Trabalho em Saúde: O Indivíduo Superpoderoso e o Coletivo Transformador

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Nas últimas décadas temos assistido a um avanço sem precedentes nas descobertas no campo da ergonomia. A ciência hoje dispõe de possibilidades claras para tornar o ambiente de trabalho adequado às nossas necessidades físicas e biológicas ao mesmo tempo em que supera as limitações impostas pela natureza sem que necessariamente nossa saúde seja colacada em risco.

De outro lado, milhares de pesquisas mostram dia a dia que organizações do trabalho rígidas e centralizadoras dos processos de decisão produzem inúmeras mazelas físicas e mentais, sendo um dos elementos responsáveis por aquilo que se convencionou chamar de absenteísmo, doenças ocupacionais e insatisfação no trabalho. Antes de ser uma exigência política, a busca por práticas de co-gestão sinalizam para a construção de um paradigma que coloque a saúde do trabalhador e a valorização do trabalho no primeiro plano. 

 

Mas o cotidiano parece ir na direção contrária. Basta um rápido caminhar pelos serviços de saúde e notaremos enormes descalabros: exploração abusiva da força de trabalho; precarização deliberada e instituída a partir da terceirização de mão de obra como estreatégia de destruição da organização política dos trabalhadores;  normalização do assédio moral como "prática" de gestão;  explosão de conflitos entre usuários e trabalhadores; pauperização dos insumos colocando em risco qualidade dos procedimentos e mesmo a vida de usuários; falta de medicamentos básicos infernizando a vida dos trabalhadores da atenção básica e hospitais; insolvência das redes fazendo com que muitos serviços se tornem embriões da barbárie e da desumanização.

 

E a lista de problemas poderia se alongar indefinidamente. Mas ainda bem que existem secretarias de saúde extremanente preocupadas com esta teia infindável. Muitas inclusive deslocam recursos públicos – obtidos através do suor, sangue e  lágrimas dos trabalhadores apodrecendo nas filas – para a definitiva travessia desse mar vermelho.

E eis que surgem das trevas empresas de consultoria privada com as soluções prontas. E ai meu povo!! Tudo é problema de clima organizacional! Nossa! As realações humanas estão depreciadas. Vamos ensinar as pessoas a serem cordiais umas com as outras!

Mas esperem. Tudo é culpa do estresse! Vamos lá galera! Vamos fazer ginástica laboral e depois aprendermos técnicas de relaxamento. Sigamos uma dieta saudável mesmo que o salário mal dê pra comprar feijão, farinha e rapadura. Está faltando medicamento na fármácia da unidade? Isso não é problema, afinal, a maioria das doenças nascem desses estados espírito mal humorados que adoram criticar e que não investem na construção de sorrisos.

Vamos lá meu povo. Vamos fazer murais para nos lembrarmos dos aniversários uns dos outros mesmo que a parede onde mural seja colcoado esteja com  infiltração que também mina água na sala de vacinas. Vamos sorrir uns para os outros! Não importa que os profissionais médicos faltem sistematicamente ao trabalho. Quando eles aparecem são tão bem educados!!

Vamos nos encher de alegria para atender a milésima ambulância do dia trazida pela indiferença de governos que não investem na atenção básica e que ainda mandam o povo morrer como bem nos mostrou o prefeito de Manaus esta semana.

Vamos tornar nosso ambiente de trabalho melhor. Traga sua panela de pressão de casa para substituir a autoclave quebrada ha tres anos e esterilize com amor seus isntrumentos de trabalho. Coloque o retrato dos filhos em cima do balcão do posto de enfermagem mas cuidado com os cupins.

E se você trabalha num hospital recém construído ou reformado revigore-se com o acumular de usurários que estão agora na sala de espera que virou uma sala de observação improvisada. Pelo menos agora assistirão aprogramas numa TV de LCD enquanto esperam indefinidamente por uma coisa chamada resolutividade.

Entenda! É tudo uma questão de estado de espírito. Se você mudar internamente…então, num passe de mágica, tudo mudará a sua volta!

Tudo bem, voltemos a realidade. Não se trata de invalidar práticas e discursos que invistam na mudança de estados subjetivos no trabalho. O problema é quando as falas vendem a miragem de que as mudanças individuais restritas ao próprio indivíduo produzirão as mudanças que na verdade acontecem na vida prática e cotidiana. 

 

Não adianta inventar ou implementar técnicas de relaxamento que minimizem meu sentimento de estresse se mulheres continuarem parindo em corredores de maternidade por falta de leitos ou que seu filhos morram durante o parto por más condições de atendimento. É a constatação clara e inequívoca que esses problemas atingem de alguma forma a todos, que fará com que as pessoas rompam as ilhas que muitos insistem em nos exilar. É a força da ação coletiva que mudará a cor da vida que nos embrutece de um lado ou nos torna indiferentes porque relaxados ou escondidos atrás de mascaras sorridentes enquanto o mundo explode a nossa volta!

 

Trabalhadores e Usuários: Uni-vos!!!!!!