Papel da arte e de Nise da Silveira na (re)construção da saúde mental em um CAPS de Alagoas

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       No 9° período da faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas, os estudantes iniciam o período do internato, que consiste em um ciclo de vivências mais práticas do que teóricas, com o fito de colocar em voga todo o aprendizado adquirido nos ciclos anteriores. Dentre as disciplinas deste período, uma das mais humanas e que prezam pelo aspecto social está o estágio de Saúde Mental, na qual podemos ter contato com diversas atividades que prezam e estudam os amplos aspectos que envolvem a saúde mental de um ser humano, cheio de vicissitudes e idiossincrasias relacionadas ao processo da complexa formação de personalidade humana.

    Dentro do estágio, há a divisão entre dois “sub-períodos”, nos quais temos práticas de ambulatório e enfermaria em Psiquiatria em um; e um setor voltado para emergências psiquiátricas, no qual somos direcionados para um mundo ainda tabu na sociedade permeada por desconfiança e desconhecimento acerca do mundo envolto das patologias que envolvem a saúde mental do ser humano. Neste último, temos contato com emergências em hospitais psiquiátricos, local mais comum de atuação do profissional psiquiatra, e em CAPS, que são os Centros de Atenção Psicossocial, respeitando a ideologia da Revolução Psiquiátrica que iniciou-se no final do século passado.

       Nossas práticas nestes Centros são de suma importância para desconstruir um pensamento ainda arcaico que envolve os processos mentais e seus planejamentos terapêuticos, como também auxiliam na formação de uma nova visão quanto ao tratamento das mais diversas patologias, não restritas apenas ao aspecto psiquiátrico. Neste relato, vamos ressaltar a importância deste Centro e debruçar acerca de uma atividade específica que se espelhou em uma das maiores referências da psiquiatria brasileira, Nise da Silveira.

    Seguindo nesta perspectiva, é sempre importante relembrar o motivo da criação dos CAPS como um contraponto ao modelo manicomial até então estabelecido e da sua importância na luta contra os tratamentos invasivos e a marginalização social dos indivíduos com transtornos mentais. Dessa forma, sempre há o debate sobre como o CAPS foi importante na Reforma Psiquiátrica no Brasil, com a humanização do atendimento clínico e reinserção do paciente enquanto cidadão e protagonista de seu tratamento. A vivência prática destas mudanças foi possível durante o estágio de Saúde Mental, em que pudemos participar de diversas atividades acolhedoras as quais fortalecem os laços sociais destes indivíduos numa comunidade, havendo o compartilhamento de experiências únicas. Além de tudo, a ligação acadêmica com esses espaços é fundamental na formação médica enquanto catalisadora de uma reflexão social, que foge ao modelo hospitalocêntrico tão presente na educação médica.

        Entre as atividades que foram acompanhadas durante o período de estágio no CAPS, podemos destacar o acolhimento do paciente, os grupos psicoterápicos, a meditação e a confecção de quadros e de telas. Com o objetivo de inserir os indivíduos em um espaço receptivo e terapêutico, muitas vezes, as atividades realizadas no CAPS ultrapassam a própria estrutura física do lugar, originando uma rede de suporte social, preocupando-se com o sujeito e a singularidade, sua história, sua cultura e sua vida cotidiana.

          Nesse contexto ainda, a participação de uma importante voz no meio psiquiátrico brasileiro e mundial surgiu com o objetivo de alterar a percepção de tratamento nos séculos passados e tentar humanizar os pacientes, além de proporcionar um manejo terapêutico diferente, com práticas diferentes, para pacientes diferentes. A psiquiatra Nise da Silveira, nascida em Alagoas e radicada no Rio de Janeiro, foi uma importante expoente deste princípio, a qual se utilizou do artifício da arte, da pintura, da escrita e de outros meios artísticos como forma de “combater” os males instaurados na mente humana. Artifícios estes que foram utilizados e propagados nesse Centro de Atenção Psicossocial Rostan Silvestre, localizado no bairro da Jatiúca, em Maceió – Alagoas.

      A vivência no CAPS possibilitou uma expansão da compreensão sobre o cuidado especializado, humanizado e integrado que deve ser prestado às pessoas com transtornos mentais, incluindo aquelas com dependência química. Tal experiência permitiu constatar que a importância do CAPS é inegável, uma vez que se constituem como centros fundamentais na promoção da saúde mental da população, fornecendo tratamento e atendimento gratuito para as pessoas que precisam de tal assistência, especialmente aqueles que não possuem recursos financeiros para pagar por serviços privados.  Ademais, os CAPS desempenham papel ímpar na desmistificação e quebra de estigmas relacionados aos problemas mentais, de forma com que os pacientes recebem tratamento sem se sentirem estigmatizados e discriminados, além de auxiliarem na conscientização da população sobre a importância de cuidar da saúde mental e a necessidade de buscar ajuda quando necessário.

      Dentro do CAPS, portanto, fomos capazes de ver em primeira mão a importância da arte como ferramenta para a expressão do inconsciente, da subjetividade e do sofrimento psíquico que aquelas pessoas estão experienciando. Amplamente defendida pela grande psiquiatra Nise da Silveira, foi de fato inspirador acompanhar individualmente as trajetórias dessas pessoas e perceber que, quando estão no ateliê, tentam nos mostrar aquilo que fica difícil de dizer, pois nem sempre é fácil de pôr sentimentos em palavras, mas eles gritam por meio da arte. A possibilidade de trabalhar esse inconsciente, essa subjetividade, traz benefícios no tratamento, pois esses indivíduos se tornam nitidamente mais dominantes do seu “eu”, conhecem melhor seus desafios e encontram na arte uma vazão para aqueles sentimentos, que quando trancafiados dentro da mente causam um mal incalculável.