Michel Foucault – filosofia e vida

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 Michel Foucault era filósofo, mas daquela espécie de filósofo profundamente implicado com a vida. Fazia uma "filosofia prática", conforme a concepção de Deleuze, e talvez tenha colocado "as tintas de seu próprio sangue" em seus escritos, como o fez Nietszche. Foi militante de várias causas, homossexual e morreu vitimado pela AIDS em 1984.

 A noção de vida atravessa toda a sua produção teórica e prática de acordo com a abordagem de estudiosos como Vera Portocarrero ( em "Cartografias de Foucault" ). Vida como objeto dos saberes no "Nascimento da Clínica" e em "As Palavras e as Coisas", escritos da fase "arqueológica" dos anos sessenta. Vida como alvo do poder nas obras dos setenta, como "Vigiar e Punir", "O Nascimento das Prisões" e a magistral "História da Sexualidade". E, por fim, a constituição da vida como ética e estética das subjetivações no "Uso dos Prazeres" e no "Cuidado de Si" nas "História da Sexualidade" II e III. Uma bela formulação das possibilidades da vida como uma obra de arte.

 Foucault foi um visionário quando formulou em termos de uma biopolítica o movimento de captura das formas de vida pela medicina, pelo que chamou de poder médico, antevendo as nada novas tendências contemporâneas de tudo "medicalizar". Não se trata de negar a fundamental importância das ciências médicas para a vida humana, mas de apontar uma expansão desmesurada sobre todas as dimensões existenciais como forma de controle e otimização generalizada.

 A "História da Loucura" escava as maneiras como uma experiência do trágico na vida dos homens virá se transformar na limitada vivência da doença mental. Seu empreendimento é mostrar-nos que nada há de imutável e universal como teimavam em pensar os filósofos. Sempre é possível pensar diferentemente pois a vida é pura variação e é preciso desnaturalizar aquilo que se constituiu como Verdade.

 O que é um louco? Como é definida a essência de um louco? O discurso psiquiátrico tentou estabelecer a verdade sobre os "alienados", que passaram de uma experiência de alteridade radical a seres portadores de uma ausência de razão. Note-se que nunca se deu a palavra aos próprios sujeitos em questão,,  constituindo-se então perversamente uma "história do silêncio", um dizer sem palavras…feito de gritos e sussurros…nos asilos.

 Hoje assistimos a uma anulação generalizada do discurso dos sujeitos contemporâneos, uma dessubjetivacão, uma ausência de história nas práticas de medicalização que se limitam a abordar apenas os corpos biológicos. Uma nova história do silêncio? Biocidadanias no lugar de sujeitos históricos: "Sou TDAH", "Tenho bipolaridade", "Sou disléxica". Não mais a angústia mas as crises de ansiedade, o pânico. 

 Vivemos agora uma socialidade marcada pela gestão dos riscos, onde as patologias foram transformadas em "transtornos". O novo imperativo se caracteriza por uma espécie de "normalização do normal". É preciso otimizar a vida e isto se dá sem coerção, numa manobra que cada um de nós faz sobre si. Somos "empresários de nós mesmos", segundo a expressão de Rodrigo Castro, aderindo às tecnologias do eu numa busca constante de eficiência de funções cognitivo-afetivas.

 O próprio Foucault nos abre uma nova saída: retorna aos gregos no final de sua vida para pensar as práticas de si que buscavam uma ética viva e potente. Mas aí já é uma outra história… e voltaremos em outro post!

 

 Iza Sardenberg