DESINSTITUCIONALIZAÇÃO – Palavra grande! QUAL O SENTIDO QUE É PRODUZIDO? SEM MEIAS-PALAVRAS…
Cansam, as meias-palavras… Acompanhei a implantação de Centros de Atenção Psicossociais em duas cidades do RS.
Atuando como Enfermeira na Emergência Psiquiátrica do Hospital Universitário de Santa Maria, sob a supervisão da Enfª Dolores, fiquei sabendo que fui a primeira a escolher aquele local para desenvolver pesquisas de TCC (não pelo mérito de ser a primeira, o que me preocupa é se “fui a última”?). Comecei a participar da Associação de Familiares, Amigos e Bipolares de Santa Maria/RS, a AFAB, que me possibilitou conhecer mais sobre TAB.
A idéia de desinstitucionalizar, fechar gradativamente os hospitais psiquiátricos, destinar leitos em hospitais gerais, implantar os CAPS, isso tudo parecia “uma luz no fim do túnel”. Mentaleira, defensora da Reforma Psiquiátrica, contagiada pela possibilidade de ver tratamentos biopsicossociais que reintegrassem pessoas portadoras de transtornos mentais à sociedade, era o “sonho dourado” de qualquer estudante?
Compreender que controle não se faz apenas com a medicalização da loucura, e que há aspectos subjetivos, afetivos que mobilizam as pessoas a permanecer mais estáveis, sobretudo fazê-los iguais na diferença (na qual todos somos, diferentes, e não há o que se fazer sobre isso). Imaginava que um dia os preconceitos seriam vencidos, quando os “demais” (lê-se, aqueles que se consideram “não loucos”), enxergassem a todos como pessoa de direitos, cidadãos, sem rótulos, sem risadinhas e comentários (“sabia que ele/a já foi internado?”… “louco de carteirinha”…). Na verdade, que na sociedade “palcos” não fossem criados, mas que todos possam não somente desfrutar dos mesmos espaços, mas, sobretudo, obter credibilidade. E o rumo dos CAPS hoje em dia, de uma forma geral, não saberia dizer se preenchem minhas expectativas.
Temos muito que avançar. Desinstitucionalizar o quê? Um termo que parece ter perdido a força, e que mais se adequava às instituições hospitalares, faz-me debruçar sobre os “joelhos dos meus sonhos” e ver que outras instituições, por exemplo, os próprios CAPS, UBS, ESF são capazes de exercer forças institucionalizantes apontando quem é louco. Compor, produzir comum, transversalizar… são tantos os desafios! Mas onde se pensa que os “loucos” são “os outros” e que há um “eu imune”, que observa e está fora do grupo, não há comum que se faça. Um ato de exibir, mostrar a loucura, como algo que se tenha de “aceitar” e não que “possa fazer parte de qualquer um, ainda que em um dado momento da vida”, para mim é uma roda furada.
Infantilizar a loucura, entreter a loucura, dar espaço à expressão rotulada, podem ser estratégias desviantes da Reforma Psiquiátrica que queremos. E que acolhimento é este? Equipes de Saúde Mental decidem suas agendas, com argumentos de “há que se ter organização, limites, certo”? Mas também digo que “há que se ter compromisso, corresponsabilidade para com as necessidades das pessoas”. Muito ouvi dizer, nesses últimos anos, “por ai” (não falando de algum CAPS em específico), “fulano não quer o tratamento”, e pessoas serem descartadas de seu tratamento, dá-se alta, ok? Ou, “sicrano não quer a medicação”, estando em crise psicótica! (Ser deixado à mercê da sorte, e a família que se vire!? Onde está o preparo dos trabalhadores de saúde? No sentido de produzir vínculos, relações de confiança?) E manejo há que se ter nesta hora, pois isso também é acolher, acolhimento das necessidades quando não se pode decidir sobre si mesmo, ou se está colocando em risco outras pessoas. Excesso de medicação, “zumbis do dia, que se apagam à noite”, quando “não passam dessa para melhor” (?) sob o argumento de que “reações de sensibilidade às drogas acontecem”, ou que “aspirou o alimento porque estava sedado demais”, ou porque “não foi atendido adequadamente” porque era “familiar de portadores de transtorno mental” e só podia ser “nervoso” (lê-se, novamente, “louco”) também, ou porque “é histriônico e está só chamando a atenção”, ou porque a “pressão/glicose está alta devido estar nervoso” (220/140mmhg, sempre 300mg/dl)… ou “luto não é para psicoterapia”… são tantos os ditos que já ouvi, e perguntando para mim mesma, o que era mesmo que eu acreditava? Vive-se na doença. Onde fica a cidadania? Onde estão os familiares? Aquela sociedade que não aponta, mas que integra um projeto comum. “Ai, meus moinhos, gigantes” – utopia minha? Ainda que me sentindo quixotesca, misturando tudo, quero “morar em lugar nenhum”, habitar a “ilha-reino” de More (Morus) ou a “Ilha deserta” de Deleuze?
