RAZÃO DE SER DA COMUNIDADE

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Os indivíduos possuem inteligência no plano individual. As comunidades e organizações desenvolvem uma inteligência coletiva, a partir da cooperação e do compromisso dos seus membros. Por esta razão, a inteligência de uma comunidade pode ser bem maior do que a soma da inteligência de todos os seus membros, pois todas as características e valores dos indivíduos que formam a comunidade ganham mais valor e mais expertises quando se desenvolvem coletivamente.
Cada indivíduo tem uma vida biológica resumida no tempo e no espaço. Através do desenvolvimento da capacidade coletiva, as comunidades e organizações perpassam o tempo de vida de qualquer dos indivíduos que a formam e lhe dão significado. É o Fundamento Biocêntrico que pode garantir vida longa para as comunidades e organizações. E isto significa: valorizar a vida de cada membro da comunidade, perseguir a missão de realizar projetos que possam transformar a vida das pessoas e o meio ambiente. Portanto, voltar-se para o bem da comunidade e do Planeta.
A comunidade ou organização que desenvolve estas premissas está fadada ao sucesso e terá vida longa, mesmo com todos os percalços que podem atrasar a sua consolidação social. Por outro lado, uma comunidade ou organização que não se caracteriza pelo dinamismo, que não eleva o nível de participação de todos, que não busca construir a inteligência coletiva para superar as dificuldades, seguramente, não terá vida longa nem saudável, mesmo que as condições econômicas e objetivas a sustentem por algum tempo.
O que qualifica a ação de uma comunidade ou organização é a sintonia de propósitos: todos entrelaçados em torno do cumprimento dos objetivos: esforços compartilhados que agregam, que unem os membros da comunidade ou organização rumo a construção de um futuro melhor. São as decisões e ações sintonizadas, onde cada membro se coloca como responsável, que convergem para um propósito positivo. Assim, os riscos e ameaças podem ser mais agilmente superados, as oportunidades e fortalezas podem ser agarradas com mais determinação.
Mas isto só acontece na comunidade ou organização cujos membros exercitam com autonomia, livremente, responsável e amorosamente o que se chama compromisso. Comprometimento é o sentimento de posse e de entrega, de doação do melhor de si para que o objetivo coletivo seja alcançado. É o compromisso que gera o resultado. Mas é a amizade, a simpatia e a empatia, trocadas espontaneamente entre os membros de uma comunidade ou organização que pode elevar o nível de comprometimento das pessoas. Comunidade ou organização que não vivencia a amizade – amizade que significa também solidariedade -, não vai conseguir comprometer os seus membros com o sentido maior da missão. É a solidariedade entre amigos que fortalece a relação de confiança, que gera uma energia coletiva empreendedora, que faz a comunidade perseguir oportunidades e conhecimentos relevantes.
O conhecimento relevante se concretiza na aprendizagem coletiva, no “aprender fazendo”, que é o verdadeiro impulso da inteligência coletiva, que significa “eu”, “tu”, “ele/ela”, que se faz igual a “nós”. A teia do conhecimento precisa da troca de experiência para se transformar em ação prática, para dinamizar a vida das comunidades onde trabalhamos e vivemos.
O conhecimento relevante, o “aprender fazendo” é o produto do diálogo que se faz imprescindível entre os membros de qualquer comunidade ou organização. Sem o diálogo entre “eu” e “tu”, o “nós” não se concretiza. Sem o diálogo não existe assertividade, nem trabalho coletivo. Na comunidade ou organização o diálogo é o fundamento da amizade e da comunicação que deve haver e prevalecer em toda ação. Para que haja o diálogo, a comunidade ou organização precisa promover e combinar maturidade, auto-estima e a valorização das pessoas. Transparência nas ações, respeito mútuo e objetividade constroem a comunidade ou organização que, pelo diálogo produz afeto e calor humano. A ausência do diálogo pode significar problema, perda de auto-estima, conflitos e inimizades que podem comprometer a vida da comunidade ou organização. A comunidade ou organização que aprendeu a dialogar – porque dialogar é também um processo de aprendizagem -, desenvolve uma cultura de parceria de dentro para fora e de fora para dentro; emerge o respeito e a criatividade coletiva. Cada membro se sente fortalecido e capaz de ouvir, de falar, opinar e oferecer idéias para o melhoramento dos trabalhos. Não basta juntar indivíduos criativos para se obter a criatividade coletiva. Existem muitos casos nas comunidades e organizações que essa junção não deu certo: faltou sentimento, emoções, valores, ética e lealdade. Além da criatividade individual são os desafios comuns, a integridade, a relação de confiança e de apoio entre os membros que vão gerar a criatividade coletiva.
Como podemos observar, para que uma comunidade ou organização se constitua no seu verdadeiro sentido de comunidade, na sua verdadeira razão de ser, só a intenção de participar e a vontade de contribuir não bastam. Intenção e participação devem evoluir para comunhão: de idéias, de ação, de aprendizado, de missão. Tomar parte da ação, ser parte da missão, assumir as vitórias e os fracassos resultantes do projeto coletivo. Aí reside a grande diferença entre o ser solitário e o ser solidário, entre os que se movimentam por amor e os que agem por egoísmo. No egoísmo: a aspereza e a frieza das relações formais, como já foi dito em outras mensagens, “todos amigáveis, ninguém amigo”, hoje tão comum em comunidades e organizações que fazem da burocracia sua principal marca. No amor e pelo amor, a magia de servir e conviver, o prazer de trabalhar com entusiasmo e de criar novas relações, prazerosas e amorosas, para o bem da comunidade.

Elias José
Desenho em aquarela da artista Maria Eliene Magalhães, ACS de Fortaleza. Peça integrante da exposição ‘Agentes Comunitários de Saúde: a integralidade itinerante’, 2019.