Experiência como acompanhante em hospital público

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ACOMPANHANTE EM HOSPITAL PÚBLICO: EXPERIÊNCIA VIVENCIADA
Para compreender o que é ser acompanhante em um hospital público é necessário vivenciar a experiência.
Antes, devemos refletir o que envolve o “acompanhar”: primeiro,GERAÇÃO DE TRANSTORNOS PARA A FAMÍLIA COM RELAÇÃO A DIFICULDADE DE DISPONIBILIZAÇÃO DE TEMPO e segundo, A IMPERATIVA NECESSIDADE DO PACIENTE EM RECEBER AJUDA E APOIO FAMILIAR. Sendo assim, é um fator desencadeante de preocupação para toda família.

 Convivi com a experiência de ser acompanhante por mais de um mês em hospitais, sendo usuária do Sistema Único de Saúde. Vivenciei situações, no mínimo constrangedoras. O acompanhante não recebe as orientações necessárias ao adentrar o universo hospitalar ( que lhe é completamente desconhecido); Não sabemos previamente a rotina, o que podemos ou não realizar e a quem recorrer em casos de necessidades. Além, é claro de falta total de condições favoráveis a acomodações. Porém, cada vez mais é maior o número de acompanhantes presentes nas unidades hospitalares, sem nenhuma aparente preocupação em melhorar as estruturas físicas e de relações interpessoais. Esta última, é a que mais me preocupou e me fez por várias vezes me sentir ninguém. E é confuso você, como diz Exupéry, se sentir responsável e desprezado. Responsável pelo seu paciente e “desprezado” pela equipe de saúde.
Creio que por ser Assistente Social o problema tenha tomado proporção de maior intensidade com relação a repensar a prática dos profissionais de saúde.

  DISCURSO E REALIDADE
QUE DIFERENÇA! À partir do momento em que colocamos o uniforme que nos identifica como ACOMPANHANTE, ficamos quase invisíveis e somos taxados como pessoas que não tem capacidade de compreensão. Somos usados como mão de obra gratuita e desqualificada ( afinal, não temos nenhum curso de como cuidar de doentes acamados). Temos que ministrar remédios que são deixados nas mesinhas de apoio, mover pacientes no leito para trocas de roupas e/ou fraldas, levá-los ao banheiro para banho e necessidades fisiológicas, levantá-los do leito,etc. Somos também estimulados a verificar se o soro acabou e fechar o equipamento, colocar oxigênio nos pacientes,desligar equipamentos e tudo isso sem a menor noção de técnicas adequadas para não piorar o estado do paciente e total desconhecimento sobre equipamentos hospitalares. Mas, quando necessitamos de alguma informação sobre nosso ente enfermo, elas vêm de forma insuficiente, o profissional demora a nos atender, o olhar não nos é dirigido e a fisionomia é quase de desprezo.
Apesar de ser absolutamente necessária a figura do acompanhante, não nos sentimos bem na função por envolver ansiedade,medo,expectativa. O acompanhante necessita também de um suporte emocional que o capacite a desenvolver seu novo papel junto ao familiar. Os profissionais não cuidam da família, mas apenas e precariamente do paciente. É NECESSÁRIO QUE ESTEJAMOS ALERTA PARA O FATO DE QUE A FIGURA DO
ACOMPANHANTE TERMINE SENDO UM BOM INVESTIMENTO PARA A ECONOMIA HOSPITALAR E TALVEZ NUM FUTURO PRÓXIMO SEJA POSSÍVEL CONTRATAR CADA MENOS PROFISSIONAIS DA ENFERMAGEM.

 Tive ainda o desprazer de ser abordada aos gritos por uma profissional despreparada para a sua função, porque, segundo ela, eu estava com uma roupa que não era de acompanhante. Mas, a roupa foi fornecida pelo setor de hotelaria do próprio hospital. Tomei a providência de notificar o caso à sua gerente imediata. Aconselho a todos a agirem da mesma forma. Houve momentos muito difíceis, como por exemplo, passar três horas informando que a paciente não estava bem e só resolveram vir pelo fato de um parente ser médico e chegar ao hospital, o caso era para UTI. Dez dias depois, a paciente veio a óbito. Sei que o problema era grave e podia chegar a este desfecho. Mas, me questiono: será que as três horas de atraso no atendimento, não acelerou o processo?. SÓ DEUS SABE.

