Nossas redes são cheias de nós…

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Desde o início da pandemia (março/2020) nossas vidas têm estado em suspenso, num modo pendular entre seguir e voltar. No primeiro semestre pandêmico não sabíamos como operar as tecnologias para os encontros e manter vivo o princípio ativo para a formação. No semestre seguinte, acostumades com as tecnologias duras, vários repertórios começaram a fazer parte do nosso cotidiano: aula remota, modelo híbrido, rodízio, aulas síncronas, aulas assíncronas… Descobrimos muitas coisas nessas dobras que exigiam do nosso fazer diário a atenção necessária para fazer brotar no impossível chão.

Entre uma crise sanitária global e uma crise política local, nunca foi tão urgente “cuidar do broto” para que a vida pudesse seguir com a garantia de que a primavera não tardará a chegar. Muitos ruídos, experimentações, ocupações de espaços virtuais nessa tele-realidade, e a sensação foi de não haver um lugar cômodo para operar virtualmente as tecnologias leves, pois sem calor e com as câmeras desligadas, sobrava espaço na avenida para a escola de samba passar…

Mas, voltando às redes cheias de nós, o tempo nos ajudou a criar.

 

Encontro presencial

 

Foi então que pensamos na inspiradora PNH. Foi a partir dela, e de seus princípios, que começamos a movimentar alguns espaços de encontros neste quarto semestre de vida pandêmica (nossa, dois anos!).

Começamos mapeando os pontos de convergências entre nossas disciplinas. Quais territórios ocupar? Quais os trânsitos possíveis? Como produzir sentidos para um processo de formação desterritorializado por uma pandemia violenta? Como redistribuir a centralidade da formação hegemônica em psicologia e operar modelos formativos que dialoguem com o contexto local, a necessidade de saúde das populações e o Sistema Único de Saúde?

A cada pergunta lançada um desafio permanente de reflexão que nos convocava para a necessidade de movimentar a rede. As proposições seguiram entre as brechas das disciplinas, com a oferta de metodologias de trabalho participativas e a criação de cenas para experimentar os eixos da PNH: clínica ampliada, gestão participativa e democrática, e co-gestão de coletivos.

Nosso objetivo aqui é compartilhar alguns dos desdobramentos criados com alunes das disciplinas Psicologia Social, Estágio Básico II, Intervenções Psicológicas em Saúde Mental e Saúde da Família e Intervenção Psicossocial, respectivamente, alunes dos 3º, 5º e 10º períodos do Curso de Graduação em Psicologia, do Centro Universitário Cesmac/Maceió-Alagoas.

 

Aula com a turma da disciplina de Psicologia Social (3º Período) – Teorias Decoloniais

 

Metodologicamente, o primeiro passo foi discutir temas em Psicologia Social (Psicologia, Gênero e Sexualidades e Raça, Etnia e Psicologias) de maneira transversal às disciplinas. O objetivo foi pensar tais temas como estruturantes no campo da produção do cuidado e do desenvolvimento do trabalho da Psicologia. Para amplificar as discussões teóricas e metodológicas deste tópico, convidamos Ísis Florescer (Instagram @isisflorescer), ativista transfeminista e atriz, para mediar as conversas. A participação da Ísis teve o objetivo de situar as questões e os desafios para a Psicologia considerando as narrativas produzidas pelo movimento transfeminista: re-situar a escuta a partir do lugar de fala.

 

Ísis recitando uma poesia de seu livro: “Segunda pele”. (3º Período)

 

Como segundo tópico de ação, trabalhamos os princípios e diretrizes da PNH, lançamos olhares e provocações conceituais para as conexões entre a Psicologia e os dispositivos da PNH. A partir das experiências do SUS que dá certo, discutimos o “Parto e nascimento humanizado no Hospital Sofia Feldman”, buscando tecer diálogos entre a Clínica Ampliada e o Projeto Terapêutico Singular, e as ferramentas de trabalho: genograma e ecomapa. Para movimentar os nós dessa rede, convidamos a psicóloga e egressa do curso, Vanessa Rarília.

https://www.youtube.com/watch?v=II1rAfmdkG0&t=3s

Vanessa, foi bolsista de Iniciação Científica, integrante do PIPAS (Práticas Integradas de Pesquisa em Atenção à Saúde) e realizou seu estágio específico na Secretaria Municipal de Saúde, articulando práticas da PNH. Segundo ela: “essa aproximação permitida pelo virtual caracteriza o uso de tecnologia dura (computador, fone de ouvir, microfones e internet) permitindo circular as tecnologias leve-duras (os saberes que compunham a roda) e as tecnologias leves (como as relações presentes)”. E continua: “durante a roda me senti nostálgica pois fez muito sentido perceber que meu percurso na psicologia, atualmente na área de saúde e segurança do trabalho, tem muita afetação nas diretrizes da PNH. Considero que aspectos que envolvem processos sadios de trabalho não se resumem as relações humanas, sendo fundamental considerar os modos de gestão, a ambiência, a multiprofissionalidade diante de questões de saúde mental que não se restringem à prática do psicólogo, e a valorização do trabalhador num contexto ético-político de promoção de cidadania.”

 

Roda de Conversa com Vanessa Rarília (10º Período)

 

Sem dúvida um momento potente de trocas de aprendizagens e afetos.

Para construir mais um nó nessa rede, fomos provocadas pelo grupo para a realização de um encontro presencial, seguindo todas as medidas de segurança necessárias, e considerando as diretrizes institucionais para o retorno às atividades presenciais. O pedido foi trabalhar na prática algumas das estratégias discutidas em sala de aula. Acolhemos a proposta com um pedido: gestão coletiva do processo. Isso implicou em todas as negociações para a realização da atividade: dia, horário, tema, participantes, metodologia, organização do espaço, gestão entre a turma e tudo que pudesse surgir de desdobramento. Depois de todos os acordos, decidimos trabalhar com a metodologia da Tenda do Conto, com o tema gerador: “As narrativas no percurso da formação: o corpo e o currículo performando os sentidos”.

 

Encontro presencial

 

Foi um momento incrível. Ouvir as histórias do percurso, os medos, os dilemas, as encruzilhadas, os certos e outras sensações. Falar também de nossos lugares como professoras também foi importante neste momento de acolhimento. O desafio da tarefa foi prestar atenção no currículo e os efeitos da formação na vida concreta de todes que fazem parte desse emaranhado de nós.

 

Encontro presencial

 

Para finalizar o semestre, seguimos transversalizando os temas com outras metodologias potentes para o trabalho em saúde: Gestão Autônoma da Medicação, Grupos de Apoio Mútuos, Ouvidores de Vozes, Redução de Danos e Educação Popular em Saúde.

 

Aula remota com a turma da disciplina de Intervenções Psicológicas em Saúde Mental (10º Período)

De alguma forma, prestar atenção no percurso da formação para a saúde compartilhando os olhares faz do nosso exercício um território fértil, uma aposta na construção de modelos em defesa da vida e da valorização da diferença.

 

Afetuosamente,

Há braSUS!

Renata Guerda, psicóloga antimanicomial, professora em defesa da vida e do SUS, tia da Sofia e do Vini.

Layse Veloso, psicóloga do CREN/Maceió, doutora, tia da Maria Lis.