O CONGRESSO, O MOPS E O VESTIDO

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Prezados leitores amigos e amigas da Rede Humaniza SUS, O texto abaixo foi construído para homenagear um profissional de saúde que conheci no Congresso do Movimento Popular de Saúde (MOPS), ocorrido em Brasília, no período de 12 a 14 de Março de 2009 e que reuniu representantes de dezenove estados. O texto faz o registro de uma situação que não está diretamente ligada ao evento, portanto não sei dizer ao certo o que ele tem haver com humanização em saúde, mas tem haver com a "saúde dos encontros", expressão que tomo emprestada do companheiro Ray Lima, para justificar esta postagem. Espero que leiam e vejam que o inusitado episódio fez por merecer este registro, na forma de crônica.

Abraços

 

O CONGRESSO, O MOPS E O VESTIDO

Noite de chuva do dia 11 de Março em Brasília. Às vinte horas, depois de uma espera de mais de três horas no Aeroporto (ufa!) finalmente fomos de Van para o Complexo de Formação da Confederação dos Trabalhadores na Indústria. Ah, mas antes fizemos uma parada no Shopping. Educadores populares, gente das práticas de cuidado e profissionais de saúde militantes, no shopping. Comida árabe a preço de caviar. Nossa! Quase deu má digestão! Mas não teve jeito, pagamos pela nossa falta de atenção. Que era comida árabe, a gente só percebeu depois de comer e por causa do preço tipo exportação. Bem, a gente não sabia: a comida não fazia parte das promoções de verão. Agora sim, esta crônica vai entrar nos eixos. Mas quais eixos? Ora, ora, os eixos temáticos do Congresso do MOPS – Movimento Popular de Saúde, a educação popular em saúde, as práticas de cuidado, as articulações políticas que envolvem um congresso popular, não é mesmo? Bem, é preciso que se diga que esta pauta só viria a ser protagonizada na manhã seguinte, com o início dos trabalhos do Congresso, que foi iniciada literalmente no Congresso, mas precisamente no Auditório Nereu Ramos, no lançamento da Caravana em Defesa do SUS. O eixo desta inusitada crônica tem haver com tecido (sintético ou algodãozinho?). Claro que esta obra, digna de premio literário não vai dar conta disso…Trata-se de uma peça do vestuário feminino, exposta em uma dessas  lojas granfinas, desses mercados contemporâneos popularizados com a expressão já vulgar de shopping. Agora sim, passaremos a entender o fio desta tessitura. Ah, não me diga que tessitura tem haver com tecido…Ora bolas, mas é evidente, se estamos falando de um vestido! Imaginem os leitores desta literatura tupiniquim, que o companheiro Delmar, enfermeiro, parteiro e de credo presbiteriano, que mora distante do mar, em Juiz de Fora, já com saudade do seu mais precioso “belo horizonte”. E aqui, carece de uma questão de esclarecimento que não deve ser confundida com questão de ordem, se bem que é preciso dar rumo esta crônica sob pena da desordem vir a tornar este ensaio em estado crônico ou mesmo anacrônico. Então, vamos esclarecer que, o precioso “belo horizonte” do Delmar é a sua digníssima e amada esposa, figura com quem ele compartilha o amor e a vida. É Preciso que o leitor entenda ainda que após a comida árabe havia uma latitude e longitude a ser considerada,  correspondente a cinquenta quilômetros, trajeto entre a Capital Federal e o município de Luiziania, aquele mesmo município de onde partiu o suicida pilotando uma pequena aeronave rumo ao fim trágico, no mesmo tempo em que um coletivo de pessoas se encontravam para debater saúde, SUS, Educação Popular e a promoção da vida. Portanto, esta informação está diretamente ligada ao tempo. Delmar se colocou de fronte à vitrine da loja, observou o preço convidativo, promocional para uma peça de coleção, refletiu, lembrou da silueta de sua amada esposa e no seu imaginário a vestiu por inteiro com aquele vestido longo, sóbrio, romântico e em estilo moderno. “Vou comprar”!. Foi aí que o tempo começou a fazer a diferença: como as pessoas já estavam se dirigindo para a Van ele decidiu que voltaria ao chopping posteriormente, durante o Congresso do MOPS, para efetuar a compra. Ligou no dia seguinte para sua esposa e falou: “amor, sabe aquele vestido que você viu na TV? Eu o vi – um modelo tal e qual – aqui num shopping de Brasília, ao vivo e em cores… Vou comprar para você! Ela toda feliz e surpresa do outro lado da linha, ainda retrucou, com a prudência econômica de toda dona de casa: “amor, olha, não compre se for muito caro”. Mas Delmar sabia que aquele vestido compunha a lista dos sonhos de consumo de sua amada. Delmar participou assiduamente do Congresso, mas não tirou da cabeça a idéia de fazer o investimento, no caso a compra do vestido (tornar feliz a pessoa amada sempre vai representar investimento, mesmo em tempo de crise econômica. A abertura do Congresso foi marcada de presenças e falas importantes, houve espaço para a cultura, protagonizada pela juventude de Goiás e este humilde escriba pode se expressar em forma de poesia, na singularidade que encaminha para a pluralidade: “eu trouxe e vocês trouxeram a saúde na palma de nossas mãos! Eu trouxe e vocês trouxeram sonhos e lutas que não são vãos”…E o Delmar falou com seus botões: “E eu vou levar aquele vestido pra minha mulher querida”…Bem, não é mais possível cansar o coitado do leitor. Esta obra precisa ter um desfecho. E é agora ou nunca: o nosso enfermeiro Delmar, homem de fé e ciência organizou seu tempo e começou a cantarolar “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Na segunda manhã do Congresso conseguiu carona e foi até ao chopping. Finalmente iria por as mãos naquele vestido ao passo que veio-lhe a mente uma melodia brega dos anos 90: “Eu já tirei a sua roupa nesses pensamentos meus”. Chegou na loja, observou, procurou, vasculhou entre os cabides e…nada. chamou a vendedora e a abordou sobre o vestido que vira dois dias antes. A vendedora esclareceu que todas as peças da coleção de verão já haviam sido retiradas da loja, recolhidas para o depósito e completou a frase de modo a  induzir o nosso amigo enfermeiro a voltar-se para comprar outra peça: “agora você leva um vestido da coleção inverno”. Delmar ainda investigou se a loja tinha filiais em Juiz de Fora, Rio de Janeiro, Belo Horizonte…Desolado murmurou: E agora? O que vou dizer lá em casa (?), parafraseando um veterano e talentoso narrador esportivo.

Este escriba, como testemunha ocular tratou de consolar Delmar sugerindo que ele poderia levar outro presente, no que ele retrucou: mas como? Eu já a vesti na minha imaginação com aquela peça. Levar outro modelo não seria a mesma coisa. Bem, qual desfecho esta crônica poderia ter? Cada leitor e também o Delmar pode tirar suas próprias conclusões, mas, sendo o meu mais novo amigo, enfermeiro e parteiro que já contribuiu com o milagre da vida, protagonizado por tantas mulheres no ato de dar a luz…E sendo ainda este meu amigo um bom pai de família, consciente do seu dever conjugal, à luz do Cântico dos Cânticos, com a Bíblia na mão e com a memória da peça do Nelson Rodrigues na mente, só para provocá-lo no túmulo, eu asseguro, que nem “toda nudez será castigada”.