As equipes de saúde mental e CAPS parecem adoecer tanto quanto seus ditos “loucos de carteirinha”. Em geral, temos muitas experiências de “profissionais de saúde” adoecendo no trabalho inclusive, mas nesses serviços específicos, especializados, isso é mascarado? A equipe não se entende? E fácil dizer que é depressão, já virou até moda! Entra-se em psicose, diagnóstico: depressão? Não gosta dos colegas de trabalho, ou é estigmatizado na equipe? Motivo do afastamento? Depressão! Todos aceitam, depressão deve significar ser menos louco? Depressão já é socialmente aceito? E aceitar que as pessoas são diferentes, sem tentar medicalizar para tornar-los mais “normais” (o que é?), permitir alguns altos e baixos… não, não se pode ter altos e baixos, deve ser TAB. Lítio e benzodiazepínicos “pode”.
Generalizando sim, quero poder questionar se “são tratadas as doenças de base”, se “são levados em conta os desencadeadores”? Afeto pode ser um remédio poderoso, desde que seja algo recíproco, de trocas, porque ninguém aguenta simulações. Nem aqueles que podem se achar normais. Investimento em “produções contínuas de comum” poderá garantir a transversalidade das políticas de saúde, desde que estes “encontros” deixem os rótulos de lado, infiltrados todos, misturando as singularidades, afetando-se sem medo… não é contagioso, informa-se!
Qual o futuro dos CAPS em geral? Politizá-los, permitir protagonismos, mas ainda assim me incomoda a forma que estamos tratando a desinstitucionalização. Parece mais uma abordagem recreacionista do que que biopolítica. Ok, isso também é importante, no entanto, existem discussões importantes a ser pautadas e, além disso, transpostas à prática, impactando na vida social dos portadores de transtornos mentais. Uma delas, as aposentadorias precoces; outra, o conhecimento de todos ao que vem a ser a Política de Inclusão (essencialmente, das diferenças!). E, por ai muitas reverberam.
Docemente, o amigo e médico Roberto (no vídeo – que também trabalha comigo no Ambulatório) apresentou Gessi, Cleni, Lurdes, Eva… (queridas minhas) às pessoas que compartilharam a tarde do dia 01/10/2009… muitos desafios. Um início. Agora, apresento à rede, “outro olhar”, o meu.
Iguais na DIFERENÇA…
Apoiadora Institucional da PNH – São Sepé/RS
Obrigada pelo desabafo!
Link importantíssimo:
https://redehumanizasus.net/node/8188
Outros links:
https://redehumanizasus.net/node/8205
https://redehumanizasus.net/node/8225
Por Adriana Regio Martins
HU!
Haveremos de continuar a (des) construir espaços como este, nos encontrar, muitas vezes, conversar e compor com as diferenças…Autonomia, corresponsabilidade, protagonismo.
Produzir redes de vida, para a vida, na potência da singularidade radical de cada pessoa. É um desafio a longo prazo, talvez para a vida toda.
Quem conhece tua caminhada, entende o quanto este encontro foi importante para ti, mexeu com "quase" todos nós, afinal somos diferentes.
Este tema vem te acompanhando de muitos anos, e eu que te acompanho desde sempre, já ouvia tu falar em compor com as diferenças.
Entendo que de certa forma somos todos afetados, TÁLOKOTCHÊ?!!
A diferenciação está no rótulo? (…muito prazer: Esquisofrênico José da Silva…, muito prazer: Diabética Maria dos Santos…ou Olá, HIV fulo de tal….). Está para nós essa (des)construção, vamos colaborar, infiltrar PNH, co-gerir.
Adriana