"Toda pessoa é uma porta entreaberta,
conduzindo a um quarto onde há lugar para todos"
Tomas Transtromer
O fragmento do poema de Transtromer nos remete diretamente à possibilidade de contágio entre humanos. Pensarmo-nos por intermédio desta bela imagem pode ser um exercício para darmos contorno ao trabalho em saúde.
O trabalhador da saúde abre-se para as múltiplas possibilidades de encontro com quem o procura. Esta abertura consiste em colocar-se num estado de afetabilidade pelo outro que costumamos chamar por aqui ( RHS ) de "acolhimento".
Comparecemos a esse encontro munidos de todas as ferramentas que adquirimos nos percursos da formação e nas experimentações da vida. Ocorre que cada novo encontro traz em si uma dimensão inusitada, algo que nos surpreende em meio ao já conhecido. E são estas desestabilizações que abrem as portas de entrada para uma conexão com o novo. O novo em mim e no outro.
Um espaço vazio?
À primeira vista poderia parecer que se trata de um espaço desabitado de referências, uma impossibilidade, uma solidão compartilhada. Uma diferença radical.
A atitude clínica na sua acepção literal ( kliné ) nos fala de um "leito". Novamente uma imagem espacial nos vem à mente para se juntar àquela trazida pelo poeta com as suas "portas entreabertas" para o acolhimento. Trata-se de "inclinar-se" numa posição de construção conjunta de um plano de comunidade com o outro. Uma espécie de anulação das subjetividades em jogo para que possam entrar em cena outras possibilidades, outras imagens, outras vozes do mundo. O "quarto onde há lugar para todos" é a concretização numa imagem desta possibilidade de comunicação entre os diferentes. Um plano de implicação entre os atores das práticas de saúde. Deixar-se afetar pelo outro e pelas vivências que comparecem no encontro. Para aqueles que me acompanharam até aqui nesta leitura, provavelmente lembrando das agruras que vivemos neste campo de trabalho, fica a chamada para a abertura de outras portas para o entendimento de nossas práticas.
Iza Sardenberg
20 Comentários
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Por Rejane Guedes
Alegria, alegria,
Somente a Iza conseguiu trazer de volta a força do Marco querido.
Passou pelas brechas, pelas frestas, pelas portas entreabertas.
Que bom te ler por aqui.
Re.j.e
Por Luciane Régio
Não sei, passou essa pergunta, enquanto eu arrumava uns livros em casa… onde está o Marco Pires! Não lembro bem, mas pensava nos posts da rede, dos encontros que eles produzem (lembrei dos kamikases, que levei pra invadir um dos teus posts, Marco! E ri sozinha — disso eu lembro rs).
😀 Bjs,
Lu
Por Marco Pires
Abrem sempre para lugares diferentes dentro de um hipercubo. Quem viu o filme sabe bem do que estou falando.
O tempo também não é o mesmo em cada secção do cubo. Um beijo pode durar mais que a vida, mais que o corpo e seu esqueleto. Você passa para outra porta e está em um outro lugar. Um instantinho só, entre o quarto do beijo eterno e o anterior.
Parece que é assim que nos vemos neste espaço virtual. Eu estou aqui um pouco discreto porque não tenho um tempinho mínimo para postar. Mas lendo e votando, "fazendo a fila andar".
Me sentindo presente. Me dando de "presente". Recebendo os "presentes" que me ofertam. E que por serem para todos, me cabe apenas colher. Alguns eu "apanho" que pensar pode ser como uma surra, mas não deixa de ser um "presente".
Daí, leio estas carinhosas linhas. Momentos em que estive com vocês e não pude sentir. O poeminha do "(a) Maria" fala desta nostalgia deliciosa de estar junto com vocês. Uma saudade do que pouco ou nunca aconteceu e de um estar junto que também nunca cessa.
Afinal, outro dia vi a Liane Righi na abertura da Conferência Estadual de Saúde e vi seus olhos sorridentes em um rápido abraço e beijo de quem segue em frente. Cada um em seu trem, com trilhos paralelos, mas em linhas diferentes.
Há o Erasmo com quem parece que já estive uma vida junto, mas que nunca vi "ao vivo" e que tanto já falamos de morte. Tem o Ricardo que se encanta e ri com meu carnaval teórico, com quem estive uma só vez. A Simone Paulon que me conhece mais do que eu mesmo…
A verdade é quem nem "todas(os) vocês são Marias, como a Iza, que é Iza e é Maria. Mas em algum lugar nestes múltiplos tempos e espaços eu, sim, (a) Maria a todos. Do jeitinho mesmo que amo meus próximos. Aqueles que posso ver e tocar. E a quem posso dizer, de fato quem vou sendo, nas palavras escritas com os gestos de viver a cada dia minha história.
Para ser lembrado com carinho, esquecido, mal interpretado ou amado, odiado ou querido. Tudo conforme a porta que nos leve uns ao encontro dos outros.
