“portas de entrada”

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 "Toda pessoa é uma porta entreaberta,

   conduzindo a um quarto onde há lugar para todos"

                                Tomas Transtromer 

 

O fragmento do poema de Transtromer nos remete diretamente à possibilidade de contágio entre humanos. Pensarmo-nos por intermédio desta bela imagem pode ser um exercício para darmos contorno ao trabalho em saúde.

O trabalhador da saúde abre-se para as múltiplas possibilidades de encontro com quem o procura. Esta abertura consiste em colocar-se num estado de afetabilidade pelo outro que costumamos chamar por aqui ( RHS ) de "acolhimento".

Comparecemos a esse encontro munidos de todas as ferramentas que adquirimos nos percursos da formação e nas experimentações da vida. Ocorre que cada novo encontro traz em si uma dimensão inusitada, algo que nos surpreende em meio ao já conhecido. E são estas desestabilizações que abrem as portas de entrada para uma conexão com o novo. O novo em mim e no outro.

Um espaço vazio?

À primeira vista poderia parecer que se trata de um espaço desabitado de referências, uma impossibilidade, uma solidão compartilhada. Uma diferença radical.

A atitude clínica na sua acepção literal ( kliné ) nos fala de um "leito". Novamente uma imagem espacial nos vem à mente para se juntar àquela trazida pelo poeta com as suas "portas entreabertas" para o acolhimento.  Trata-se de "inclinar-se" numa posição de construção conjunta de um plano de comunidade com o outro. Uma espécie de anulação  das subjetividades em jogo para que possam entrar em cena outras possibilidades, outras imagens, outras vozes do mundo.                                                                                                                       O "quarto onde há lugar para todos" é a concretização numa imagem desta possibilidade de comunicação entre os diferentes. Um plano de implicação entre os atores das práticas de saúde. Deixar-se afetar pelo outro e pelas vivências que comparecem no encontro.                                                                                                                                                                                           Para aqueles que me acompanharam até aqui nesta leitura, provavelmente lembrando das agruras que vivemos neste campo de trabalho, fica a chamada para a abertura de outras portas para o entendimento de nossas práticas.

 

Iza Sardenberg