“Missão dada é missão cumprida!”

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O título acima, lema do filme Tropa de Elite (2007), pode ser bem aplicado para o meu retorno à Rede HumanizaSUS, mas nem sempre à promoção de saúde, especialmente nos sistemas a que somos expostos por esse território tupiniquim e que obedecem às normativas do SUS. Para isso, Czeresnia (1999, p. 705) nos diz que

"Promover tem o significado de dar impulso a; fomentar; originar; gerar (Ferreira, 1986). Promoção da saúde define-se, tradicionalmente, de maneira bem mais ampla  que prevenção, pois refere-se a medidas que 'não se dirigem a uma determinada  doença ou desordem, mas servem para aumentar a saúde e o bem-estar gerais'." (Leavell & Clarck, 1976: 19)"

Uma das vantagens de trabalho em promoção em saúde, refere-se à noção de oferta, que conforme Campos (2006, p.73) difere  da  noção  de  prescrição,  pois "pressupõe  a possibilidade de que o usuário a  analise de modo  crítico,  em uma relação  dialógica  com  o  profissional,  e,  em  seguida,  seja  tomada  uma  decisão compartilhada".

Mas a discussão não cheira a flor!, pois nem sempre o diálogo é permitido nos espaços, anteriormente citados. Para Czeresnia (1999) os conceitos de doença – construção mental –  e adoecimento – experiência de vida – são divergentes, em diversas abordagens e, principalmente, em culturas múltiplas e assim sendo, o que se prioriza é variado em cada contexto, ao exemplo do diálogo profissional-usuário.

Ruben de Araújo Mattos, autor do artigo selecionado como base para essa reflexão, traz na construção de seu "Desafios das Políticas de Promoção da Saúde Locais", apresentado no I Seminário sobre a Política Nacional de Promoção da Saúde (Brasília, 2006), uma visão que parece em muito com a Teoria Paideia, que nos foi apresentada na disciplina de Psicologia da Saúde, com o psicólogo Douglas Casarotto de Oliveira e com o texto "Clínica  e  Saúde  Coletiva  compartilhadas:  teoria  Paideia  e  reformulação ampliada do trabalho em saúde".
E será nas discussões de aula, a partir dessa teoria, que a discussão se desenrolará.

 

"O método Paidéia (Campos; 2000) é um  recurso elaborado para ampliar o coeficiente de intencionalidade dos sujeitos viventes nesse caldeirão de mudanças contínuas.  Há  evidências indicando  a  existência  de  uma  co-produção  de acontecimentos  e  uma  co-constituição  de  sujeitos  e  de  suas  organizações.  As pessoas  sofrem  a  influência,  mas  também  reagem  aos  fatores/sujeitos  com que/quem  interagem.  Havendo,  portanto,  uma  co-responsabilidade  pela constituição de contextos singulares" (CAMPOS, 2006, p.42)

 

Nesse um inverno e tanto que passou entre as minhas postagens na Rede HumanizaSUS, me encontrei com as ferramentas teóricas da Esquizoanálise, onde tenho construído (cada vez mais) mais ampliações do trabalho em psicologia e de mim mesma. Uma dessas construções é perceber a minha atuação como promovedora de saúde, não intencionando agir em cima de conceitos fechados, de ideias pré-concebidas sobre o humano, mas expandir, de acionar campos antes não pensados por quem chegar até a mim.

E a Paula, aqui, realmente acredita que não há como ser original num mundo onde, desde sempre, nos ditam o que deve ou não ser feito e os porquês a esses porquês engendrados. Recebemos nossos nomes antes mesmo de verem nossas faces (que de início parecem mais cópias de joelhos). E para a perspectiva Paideia, "há uma co-responsabilidade do indivíduo e dos sujeitos coletivos sobre o processo saúde e doença" (id., p.43). Pensando sobre isso, acredito que isso abrange bem mais espaços que a concepção de saúde.

É preciso ampliar, meus caros!

Ampliar ao ponto de percebermos os jogos envolvidos nas relações que demandam a compreensão a que estou me propondo (promoção de saúde) e para isso, a existência de uma "microfísica do poder", a partir de Michel Foucault, serve perfeitamente.

 

"O exercício do poder e da dominação não se daria apenas por meio da ocupação das funções de governo do estado ou das  organizações  da  sociedade  civil,  mas  também  por  meio  de  redes descentralizadas  de  poder,  advindas  da  organização  hierarquizada  destas estruturas, mas  também do controle social exercido por  instituições que modelam o  comportamento  humano  ao  produzirem  epistèmes  (discursos  estruturados)" (id., p. 45).

Um dos desafios nessa ampliação do paradigma saúde e do imbricamento das relações de poder nesse é a noção de integralidade do atendimento, que um tanto tautológica e simplista, nunca consegue abarcar a variedade de questões que se entrelaçam em uma vida. Para Guattari & Rolnik (1986, p. 31), a subjetividade é produzida por agenciamentos coletivos de enunciação, onde os processos de subjetivação não são centrados em agentes individuais e nem em agentes grupais, eles estão duplamente descentrados; tendo a nossa formação advinda tanto de forças de natureza extrapessoais, extra-individuais, quanto de natureza infra-humana, infra-psíquica e intrapessoal, ao mesmo tempo e o tempo todo. E por isso,

 

"As várias correntes englobadas sobre o rótulo de “determinação social” do processo  saúde/doença  têm  e  não  têm  razão,  sua  capacidade  explicativa  tem limites e potência: é potente quando ressalta a  importância dos  fatores de ordem universal  na  gênese  da  saúde  e  da  doença;  entretanto,  reduz  sua  capacidade explicativa  quando  subestima  o  peso  dos  sistemas  de  saúde  e  dos  fatores subjetivos nesse processo" (CAMPOS, 2006, p.50)

Questionamentos acerca das inúmeras possibilidades de trabalho em saúde e em vida (quaisquer que sejam as demandas), precisam de ampliação. Guattari (1986, p. 253) já nos disse que "quando não vemos mais do que um fator, podemos estar certos de que é preciso procurar outros e de que estamos míopes, reducionistas". Para, no mínimo, tentar fugir desse perigo, ampliemos!, nos possibilitemos novas forças, novas ideias e que devem ser compartilhadas para expansão destas (cada vez mais!), repetidamente.

 

Referências Bibliográficas:

MATTOS, R. A. Desafios das Políticas de Promoção da Saúde Locais. IN: I Seminário sobre a Política Nacional de Promoção da Saúde. Anais. Brasília: Ministério da Saúde, 2009.

 

CAMPOS G. W. S. Clínica e Saúde Coletiva compartilhadas: teoria Paidéia e reformulação ampliada do trabalho em saúde. In: Minayo C,et al., organizadores. Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo: Hucitec; 2006.

 

CZERESNIA, Dina. O conceito de saúde e a diferença entre prevenção e promoção Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro,  v. 15,  n. 4, Out.  1999 .  Disponível em <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X1999000400004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 24 Ago 2012.

 

GUATTARI, F. & ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografias do desejo. Petrópolis: Ed. Vozes, 1986.