Um forte Abraço!
Querido Marco,
Não tenho palavras prá te responder…só alegria e contentamento!!!
Maria
Querido Marco,
Não tenho palavras prá te responder…só alegria e contentamento!!!
Maria
Querido Marco,
Não tenho palavras prá te responder…só alegria e contentamento!!!
Maria
Por Rejane Guedes
Os Encontros de multiplicidades através das portas entreabertas de nós mesmos, podem nos remeter à muitas questões do processo de trabalho em saúde.
Pinçando uma delas, chamo a atenção para o fato de que: Se as portas estão entreabertas, nem podemos dizer que estão (totalmente) abertas, nem que estão (completamente) fechadas. Desse modo, há todo um cenário que esconde (ou não revela) abismos, regiões obscuras, pântanos, luzes, lugares paradisíacos, e muito mais… Para conhecer é preciso desafiar o espaço do NOVO… Se esse Novo é mesmo novo, isso é uma outra história.
Quando aceitamos atuar em saúde, nos implicamos muito mais do que queremos admitir. Somos perpassados por um jogo de forças que traduzem muitas estratégias de poder, saber e verdade, construidas no fazer cotidiano.
Não saimos incólumes desse campo de atuação. Até o Não agir implica em açõessobre uns e até sobre muitos. A força dos outros pode ser a nossa força (mas também nossa fraqueza), desde que nos permitamos reconhecer no outro aquilo que somos (ou aquilo que queremos pensar que somos).
Vamos adiante querida Iza. Levarei seu post para meus encontros semanais lá no hospital. Agradeço.
Rejane.
Voce fala de pedras, abismos e outros percalços no meio do caminho. E só pode vê-los quem escancara as portas e sai prá estrada com a cara e a coragem. É o teu caso, minha amiga, pelo pouco que já pude conhecer e amar de teu jeito acolhedor de todas as horas.
Penso que as estratégias do poder hoje se limitam a diminuir nossas forças de amor para com o outro, nossas possibilidades de ligação e implicação que, se ativadas ao máximo, produziriam um novo mundo.
Ontem encontrei um amigo queridíssimo mergulhado em sua viagem etílica em direção à morte. Trata-se de um poeta, com uma alma de criança e uma experiência muito singular com seu corpo-sem-órgãos. Estava literalmente devastado. Pelo álcool? Sim e pela singular experiência de viver, pelo modo como construiu para si um olhar sobre a vida, ou melhor, um modo de vida intenso demais.
É um poeta que me lembra um poema de Artaud. Aliás, não só o poema, mas a vida de Artaud. Pessoas que desceram aos infernos e submergiram após ter visto ou vivido coisas fortes demais, como os descreve Deleuze. E sem a defesa que os homens comuns fabricaram para si para poder sobreviver ao inominável.
Minhas portas só permitiram que eu visse uma fresta daquela alma devastada. As forças de vida pediam passagem no olhar agudo. O corpo é para ele apenas uma via que lhe permite escrever. Não serve para outros fins, considerados por ele demasiadamente terrenos.
Penso que eu poderia ter sido de maior serventia para o meu querido amigo, se pudesse ouvi-lo mais…
Iza
Por Luciane Régio
"Estou aqui de passagem
A vida é uma mala pronta pra viagem
Minha cabeça é minha bagagem
E a estrada é uma velha amiga"
Iza, lembrei de uma música do Cachorro Grande,
também quero ir com vocês nessa estrada!
A porta aberta, escancarada,
nesses encontros com as pessoas…
Bj,
Lu
nessa viagem coletiva…principalmente prá minha irmâ gêmea!
bjs
Iza
Iza, este seu post está especialíssimo! Uma janela a mais aberta a enfeitar nossos próprios olhos…
Grande beijo!
Pablo
de posts como esse. Os teus sempre abrem outras portas e janelas de entendimento para mim e para todos!
Quando veremos um novo?
Iza
Por Marco Pires
Abrem sempre para lugares diferentes dentro de um hipercubo. Quem viu o filme sabe bem do que estou falando.
O tempo também não é o mesmo em cada secção do cubo. Um beijo pode durar mais que a vida, mais que o corpo e seu esqueleto. Você passa para outra porta e está em um outro lugar. Um instantinho só, entre o quarto do beijo eterno e o anterior.
Parece que é assim que nos vemos neste espaço virtual. Eu estou aqui um pouco discreto porque não tenho um tempinho mínimo para postar. Mas lendo e votando, "fazendo a fila andar".
Me sentindo presente. Me dando de "presente". Recebendo os "presentes" que me ofertam. E que por serem para todos, me cabe apenas colher. Alguns eu "apanho" que pensar pode ser como uma surra, mas não deixa de ser um "presente".
