Crônica da vida cotidiana na RHS – a função curar de uma rede virtual – texto do coletivo dos editores-curadores

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obra da artista Caitlind Brown

 

O trabalho dos editores-curadores é um dos aceleradores de partículas que faz acontecer a RHS. Momento importante de dar visibilidade ao relatos de experiência que produzem saúde no Brasil; e colaborar no contágio de um ethos afetivo solidário num momento de rearranjo de nossa sociedade ( Mariana Salles Oliveira, coordenadora da RHS )

Navegar em dimensões diluvianas de informação é hoje uma experiência que toma a todos nós de formas mais ou menos intensas. Desde a mais tenra idade somos interpelados pelo contato com todo tipo de apelo informacional por parte das máquinas comunicacionais que nos rodeiam por toda a parte. E não é pouco o tempo que dedicamos à vida em redes digitais hoje, havendo em muitos casos uma imersão quase integral por parte daqueles que nelas trabalham e… vivem. Talvez ainda não tenhamos acúmulo de tempo suficiente nestas novas formas de vida para aferir todos os efeitos em termos da produção de subjetividades e do processo de construção cognitiva que aí comparece.

Diante desta experimentação sob a forma de um mergulho em meio aos mais diversos conteúdos e formas, há que se construir filtros seletivos de informação que promovam uma afetação produtiva de pensamento e ação. Tais filtros são construídos o tempo todo por todos e qualquer um nesta aventura de navegação, mas o que nos interessa trazer aqui é justamente a necessidade ou a relevância de explicitar os critérios de curadoria exercidos por quem está nos bastidores das redes, sejam algoritmos ou seres humanos. Tentaremos, assim, dar visibilidade ao ethos curatorial de nossa RHS, lembrando o que Pérez-Oramas afirma sobre a impossibilidade de uma curadoria transparente e em seu lugar poder colocar a necessidade de tornar visível o aparato de enunciação curatorial na rede.

O trabalho dos editores-curadores da RHS se faz por diferentes frentes, criando passeios ou derivas conforme o que se apresenta na rede, num esforço de dar visibilidade aos conteúdos afirmativos de vida. Tarefa com implicações biopolíticas pois uma rede como a RHS cumpre a função de ativação não somente de novos modos de produzir saúde, mas principalmente na ativação de espaços de cidadania, protagonismo e todas as possibilidades de vivências democráticas. A função curar é, portanto, plena de todos os sentidos que esta palavra toma nesta empreitada.

A cogestão é um dos valores caros à nossa forma de fazer a curadoria pois se trata de uma rede intensamente colaborativa. Esta crônica, por exemplo, nasce de um debate do coletivo de curadores, que já vinha caminhando no sentido de explicitar os critérios curatoriais na própria rede, e da solicitação direta de alguns usuários, mais especificamente acerca dos critérios utilizados para a seleção de postagens que integram o que chamamos de carrossel.

O carrossel é um dos dispositivos de produção de relevância de postagens e está localizado na página principal. Nele desfilam os oito posts que produziram grande volume de comentários, atualidade de temas, relevância política, produção de novas idéias e práticas e tantos outros critérios que vão sendo modulados a partir da própria vida na rede, produzida por todos os que nela transitam. Pensando na necessidade de se construir este valor de comunidade em tempos que nem sempre primam pela produção do comum, a curadoria dos editores busca ativar um espaço de polifonia e pluralidade justamente na construção coletiva que uma rede aberta faz. Temos um feedback bem significativo deste acolhimento, marca distintiva da RHS.

Assim, as postagens destacadas no topo da página não seguem apenas um critério e são pautadas por esta fala curatorial mais ampla que estamos explicitando no sentido de promover a visibilidade que valoriza a democracia das relações na rede. O que permite também a possibilidade de contestação dos parâmetros elencados e a invenção de novos.

Isto posto, passamos a elencar alguns princípios e seus critérios :

– Dar relêvo aos posts que trazem um maior nível de afetação do desejo de lutar pelo direito universal, integral e igualitário à saúde.

– Identificar idéias e práticas que buscam a produção da alegria dos encontros como estratégia de combate e intensificação de vida

– Publicizar a disputa de sentido sobre a humanização e o movimento HumanizaSUS

– Recortar experiências inovadoras, narrativas de vivências e matérias destacadas na internet sobre saúde e o SUS

– Ressaltar postagens que discutem as novas configurações do trabalho imaterial e afetivo com a saúde no contemporâneo

– Dar visibilidade aos movimentos de mobilização e participação social e ao processo contínuo de construção do SUS a partir da participação direta e indireta da sociedade nos destinos da saúde

– Ativar a voz dos usuários do SUS, valorizando todos os tipos de saberes, inclusive os saberes práticos, os saberes leigos

– Destacar eventos, cursos, seminários, congressos, publicações sobre saúde pública e outras dimensões que potencializem as políticas públicas.

– Acolher e reencantar novos participantes na aventura RHS

Além do carrossel, outros dispositivos foram criados para intensificar a participação e acentuar os efeitos de curadoria coletiva, como vemos a seguir:

A fila de votação, dispositivo que funciona como um modo coletivo de promoção das postagens à página principal. Dela participam todos os membros que em algum momento postaram algo na rede e, por isso, ganharam o status de membros votantes. O escopo da fila de votação busca servir como um filtro de curadoria, manejado pelos próprios usuários da rede, que ao votarem no post conferem pertinência ao debate proposto pelo texto. Não se presta, portanto, a promover concorrência, já que todos os posts com 10 votos ou mais são direcionados à primeira página.

As conversas ativas constituem outro espaço coletivo que circula a partir dos comentários de qualquer participante da rede, produzindo relevância do debate de seu conteúdo.

O tagueamento dos posts, cujo objetivo é possibilitar o “encontro” com as temáticas preferidas dos usuários, organizando-as da forma mais clara e concisa possíveis. A classificação dos temas  e a possibilidade de busca por qualquer pessoa se dá num esforço coletivo entre editores e usuários.

A fan page no facebook e twitter, nossos aceleradores de partículas, ou seja, disseminadores da rede e seus conteúdos.

A própria crônica da vida cotidiana na RHS, sob a forma de pequenos ensaios semanais publicados por um dos editores/curadores sobre o tipo de conteúdos e a circulação de afetos em torno deles naquele espaço de tempo.

E, finalmente, o encontro com outras redes que se tornam nossas parceiras. As interfaces produzidas retroalimentam  conteúdos que se mesclam,  construindo novos olhares que potencializam  e/ou criam processos nos serviços.

Ressaltamos novamente que toda essa conversa em torno da produção e levantamento de critérios curatoriais pode e deve ser objeto de permanentes debates em rede, ou seja, de caráter público. Se o trabalho dos editores é muitas vezes pautado por singularidades individuais e coletivas, há que intentarmos produzir  juntos este comum da curadoria em rede.

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Referências bibliográficas:

Pérez-Oramas, Luis. A iminência das poéticas (ensaio polifônico a três e mais vozes) in Catálogo da 30ª Bienal de São Paulo: A iminência das poéticas / curadores Luis Pérez-Oramas [et al.]. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2012.

Rolnik, Suely .Cartografia Sentimental, Transformações contemporâneas do desejo, Editora Estação Liberdade, São Paulo, 1989.

Teixeira, R. R. Mostras e redes sociais: a função curatorial no aprimoramento das práticas de saúde (Prefácio na forma de um breve ensaio). In: BRASIL: Memorial da IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica/Saúde da Família. Da experiência ao relato da experiência: histórias de um evento vivo e coletivo. 2015 (no prelo).