Demonizar o outro.

12 votos

Para termos o conforto de atribuir culpa a alguém o conceito de autodeterminação se confunde com o de liberdade irrestrita. Desumanizar alguém ou um grupo social é, precisamente, colocá-lo fora da condição humana respeitável, por ele ter feito uma escolha.

Vejamos os usuários de drogas, coisa que de resto, todos somos: Será que sem a noção de usarem a "liberdade", de serem drogados, em razão de uma escolha, ainda que errada, a muitos dos paulistanos poderiam ter desejado e justificado o banimento da condição de cidadãos dos usuários de drogas da cracolândia?

A noção de que as escolhas que temos de fazer, significam que podemos escolher qualquer coisa ou ser "responsáveis" por nosso destino, é absurda. Poderemos aceitar que nosso destino é solidário e que a coisa mais próxima do conceito de liberdade que podemos vivenciar é aceitar ou negar isso?

Ter que escolher é justamente o que corrobora a tese de que nossa "liberdade" é limitada pela interconexão que nos faz e refaz ininterruptamente, a cada instante.

Nossa liberdade em relação ao tecido social de que somos meras partes é a mesma de nossas células em relação ao nosso organismo. Sabemos disso. Por isso vemos frequentemente pessoas tentando explicar e justificar, é sempre uma questão de justiça, que o câncer é o resultado de nossas inclinações.

Mas será que nossas inclinações são menos aleatórias que os incidentes cromossômicos multi-determinados que desencadeiam um carcinoma?

Se aceitarmos nossas limitações, perdemos a legitimidade para julgar os outros e exercer, impunemente, nossos preconceitos e RACIONALIZAÇÕES.

Vejamos um exemplo:

Agente costuma aceitar mais facilmente que um paciente que vai fazer quimioterapia e radioterapia no melhor e mais caro hospital particular ou centro de referência universitário, provavelmente vai morrer numa condição de dor e sofrimento relativamente pior, na opinião de alguns, do que a de um usuário de drogas.

Já vimos um vice presidente banhar suas vísceras em quimioterápicos e sobreviver sofrendo por vários anos entre inúmeras e dolorosas intervenções. Era sua inclinação pelear até o fim. Certamente não é a inclinação de todos.

Será que o sofrimento das drogas pode ser menor e menos tratável do que outras doenças para as quais ainda não temos cura?

Talvez os usuários de drogas mais pesadas e com vício mais intenso só precisem de apoio, assim como damos a qualquer outro sofredor que tem um prognóstico reservado.

Assim como casos de câncer entram em remissão espontânea,  os do vício também podem ceder, com ou sem um tratamento convencional.

O certo é que a estatística e o prognóstico psiquiátrico são bem reservados. Talvez porque levem em conta que as condições etiológicas e iatrogênicas que causam e decorrem do uso abusivo de substâncias psicoativas, vão estar presentes e confirmar a profecia diagnóstica. Mas já sabemos o que pensar de profecias que se auto confirmam ou se auto realizam.

O link abaixo ajuda a manter acordados os que insistem em adormecer no berço esplendido do mito da liberdade, essencial a outro mito: o da justiça.

https://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed721_o_cultivo_cientifico_da_ignorancia

Vale mesmo a leitura.

Um abraço!