Pelo Protagonismo dos Usuários
A PNH caiu na boca do povo. Por todos os cantos estamos vendo ações em desenvolvimento que, de alguma forma, começam a ter alguma marca da política. Existem aquelas ações que recebem diretamente a influência do apoio intensivo e extensivo da política. Existem aquelas ações que parecem sem disparadas pelas marcas da cultura, pelo voluntarismo das pessoas que tomam contato com a política pelas cartilhas e já começam a botar a mão na massa. E quando nos remetemos aos trabalhadores dos cursos de formação, parece que parte deles é tomado por um protagonismo exuberante, de chegar nos serviços e funcionarem como elementos “perturbadores” da ordem, o que muitas vezes leva a uma posição de isolamento ou, então, de efetiva potencialização dos processos em busca de mudanças rápidas..
Mas, óbvio que isso tudo nos leva a ficar preocupados. O método da PNH, criado e sistematizado por trabalhadores, intelectuais da academia, influenciado por práticas, teóricos e pensadores mil, ganhou hoje uma dimensão que extrapola a capacidade da Política em ditar de forma clara e objetiva se o método está sendo utilizado de maneira “certa”ou “errada”. Um dia estava em visita por um serviço e vi nossa simpática e sorridente cruz verde colada na parede. Embaixo dela uma mesinha de triagem colocada ao lado de um posto de atendimento todo gradeado dizendo que ali se fazia acolhimento com classificação de risco “nos moldes da Política Nacional de Humanização”. Não creio que os trabalhadores que tenham feito isso foram movidos por qualquer má intenção. Pelo contrário. Existem entendimentos da política, existem disputas de sentido, existem maneiras mais ou menos peculiares de como se entende a PNH, seus princípios e diretrrizes e de como a PNH vai meio que submergindo e imergindo na vida cotidiana, ganhando coloraturas novas.
Não quero parecer a Regina Duarte na campanha eleitoral, mas eu também tenho medo. E esse medo vai sendo contextualizado por aquilo que vejo como um certo aprisionamento da política em meio aos processos que dispara. Por exemplo, na medida em que conquistamos o forte apoio de gestores que podem chegar ao nível de um secretário de saúde, ficamos, de certa forma, aprisionados a esse apoio quando os gestores mudam e a mudança coloca em xeque os processos
Hoje passamos por uma crise sem precedentes no SUS. Antes essa crise se configurava como uma crise de financiamento. Hoje, essa crise parece configurar uma situação de vida e morte onde o próprio modelo de Sistema Único de Saúde está
Deixar os usuários a margem dos processos de construção democrática do SUS tem como conseqüência direta a ausência de apoio de parte significativa dos usuários com relação aos serviços. A presença de aparatos repressivos nos locais de trabalho, os simbolismos das grades e a desubjetivação dos atendimentos são alguns dos elementos que vão pavimentando a estrada daqueles que defendem a privatização do SUS e aglutinando no seu entorno usuários do SUS que serão aqueles que irão politicamente legitimar, ou não, o processo de privatização do SUS.
Meu raciocínio é que estamos gradualmente ficando presos a uma institucionalização informal onde o apoio dos gestores – fator importante para potencialização dos processos – transforma-se com o tempo numa prisão na medida em que, políticamente, ficarmos restritos a ações que resgatam o protagonismo dos trabalhadores mas que deixam os usuários como “pacientes” de nossas ações e dispositivos. A manutenção do SUS como patrimônio do povo brasileiro passa pelo efetivo protagonismo dos usuários, são eles que irão cerrar fileiras nas portas dos serviços se os setores conservadores quiserem impor um processos de privatização do SUS, ou serão eles que irão estar nos comícios de apoio a privatização, achando que a mercantilização das práticas será a garantia de que todos estarão “protegidos” por “maravilhosos” planos de saúde. Sem uma aliança política com os usuários dos serviços, não teremos forças de produzir as transformações necessárias que garantam um SUS de fato resolutivo, humano e solidário. Essa aliança passa pela construção do protagonismo de TODOS os sujeitos.
Por Marco Pires
A saúde vem se constituindo em um gênero específico de categoria no conjunto das espécies de mercadorias.
Alias, J. H. Prynne escreveu em um poema "viagem, hábito e silêncio são tudo dinheiro".
Assim saúde é uma mercadoria que tem seu valor estabelecido pela distância que se põe entre seu experenciamento e a quantidade de dinheiro necessário para acessá-la. Como se o valor fosse medido pela distância da experiência de viver com saúde.
Nada mais irreal. A saúde é cada vez mais acessível. Há um porre de vida que se expressa pela carência. Não há uma linguagem comunitária para expressar o prazer. De outro lado todas as conversas são permeadas pela exaltação da falta.
Pode ser um vazio de sentido, uma carência metafísica. Mas sem dúvida sua expressão mais bem acabada é na necessidade de tornar privado o bem público, como se o bem entre poucos pudesse ser partilhado.
A conversão do protagonismo dos usuários (sim é uma forma de protagonizar), em discurso da falta, da ausência, da mutilação e da dor é um sintoma da incapacidade de se tomar posse de algo que não seja mediado pelo valor moeda.
O discurso e os dispositivos de ver e saber que operam mediando o que é o SUS para o conhecimento do senso comum estão eivados do discurso que mercantiliza a existência e subordina as demais existências todas a sua medida infernal.
Um grande abraço!