Daí, leio estas carinhosas linhas. Momentos em que estive com vocês e não pude sentir. O poeminha do "(a) Maria" fala desta nostalgia deliciosa de estar junto com vocês. Uma saudade do que pouco ou nunca aconteceu e de um estar junto que também nunca cessa.
Afinal, outro dia vi a Liane Righi na abertura da Conferência Estadual de Saúde e vi seus olhos sorridentes em um rápido abraço e beijo de quem segue em frente. Cada um em seu trem, com trilhos paralelos, mas em linhas diferentes.
Há o Erasmo com quem parece que já estive uma vida junto, mas que nunca vi "ao vivo" e que tanto já falamos de morte. Tem o Ricardo que se encanta e ri com meu carnaval teórico, com quem estive uma só vez. A Simone Paulon que me conhece mais do que eu mesmo…
A verdade é quem nem "todas(os) vocês são Marias, como a Iza, que é Iza e é Maria. Mas em algum lugar nestes múltiplos tempos e espaços eu, sim, (a) Maria a todos. Do jeitinho mesmo que amo meus próximos. Aqueles que posso ver e tocar. E a quem posso dizer, de fato quem vou sendo, nas palavras escritas com os gestos de viver a cada dia minha história.
Para ser lembrado com carinho, esquecido, mal interpretado ou amado, odiado ou querido. Tudo conforme a porta que nos leve uns ao encontro dos outros.
Um forte Abraço!
É impressionante como um pequeno estímulo nesta rica rede produz uma proliferação de todo tipo de afetos e idéias potentes em minutos! Seriam pessoas "especiais" estas que se conectaram em torno deste hipertexto da RHS? Pensar assim produziria exatamente o contrário do que vemos acontecer.
Penso que não somos pessoas especiais, mas sim especiais produtores de uma virtualização do coletivo em nós!
Uma IzaMaria sozinha é um nada. Agora juntem uma Iza e Rejane e Jacqueline e Ricardo e Marco e Pablo e Dênis e Emília e Erasmo e Shirley e Claudinha e Daniela e Dalton e Felipe e Gustavos e Mariela e irmãs Réggio e Roger e Vera e Douglas e alunas dele e todos sem exceção que fazem as mais variadas composições em pura horizontalidade conectiva e teremos a emergência de um coletivo hiperpotente. Virtualizar é preciso! `A maneira de um geômetra ( aquele que amamos, o príncipe dos filósofos! ), não como necessidade mas como uma COMPOSIÇÃO que virtualiza tudo!!!
Fui muito ízica? Ótimo, é essa a idéia: transbordamos de potências alegres!
Por Ricardo Teixeira
Achei esta foto por mero acaso e adorei o efeito de virtualização dos lugares que ela propõe. E vem vc dizer que ela tem tudo a ver com uma proliferação não linear do tempo e dos lugares? Eu amo vc por ter trazido essa conotação!!!!!!!!!!!!!!!!
Conta esse filme inteirinho já!
grande beijo,
IzaMaria
Queridos Marco e Iza,
Entro aqui pelas brechas para registrar o quanto me afetam as palavras de vocês. Iza,Iza, Iza! Que bonitas portas se abrem…
Tenho a sensação de que qualquer comentário que eu fizesse aqui empobreceria essa "imagem" que o post e seus comentários me trazem. Como em Manoel de Barros:
O rio que fazia uma volta
atrás da nossa casa
era a imagem de um vidro mole…
Passou um homem e disse:
Essa volta que o rio faz…
se chama enseada…
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás da casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.
Grande beijo,
Jacque
A tua delicadeza é o comentário! Comentário jacquelindo como sempre…
Que linda imagem, ou melhor, que belo devir de um rio o do vidro mole ou o da cobra de vidro. Acho que li algum livro em algum tempo inalcançável que tinha o título "A Cobra-de-vidro"…
Mais imagens se agregam às do poeta Transtromer.
Obrigada, Jacque!
beijo,
Iza
Oi Iza,
Que beleza, essa citação do Tomas. Nos remete a pensar naquelas pessoas que são generosas, acolhedoras, implicadas, muito mais do que uma porta entreaberta, uma porta escancarada, tipo coração de mãe, onde sempre cabe mais um. Não falo de pieguismo, mas de compromisso, de respeito, de empatia, seja nas relações pessoais e ou de trabalho. Pessoas como diz você, que se afeta e afeta o outro. E como e´ gratificante conviver com pessoas assim, que não tem medo de transbordar, de ser feliz, de fazer os outros felizes. E a nossa rede esta´ cheia de gente assim, felizmente…
Um beijão!!!
Emilia
Por Marco Pires
dobraria o espaço e o tempo um sobre o outro
E no espaço tecido numa só linha
Se abriria uma porta
A porta onde eu poderia passar e abraçar a Maria
e então: ah Maria…
Esqueceria as agruras e as amarguras
Simplesmente…
Eu te (a) Maria