Produção de sentido

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O estado de consciência é flutuante. A percepção produz diálogos internos. Divagamos, enquanto recebemos estímulos constantes e múltiplos. O dado mais severo da existência é a inexorabilidade da seta do tempo: Cada instante é irrecuperável. Captar a realidade consiste no efeito da soma de percepções caóticas e complexas às quais o esforço da reflexão interna busca, incansavelmente, atribuir um sentido e um significado.

Porém de tudo ao que damos atenção, apenas uma parte – em diferentes graus e medidas de precisão – é retida na memória. Esses fragmentos vão formar um todo racional em nosso incessante diálogo interno. Como dito acima, falamos conosco em nossa mente.

Pensar, para seres humanos é um esforço investigativo inesgotável, em que em diferentes graus de rigor, ceticismo, crenças e fantasias… vamos dando uma significação, um sentido, uma direção que parece ir das causas até às consequências. De fato esse esforço instituinte, apenas dá uma explicação precária e provisória para a marcha incessante dos instantes que surgem e desaparecem. A incompletude do conhecimento é um fato intuído e experimentado.

Apenas uma parte do que se apresenta a nosso estado de atenção, consciente e inconsciente, é de fato apreendido. Aquela estreita zona do conjunto do que chamamos de realidade e que é objeto de nossa atenção na busca por uma sobrevivência com significado.

A necessidade da produção constante de sentido e significado para os dados da percepção é, portanto, dinâmica e complexa. Isso exige que os processos comunicativos sejam redundantes e reiterados. Nós repetimos impressões e explicações, mais ou menos rigorosas, místicas ou científicas, sobre tudo e sobre todos.

Por isso, temos de dizer quem somos, durante toda a nossa vida. De um lado, porque, em nossas interações, vamos sempre mudando. Por outro lado, e de modo complementar, porque a tarefa de se apresentar é repleta de ruídos e sujeita a diferentes níveis de atenção, inclusive de nossa própria parte.

Desse modo, a tarefa contínua de enunciar quem somos é simultaneamente um processo repetitivo e redundante, do qual nossa identidade vai emergindo aos poucos. Mas sempre de modo provisório e incompleto, para quem tenta nos conhecer, inclusive nós mesmos.

Por isso a arte é possível. Uma vida cabe num livro, num romance ou num poema, numa música ou numa pintura, um filme, uma série, um podcast… É possível enunciar em uma síntese a soma dos signos de uma vida, da história de um povo, de uma nação, da própria espécie humana. Aqui observamos a razão pela qual a incompletude e a incerteza permitem a atribuição de sentido. Inclusive, e mais firmemente, porque permitem a produção de conceitos científicos, crenças e noções culturais.

Nesse sentido a reiteração, a redundância caótica dos pensamentos e das palavras, em cada mente, faz da consciência coletiva, a soma do significado produzido pela espécie humana na história. A existência efêmera de cada indivíduo é assentada na vida mais perene, mas não menos finita, da espécie. Uma se alimenta da outra.

Não há a síntese dos conceitos produzidos pela civilização sem a jornada de cada indivíduo da espécie. No entanto, também é fato que sem a síntese dos conceitos, dos padrões culturais e científicos se projetarem em cada um – nos diferentes períodos da história – nós deixamos de nos adaptar às condições do ambiente e nos expomos a extinção.