RAZÃO DE SER DA HUMILDADE

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A humildade, em suas aventuras e desventuras diante do mundo e dos ciclos da existência humana foi ao encontro de uma turminha de crianças pobres, ricas, alegres, travessas, irrequietas e felizes. E a humildade foi logo se enturmando:

– Bom dia, crianças! Eu sou a humildade. Vocês já ouviram falar de mim?

– Saibam que vocês carregam em suas “criancices”, o germe fecundo que me constitui… (A humildade falou difícil porque sabia que assim iria conseguir provocar a atenção e aguçar a curiosidade das crianças).

As crianças foram logo respondendo e perguntando, uma a uma:

– Bom dia! Que é humildade?

– Bom dia! Que é germe?

– Bom dia! Que é fecundo?

– Bom dia! Que é constitui?

– Bom dia! Criancices são coisas de criança né?

A Humildade se viu aperreada, pensou um pouco e retrucou:

Olha crianças, posso brincar com vocês? Preciso voltar a ser criança, preciso viver a vida brincando, sem brincar de viver… Preciso voltar a ser criança!…

As crianças em sincronismo surpreendente, tornaram a perguntar?

– Mas do que a senhora quer brincar?

E assim, a humildade já adulta percebeu que para evoluir nos conceitos e vivências precisava fazer um caminho de volta… Era preciso se permitir.
A humildade e as crianças brincaram a manhã toda. E buscou reaprender muitas coisas que a levaram ao seu tempo de infância. Um mundo de pureza, de sonhos, de magia, em que as brincadeiras eram levadas muito a sério, mas com muita ternura, descobertas, energia plena e a honestidade natural e verdadeira do universo-criança de ser…

A humildade ainda em sua evolução para comunicar seu real sentimento expressou em ato cênico espontâneo, no cenário natural do “jardim encantado”, que a pessoa da humildade em sua essência, é mãe e pai, filho e filha, avô e avó, irmão e irmã, amigo e amiga, companheiro e companheira, família e comunidade, no tempo da gestação da amorização, inerente ao ser mãe e ser pai. A humildade para dar vida plena a sua estória incorporou o sentido de sua própria evolução e se transformou numa mulher grávida, um ser de luz que gera luz, que sabe esperar e se cuidar, que sabe superar os incômodos físicos, fisiológicos, orgânicos e biológicos, vivenciando a paixão, a dor e a alegria da hora do nascimento do filho ou filha. A humildade expressou em ato, como que a dizer: somos filhos e filhas da humildade! A humildade é a grandeza que humaniza e liberta. A sabedoria é expressão da humildade. A inteligência é expressão da humildade. Os diplomas, mestrados e doutorados têm valor sublime quando impressos na fonte-vida-aprendizado da humildade. Sem a essência da humildade, os títulos, o status, o Pós-Doc são vírus que atestam vaidades, que certificam feudos político-sociais no sistema que se nutre do saber popular para formar mestres e doutores, que não poucos passam a negar e subjugar suas origens e seus agora “não iguais”. Enclausuram a humildade debaixo de teses e conceitos que não vivenciam e criam “sistemas de valores” e regras de exclusão nos feudos do campus e do mundo das aparências e da hipocrisia de um “saber amordaçado”.
As crianças cantaram, pularam, sorriram e se jogaram sem medo no ato de brincar. A humildade se lançou nesta dimensão e conseguiu expressar, sem palavras, a sua razão de ser. Atraiu as crianças até ao “jardim encantado” que ela cultiva e mostrou uma linda flor que se abria. Conseguiu com gestos e algumas palavras brincantes que as crianças ficassem observando aquela flor atingir o seu ápice de abrir-se.
E assim, a humildade falou sobre o ser criança, como sendo uma flor fecunda, bela, pura, inteligente e cheia de energia. A humildade se esforçou ao máximo, para demonstrar com gestos, os mais diversos, o que é ser “fecundo”. E disse cantando e saltitando:
– Ser fecundo é ser criança, ser flor, folhas e frutos em ato crescente de vida e amor. E as crianças, cheias de encantamento, cantaram assim:

– deixe-me ser, laiá laiá / Sou uma criança laiá, laiá / Sou uma flor gente laiá, laiá / um broto da esperança…

A humildade se percebeu feliz – mais e mais feliz, a cada movimento que fazia para acompanhar o ritmo e o tempo das crianças. Nisto ela buscou fazer uma evolução para que as crianças percebessem que era possível ser adulto e ser criança ao mesmo tempo, que é possível ser diferente, ser verdadeiro, ser sincero, ser honesto e ser brincante, porque é isso que “constitui” o ser humano. E a humildade cantou bem assim:
– “Sou adulto e sou criança com coragem de sonhar / Hoje eu volto a minha infância e começo novamente / Perguntando a toda gente / quando vai acontecer”…
Quando vai chegar a paz e o tempo da gentileza?
Quando vai acontecer o reino da compaixão?
Quando “ser adulto e ser criança” é ser de paz, ser de comunhão, ser criança, jovem, adulto ou idoso, sem perder a essência da flor em botão?

A humildade nunca mais parou de refletir, pensar, problematizar, construir perguntas e respostas, pois entendeu que o desafio e a razão de ser humilde é ato inteligente e humanamente constante… Como constante é o movimento da vida no esperançar evolutivo do ser. A humildade compreendeu ainda que, mesmo na sua dimensão de humildade, é preciso estar constantemente avaliando e refletindo sobre as suas atitudes, pois a distancia entre ela e a vaidade é um pulo que separa a infância da juventude ou um casulo da borboleta.

As crianças cresceram e levaram consigo aqueles valores brincantes e mágicos da infância… Em dados momentos, perderam a essência daqueles valores. O mundo dos adultos as sugaram com suas propostas em redemoinho. Na vida adulta conheceram a avareza, a mentira, a falsidade, a lógica do poder pelo poder, a hipocrisia e o deus mercado da economia do horror que gera acúmulo, concentração, disputa e concorrência entre os seus poderosos consociados e, ao mesmo tempo produz a desigualdade e a exclusão para a grande maioria que alimenta o sistema por meio do consumo e da sua força de trabalho…

Aquelas crianças, agora adultas, se perceberam marionetes do sistema no mundo das falsas relações. Mas quando tudo parecia perdido, suas consciências pareciam soltar o grito do susto, chorar o choro do medo, sentir a dor das quedas de quando estavam engatinhando e aprendendo a andar… Foi assim que aqueles adultos avistaram, na fresta da janela que dava para a infância, o brilho que iluminaram seus olhos e apontavam para uma direção. E a direção parecia ser “fazer o caminho de volta” para a gentileza, a solidariedade, a amorosidade, a vontade de viver e de ousar se libertar das amarras deste mundo tão adulto e tão bruto – mundo cão movido pelas engrenagens do terror e do medo, da violência e barbárie geradas nos porões do nazifascismo, totalitarismo e intolerância em todas as suas formas. E perceberam que fazer esse caminho de volta significa evoluir na direção do futuro, construir o tempo da graça, com o espírito maduro, adulto, juvenil e criança ao mesmo tempo, sempre buscando dar significado e encantamento aos princípios e vivências dos valores humanos – que nos fazem, verdadeiramente, humano sermos. O exercício da humildade é impossível de ser vivenciado fora dos valores humanos, nos ambientes aonde predominam a força e o autoritarismo, a prepotência e a tirania que sufocam e torturam o diálogo e a democracia.

A razão de ser da humildade se fez e se faz nosso desafio constante.

A humildade é o germe, o embrião da nossa humanidade, “o estado rudimentar e originário” de todo ser humano. Crescimento sem humildade não tem futuro. O ser humano sem humildade perde a origem, passa de fase no jogo da vida, mas perde o jogo, se quando em criança, não lhe for sedimentados valores e exemplos que o tornem semente e semeador da humildade.

 

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