  SENTIMENTOS DO ACOMPANHANTE
Preocupação para estar alerta e de prontidão sempre; Necessidade de também ter companhia para compartilhar responsabilidades; Garantir a comunicação entre o enfermo e a equipe do hospital; Medo de incomodar a médicos e pessoal de enfermagem, que geralmente não nos atende bem ou nem escutam; Stress por desgastes físico e emocional ( trabalhamos e muito junto ao paciente,além de presenciar seu sofrimento); Mudança de residência sem tempo determinado; Nossos esforços não fazem com que os profissionais se inteirem das necessidades do paciente, de forma que estes planejem a assistência; Transtornos no ritmo de trabalho, no sono e na mente; Enfrentar maus humores e atendimentos de pessoal desqualificado; Em alguns hospitais o acompanhante não apenas ajuda a cuidar do paciente, mas trabalha para o hospital; Vemos-nos à frente de nossas próprias limitações no ato de cuidar de um enfermo ( inabilidade); Medo de adoecermos também e não ter quem dê continuidade aos cuidados do paciente; Sensação de invisibilidade: recusam-se a interagir com o acompanhante; A clareza de que o hospital nos ver apenas como ajudante na instituição
Para que a participação do acompanhante seja realmente benéfica ao paciente, é necessário que o acompanhante seja acolhido adequadamente, que nos vejam como possibilidade de obter dados sobre o doente, que nos dêem informações precisas e sem demoras, que deixem claro a atividade do acompanhante como ação educativa para o pós-alta,etc
Enfim, os objetivos preconizados pelo SUS para a presença de acompanhantes estão longe de serem atingidos.Os objetivos são: buscar a hospitalização humanizada e a inclusão da família no processo saúde e doença. Necessário se faz que toda a equipe ( usuários, trabalhadores e gestores) seja educada para este
processo. O acompanhante é um cuidador que precisa ser cuidado, precisa manter com a equipe uma relação mais positiva e menos austera e medrosa, sentir-se à vontade em esclarecer dúvidas e obter informações (e não ter medo de abordar o profissional); Normas para pacientes e acompanhantes favorecem mais ao hospital, por isso a dificuldade para que sejam obedecidas ao pé da letra.

  A questão que envolve o acompanhante não passa apenas pela socialização das normas e rotinas das instituições, a situação é muito mais complexa.
A experiência nos obriga a enxergar instituições de saúde de uma forma mais negativa que positiva, um espaço cheio de conflitos e desumanização.

  QUE FALTA
Falta os profissionais adquirirem novos hábitos mais apropriados às características humanas,imaginar como gostaria de ser tratado em relação a tudo e a todos e agir de acordo com os próprios anseios. Falta a disponibilidade para a escuta, a prática menos robotizada e a aproximação dos aspectos bio-psico-socio-espirituais.
Falta a preocupação com o futuro. Tudo na vida deve convergir para a elevação e não vejo como ser diferente nas ciências da saúde. Distorções devem ser apontadas ( é o que estou tentando fazer), para suas correções.
Talvez o leitor ache que também faltem os nomes dos hospitais. Creio que não, porque isto não se trata de uma denúncia, apenas um alerta e um desabafo.
Assusta-me essa realidade, porque os estudantes entram na universidade muito cedo e sem experiência, extraindo lições equivocadas. NÃO DEVEMOS ESQUECER QUE SÃO ELES QUE VÃO NOS ATENDER NUM FUTURO BEM PRÓXIMO.
QUE DEUS NOS AJUDE PARA QUE ESSAS DISTORÇÕES JÁ TENHAM SIDO CORRIGIDAS!
Honilda Camêlo/ Assistente Social
 

  NOVEMBRO DE 2011