Regulação dos fluxos de demanda e considerações finais

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A regulação dos fluxos das demandas é dinâmica. A pressão é efetuada sobre o cotidiano dos serviços de saúde. Esta por ser imediata não é gerida apenas a partir da esfera das plataformas macro-políticas. O atendimento da demanda é financiado com recursos arrecadados no passado imediato. O gasto é feito no cotidiano de eterna crise. E a crise é retratada e falada na mídia impressa e eletrônica até a náusea. Isto gera o efeito, talvez não pensado, de se deixar a sociedade num estado de ansiedade constante em relação aos sistemas de saúde. Esta é uma razão que pode explicar a dificuldade de se efetivar o controle social e qualificar o planejamento voltado para o bem comum.

A fiscalização destes gastos é feita por órgãos técnicos do Ministério da Saúde, como o DENASUS, pelos Tribunais de Contas e outros, com mais ou menos permeabilidade a pressões políticas. No entanto todos herméticos e técnicos o suficiente para não ecoarem na arena do senso comum em que o controle social é realizado.

Enquanto isso, os agentes econômicos vêem um mercado de consumo crescente (com uma fonte de recursos confiável: o tesouro nacional) favorecido pela eterna demanda reprimida. No contexto da fila de espera o investimento é mais seguro e tem sempre um retorno muito provável.

Pois, na medida em que novas terapêuticas são produzidas para um mercado usuário sempre crescente (e flutuante conforme as curvas do recenseamento epidemiológico) a estratégia de concorrência entre fornecedores de serviço extrapola as simples leis de mercado para sofrer impactos vindos de outros setores da economia simbólica. Os campos em jogo são outros e a conversão de capitais tem mais volatilidade quando a pressão para o consumo tem evidentes componentes midiático, políticos, sociais e culturais.

E lá, na instância do controle social, a luta segue em torno de plataformas voltadas para o médio e longo prazo. As conferências produzem elencos de medidas a serem tomadas de modo a zerar a demanda reprimida, a resolver todos os impasses e estabelecer o paraíso na terra.

No entanto, não há iniciativas no sentido de contabilizar o resultado prático dos gastos já feitos. Sabemos que a expectativa de vida aumenta que a mortalidade infantil se reduz a cada década, que temos um dos melhores programas de prevenção e tratamento de HIV/ AIDS do mundo.

Mas, não sabemos como, em Porto Alegre, são gastos os recursos destinados à saúde. Sabemos os valores totalizados. Porém quais são os obscuros caminhos de prospecção, seleção e tratamento da demanda de cirurgias de traumatologia, um mercado de cerca de 40 milhões de reais ao ano na capital do Estado? Como chegamos a sustentar as folhas de pagamento entre um grupo tão heterogêneo de carreiras, de jornadas de trabalho de vínculos duplos ou duplificados artificialmente?

Considerações finais

Estas são as questões latentes no relato cotidiano de casos de atrazos de salários, fechamento de hospitais e crise de demanda reprimida que a imprensa noticia a cada semana e ao longo de todo o ano durante as últimas décadas. Há cada vez mais coisas a serem consideradas nas tomadas de decisão nesta área. Seja do ponto de vista da gestão de nosso interesse individual e familiar, neste imenso manancial de procedimentos de promoção e de cuidados com a saúde, seja do ponto de vista das políticas públicas.

A implantação do cartão SUS é retardada devido a seu potencial de evidenciar as relações econômicas que florescem nos nichos existentes entre os domínios sociais, políticos e culturais que pensamos de forma separada.

A cada dia que passa questionamos e nos inquietamos com a indicação de uma marca específica de remédio, de uma farmácia em especial ou daquele hospital que é o único em que nossa obstetra aceita realizar o parto ou cesariana de nossas esposas.

Como o somatório destes pequenos gestos individuais, inseridos nas relações terapêuticas, podem definir as fatias de mercado monetário que os agentes econômicos disputam nos Fundos Municipais e nas salas dos secretários de saúde? A resposta exige mais informação classificada que embasa a formulação de respostas cada vez mais complexas.

 

Referências

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 2 ed. São Paulo : Perspectiva, 1987.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

LATOUR, Bruno. Jamais Fomos Modernos. Ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994.