Sigo escutando senhas de bancos, orientações práticas para a família, declarações de amor, pedidos de desculpa na hora da despedida, na iminência da intubação.
Sigo sustentando o olho no olho, suspirando junto a cada “estou com medo”, “eu quero viver”.
Sigo sorrindo ao ver um paciente pronto para extubação respondendo à família.
Sigo sofrendo com cada óbito. Hoje mesmo chorei após acolher uma jovem que ensaiava como diria aos filhos, ainda crianças, que o pai não voltaria para casa. Nunca mais. Ao lado do leito do pai um desenho colorido, com letras grandes dizendo: “estamos te esperando, papai”. Equipe me deu colo.
Sigo comemorando cada alta. Hoje foi dia de uma paciente sair após uma longa e árdua batalha.
Sigo suspirando com cada familia que atende a videochamada com esperança de uma noticia boa. Muitas vezes recebem um balde de água fria. E mesmo assim, sorriem para mim, me abençoam, agradecem. Como desejo entrar nesses boxes e encontrar um pequeno sinal de melhora que seja.
Sigo morrendo de medo de em algum momento estar do outro lado do Tablet, passando pela agonia que acompanho todo dia com alguém que eu amo.
Sigo sendo a chata da família que retruca cada fakenews e ataque à ciência no grupo do WhatsApp.
Sigo passando raiva ao ver pessoas negando a doença, com máscara no queixo, nas festinhas de família, com a porta do comércio “meio aberta”, aglomerando nas ruas, encontrando o famoso “jeitinho” para driblar a incapacidade de pensar coletivo.
Sigo compadecendo com uma equipe exausta, encarando jornadas duplas, plantões dobrados.
Sigo sem saber quando isso terá fim.