O fim.

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Todo o fim de ano é único e, ao mesmo tempo um giro em uma roda de retornos incessantes. O sol renasce em primeiro de janeiro como em qualquer outro dia do ano em qualquer ano. Pelo menos desde que temos lembrança como indivíduos e como espécie.

Certamente terá havido anos em que o sol não brilhou. Por causa de uma mega-erupção vulcânica ou da queda de um asteroide. Naquele tempo outras espécies deixaram de existir e o caminho para a humanidade ficou livre. Por isso sempre há em alguma medida as coisas que findam para sempre. Aquelas que mergulham nas trevas do tempo para serem esquecidas.

Este ano de 2012 pode ter sido o marcador de um limite que ultrapassamos e ao qual jamais poderemos retornar. Pode ter sido, em especial, o último ano de uma era. Uma era que não reconhecíamos porque não nos parecia um tempo entre muitos. Não nos parecia transitória. Foi algo que sempre pensamos que estaria presente enquanto estivéssemos presentes. Acredito que iremos sobreviver a esta era que esta findando. No entanto não iremos nos reconhecer no que virá em seguida.

Cabe então uma breve lembrança do que, para mim, significa a Política Nacional de Humanização – PNH – do SUS. Em todos os momentos da atenção em saúde estamos ancorados em intensos processos de humanização. Não lembro se já dividi este conceito com meus colegas de RHS, mas vale lembrar:

Não acredito que podemos nos fazer melhores do que somos. A humanização é um processo complexo que nos antecede e nos ultrapassa, seja como indivíduos ou como espécie. Parece que o próprio espírito não é uma exclusividade humana. Ele está em todos os seres vivos neste planeta e em outros mundos de formas e modos que não conseguimos sequer imaginar.

Mas certamente podemos regredir. Retornar a atavismos que são recorrentes. Se não formos zelosos e resolutos, realistas e pragmáticos, podemos perder os atributos humanos que nos permitem confiar uns nos outros. É possível que as instituições humanas sejam melhoradas. Também sempre será possível que entrem em decadência.

A PNH é um expediente para se contrapor a nossas mais iníquas tendências históricas. Não tanto pelo que ela possa criar, mas também, e quem sabe mais, pelo que ela pretende preservar.

O ano de 2012 será lembrado, de fato, pelo mundo que deixou de existir depois dele. De agora em diante os parceiros dos humanos, os artefatos tecnológicos, invadiram o cotidiano do trabalho em saúde de modo que não pode ser revertido. Uma biotecnologia invasiva e ubíqua está provocando uma mutação profunda nas noções de saúde, doença, existência e felicidade. E também redefine a vida e a morte.

É provável que somente uma imensa catástrofe possa reverter o acúmulo de conhecimento efetuado até este momento. E, mais provavelmente ainda, ele seguirá seu curso. Independente dos desígnios humanos. Marchamos para uma silenciosa irrelevância. Poderemos estar rumando para uma realidade em que seremos desimportantes para a nossa própria sobrevivência.

O mundo que os humanos pensavam estar construindo não existe mais. O mundo que passa existir a partir de agora é um mundo em que a gestão das necessidades humanas não pode ser feita sem nossos artefatos tecnológicos. Cada vez mais eles são apêndices sem os quais não podemos, ou não saberemos como viver.

Humanizar não significa uma construção perpetuamente inacabada. Esta abertura para a infinita construção de si mesmo, não para o indivíduo, mas para a espécie (embora a implicação seja a mesma), é um caminho seguro para a extinção. Então, humanizar significa preservar algo do encontro aniquilador que estamos engendrando ou que nos engendrou e agora segue em frente.

Cabe-nos preservar o que de melhor nossa espécie pode dispor na efêmera epopeia que nos trouxe do interior das cavernas até este mundo em que não podemos viver sem nossas próteses tecnológicas.

Isso é humanizar-se: Preservar o que nos liga a cadeia mais ampla da vida. Preservar o senso de unidade e solidariedade na diversidade. Esta é uma boa forma de definir a ética: A capacidade de legar. A capacidade de fazer elos e manter viva uma herança. Uma memória de instantes eloquentes e silenciosos, plenos e vazios.

Desejo a todos um bom final de 2012 e um grande início de 2013. Que possamos ser encantados com a felicidade de nossos companheiros de existência. Desejo que saibamos fundar nossa alegria no reconhecimento da legitimidade das incontáveis alegrias que podem acometer os nossos semelhantes e diversos irmãos de existência.

Um forte abraço a todos! Feliz ano novo!