Procedimento invasivo ou cuidados paliativos em paciente oncológico pediátrico? Impasses bioéticos.

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Procedimento invasivo ou cuidados paliativos em paciente oncológico pediátrico? Os impasses da equipe multiprofissional diante da tomada de decisão da família.

Embora o reconhecido avanço científico relacionado à prevenção, diagnóstico e prognóstico do câncer seja uma realidade internacional, a conduta terapêutica de cuidados paliativos exclusivos necessita de um olhar diferenciado, principalmente no que tange a atuação da equipe multiprofissional, bem como a compreensão do quadro clínico pela família e possíveis decisões a serem tomadas. Para melhor compreensão a respeito do tema cabe explicitar que a abordagem de cuidados paliativos é voltada para a promoção da qualidade de vida do paciente e seus familiares perante doenças que ameaçam o prosseguimento de sua vida, no qual a possibilidade de cura da patologia é inexistente. Essa abordagem é pautada na prevenção e alivio do sofrimento.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), essa modalidade de cuidado deve ser ofertada o mais precoce possível, a fim de prevenir sintomas e complicações inerentes à doença de base, podendo contribuir para o aumento da qualidade de vida e da sobrevivência do paciente. Para tanto, prioriza como princípios de atuação: o alívio do sofrimento, o controle dos sintomas e da dor, a busca pela autonomia do paciente e a manutenção de vida ativa dos indivíduos enquanto ela durar.

Na perspectiva da Humanização e da Integralidade do cuidado, o modelo assistencial promove o atendimento às necessidades de pacientes fora de possibilidades terapêuticas de cura, em processo de morte e morrer, buscando o cuidado individualizado, respeitando a autonomia do paciente e família diante da tomada de decisão relacionada ao tratamento.

Ainda na discussão relacionada a tipos de terapêuticas, cuidados paliativos e conduta da equipe multiprofissional ressalta-se a importância da Bioética na compreensão destes fenômenos. A Bioética pode ser entendida como uma reflexão compartilhada, complexa e interdisciplinar sobre a adequação das ações que envolvem a vida e o viver (GOLDIM, 2006).

A equipe multiprofissional que atende o paciente pediátrico oncológico, com doença ativa e que não vem apresentando resposta positiva ao tratamento proposto geralmente sofre um abalo emocional e se mobiliza na tentativa de minimizar o sofrimento da criança e promover sua qualidade de vida. Contudo, o desejo de proporcionar qualidade de vida ao paciente não deve ignorar a sua autonomia e da família quanto as decisões pertinentes ao tratamento. A equipe multiprofissional deve comunicar de maneira assertiva o quadro clínico, esclarecendo as possibilidades ainda existentes de tratamento, mesmo que não seja a opção que a equipe julga ser a “melhor”, ela não pode intervir na escolha e nem tentar convencer a família a optar por determinada conduta.

Como exemplo para esclarecer melhor a relevância de reflexões bioéticas no tratamento de pacientes pediátricos oncológicos, cabe confabular  a respeito do caso de uma criança que realiza tratamento de Leucemia, que já passou por três linhas de tratamento e que o organismo não tem respondido como o esperado, imaginemos que no caso em questão existam duas possibilidades de terapêutica, a primeira é a tentativa de realizar a quarta linha de tratamento, que tem menos que 10% de chance de cura e que utiliza métodos extremamente invasivos e traz consigo efeitos colaterais que podem acelerar o momento do óbito. A segunda possibilidade é executar os cuidados paliativos exclusivos, priorizando a qualidade de vida do paciente, estabilizando  o seu quadro, minimizando a dor e sofrimento, oferecendo suporte e apoio, sem no entanto utilizar tratamentos quimioterápicos e procedimentos invasivos, objetivando que o paciente viva o tempo que ainda lhe resta de vida da melhor forma possível. Suponhamos que a equipe multiprofissional entre em um consenso de que a melhor terapêutica a ser utilizada é a dos cuidados paliativos. No entanto, a família não concorda com essa conduta e deseja prosseguir para a quarta linha de tratamento, mesmo sabendo que as probabilidades de cura são mínimas e que esse tipo de tratamento poderá resultar em uma morte dolorosa.

Este caso nos conduz a uma  profunda reflexão bioética a respeito da conduta de equipe multiprofissional, da autonomia da família em relação as decisões, da importância da qualidade de vida do paciente e dos princípios bioéticos da beneficência e não-maleficência. Creio que casos como esses devem ser observados com um olhar atento, humanizado e principalmente ético.

 

GOLDIM JR. Bioética, Origens e Complexidade. Revista HCPA. 2006; 26(2): 86-92.