Sobre vínculos e lutos, ou sobre gente e suas dores. 

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Esta história é um fato, embora eu preferisse que fosse apenas o roteiro de uma obra cinematográfica.

Recentemente, nossa equipe foi abalada pela perda trágica de dois pais, cujo silêncio súbito ecoou em nossos corações. Despedidas são sempre desafiadoras, mais ainda quando trabalhamos tão próximos ao tecido humano que compõe as comunidades rurais. Por meio da Estratégia de Reabilitação Baseada na Comunidade (RBC), nos dedicamos a levar cuidados terapêuticos a crianças e adolescentes com deficiências, e é nesse contexto que a história de Seu José e dona Josefa (nomes fictícios) se desenrola.

Seu José e dona Josefa são pais de uma das crianças atendidas pelo nosso projeto comunitário. Eles não eram apenas usuários dos nossos serviços; eram uma parte viva do território, uma presença silenciosa que clamava por auxílio. Há um mês, seu José tomou a dolorosa decisão de encerrar sua própria vida. E em meio ao silêncio que se seguiu, fomos atingidos por uma notícia ainda mais devastadora em um domingo de Páscoa: dona Josefa, sucumbiu ao peso do luto e da depressão, deixando-nos também.

Em menos de um mês, um silêncio ensurdecedor se instalou na comunidade, e paira a incerteza sobre quanto tempo levará para que a paz retorne. A ausência se tornou palpável; já não poderemos compartilhar com eles as vitórias da criança, nem testemunhar juntos seu progresso e desenvolvimento. Uma tristeza profunda nos invade, levando-nos a refletir sobre a finitude da vida e a importância dos laços que tecemos.

Agora, diante da perda dos pais dessa criança, somos confrontados com muitas perguntas e poucas respostas. O que permanece claro é que estabelecer vínculos com as pessoas é uma das experiências mais belas e profundamente humanas que temos. É desejar para o outro o que queremos para nós mesmos, é estar presente de forma única e irrepetível. E, muitas vezes, é exatamente isso que acontece.

Trabalhar na comunidade é integrar-se a ela. O SUS nos oferece a essência mais pura e genuína da humanidade. Somos tocados pelo outro e nos tornamos mais humanos através dos encontros da vida. Ser um profissional da saúde significa estar receptivo às chegadas e partidas, e permitir-se chorar, livre do temor do julgamento, quando a dor nos alcança. Alguém se foi, sem uma despedida, mas permanece conosco a responsabilidade de prosseguir com as terapias, para que aquela criança possa continuar a crescer e encontrar forças para enfrentar as suas dores. Hoje, seguimos como a canção do Guilherme Arantes: “Amanhã, apesar de hoje, ser a estrada que surge pra se trilhar.”

Finalizo esse relato, com frase da Teresa Gouvea:

(…) Os dias seguem e nós seguimos com eles, procurando paz na dor, ternura na saudade. Os dias seguem e nossa dor pede alívio, não porque seja fácil, apenas é necessário. E aí a gente se inventa pra ter paz por aqui e dar paz a quem se foi. A gente se inventa porque partidas pedem chegadas, pedem olhos para aquelas coisas que não enxergávamos, estranhamente a vida fala através da morte, percebemos que vivemos porque alguém se despede.