Mercado Capital I” sempre dava um jeito de manter as aparências. Com sua lógica insana e ideologia tirana mantinha sua marca, seus símbolos, suas misérias e opulência, de modo que todos os súditos seguiam suas normas, regras, por efeito de repetição, padronização e reprodução.
Na forma de uma grande feira, aquela corte promovia a ascensão do objeto sobre o sujeito. A ordem do rei era: produzir e consumir, massificar e estruturar tudo em função de sua lógica. Havia o componente de perversão e de alienação, mas de um jeito tenebroso e tecnologias sutis que passavam imperceptíveis para a grande maioria da plebe.

As luzes de neon eram símbolos espalhados por todo o território do “Rei Mercado Capital I”. Por outro lado, sua majestade com sua sutileza e domínio cultural do “seu pedaço” passava a ideia de bonzinho, caridoso e generoso. Era preciso tornar os súditos fanáticos pelo consumo e convertidos ao modelo que era “suavemente” imposto, para que tudo pudesse girar em torno e sob a vontade de sua majestade o rei “Mercado Capital I”.
A soberania daquela corte estava estruturada sob princípios e conceitos que o rei elaborou em suas noites de insônia histórica: concorrência, competição, disputa, mentira, hipocrisia, sucesso e realização individual eram as palavras-chave para fundamentar a “carta magna” que tinha como título: salve-se quem puder.
Pelas ordens do rei, aquela corte produzia acúmulo e riqueza material para os seus afilhados, ao lado de grandes bolsões de miséria e sofrimento para a maioria da plebe, culturalmente afeitada e afetada a dançar em cima de uma “chapa quente”, cantando a música do rei sem se dar conta das “queimaduras sociais” que aquele modelo hegemônico produzia. Além da produção de mercadoria, o sistema produzia certos protótipos de seres humanos em escala, culturalmente programados para dar sustentação ao sistema do rei “Mercado Capital I”.

Bem, apesar de toda estrutura centrada nas ordens do rei, sua majestade não conseguia evitar o caos, uma vez que tudo girava em torno de práticas e valores insustentáveis. O desequilíbrio do rei e de sua corte era visível aos olhos de quem sonhava. E quando surgia algum sonhador em meio à plebe, disposto a acordar do pesadelo, facilmente percebia que o consumo generalizado não dava conta da busca por felicidade e realização humanas. Para esses sonhadores que surgiam na história daquela corte não era difícil perceber que o rei “Mercado Capital I” era egocêntrico, fanático, fundamentalista e paranoico.

Um dia, por fatalidade histórica, o rei veio a quebrar o pé, um trauma que sua majestade não conseguia assimilar e aceitar, em razão de sua soberania absolutista. Aconselhado pelos seus auxiliares acéfalos passou a usar muletas. Sua majestade determinou que todos os seus auxiliares também usassem muletas enquanto durasse o seu tratamento. O rei “Mercado Capital I” implantou assim o conceito da solidariedade em seu proveito próprio. De repente, todos os súditos, vendo aquela reprodução também passaram a usar muletas. O rei logo vislumbrou naquela situação uma grande oportunidade de negócio e estruturou a corte para a produção de muletas, nos mais diversos modelos possíveis e imagináveis. Foi assim que por repetição e padronização imposta pelo rei, ninguém mais naquele reino conseguia andar sem muletas. Ficou decretada a globalização das muletas.

Como foi dito, quando surgia algum súdito sonhador inconformado com aquela situação, o rei “Mercado Capital I” tratava de eliminar o sujeito, se apropriar das ideias e adaptá-las aos interesses do reinado. Mas foi assim, também, que por inconformismo histórico nascido dos sonhos e sonhadores daquela plebe, mesmo no seio da opressão, surgiam novos conceitos e perspectivas no meio dos súditos, que o rei “Mercado Capital I” não conseguia se apropriar.
Os conceitos nascidos dos sonhos e inconformismos davam a ideia de movimento, de possibilidades e oportunidades da plebe pensar e agir diferente. Uma das ideias que foi sendo estratégica e silenciosamente disseminada no meio da plebe foi a de que era possível desaprender a andar com muletas. E muitos súditos começaram a experimentar em suas casas, a soltarem as muletas e reaprender a se equilibrar com suas próprias pernas. Observavam em seus esforços físicos que para atingir o equilíbrio necessário de suas pernas precisavam usar a cabeça. Era a cabeça que determinava uma razão para andar sem muletas. Foi assim que em suas casas a grande maioria dos súditos passou a andar sem as muletas. E quando saiam paras as ruas da corte sentiam um grande incômodo de terem que andar de muletas. Ao mesmo tempo, deram-se conta de que as muletas representavam uma falsa ideia de reinado, de consumo e de falsa estabilidade. Era difícil a mobilidade e suas cabeças já não mais admitiam a insustentabilidade das muletas.

Em suas experiências de pensar e agir reconheciam que o rei “Mercado Capital I” representava uma grande ilusão de poder, soberania e domínio. As muletas representavam mais que um objeto: representavam um símbolo da sociedade do rei. Era preciso construir outros símbolos como estratégia de superação das muletas. E mesmo que aquela geração de súditos não conseguisse superar os graves equívocos da história, deixaria para as gerações futuras o legado e a resistência frente ao rei “Mercado Capital I”.

Numa manhã, o rei e seus acéfalos ao acordarem perceberam que toda a corte amanhecera pintada com a seguinte palavra de ordem: pernas, pra que te quero? Em outras localidades esta palavra de ordem ganhava o sentido de afirmação: pernas pra que te quero! Não mais que de repente, em meio a esta surpresa, outra surpresa tomou de súbito o rei e seus acéfalos: os súditos saíram de suas casas, todos sem muletas e por um instante quase balbuciando: pernas, pra que te quero? O rei se viu atônito e o eco sinfônico e polifônico ganhou a força das centenas e centenas de vozes e mais vozes das crianças, jovens, mulheres e homens daquela corte. O palácio do rei “Mercado Capital I” fora cercado e não havia saída honrosa para o rei. Ele então determinou que o seu decreto fosse revogado. Os súditos daquela corte, por força da consciência coletiva reconquistaram o direito de andar com suas próprias pernas. E toda a população pode comemorar a liberdade, mesmo que ainda frágil, de voltar a andar sem muletas. Juntaram todas as muletas e formaram uma grande fogueira. Em curto espaço de tempo as muletas foram queimadas, como forma de celebrar a luta por mais liberdade.

O rei não perdeu a majestade e continuou seu domínio tirânico, mas já não contava mais com a “acefalia mental” da plebe. Mesmo em meio aos símbolos, ritos e ideologia dominantes, aquela gente conseguia pensar com suas cabeças, andar com suas próprias pernas e a transformar os sonhos em visão de futuro da organização e comunidade desejadas.

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