Entidades temem que incentivos a planos de saúde afundem o SUS

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Compartilhando uma matéria publicada hoje (09.03), sobre a questão do financiamento dos planos de saúde do setor privado, que vem causando muita polêmica em vários seguimentos da sociedade. 

Foi divulgado, na última semana, que a presidente Dilma Rousseff vem se reunindo, em portas fechadas, com representantes de planos de saúde para estudar um possível pacote de financiamento para o setor. O governo cogita oferecer uma série de estímulos aos convênios particulares, o que incluiria a redução de impostos e o repasse de verbas da União para que mais pessoas tenham acesso a planos baratos. A notícia fez com que entidades empenhadas na regulamentação da saúde protestassem, receosas de que a medida enfraqueça ainda mais a rede pública.

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) foi a primeira a se manifestar contra a ideia. A entidade acusa o governo de se ausentar da responsabilidade de garantir um sistema de saúde público e universal de qualidade. Em entrevista ao SRZD, a vice-presidente da Abrasco e professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ, Lígia Bahia, declarou que o financiamento de planos privados com recursos federais fere a Constituição, ao passo que também não assegura aos conveniados um atendimento médico razoável. "A medida anunciada contraria o preceito constitucional que veda a transferência de recursos públicos para entidades privadas de natureza lucrativa. Esquemas assistenciais voltados ao lucro rápido e fácil só se viabilizam por meio de sequestro do fundo público que poderia e deveria ser destinado ao fortalecimento de uma rede pública de qualidade", alerta.

   Lígia Bahia reforça que a Abrasco não é contra a existência do setor privado, mas defende que a riqueza produzida por todos os brasileiros não deve ser apropriada por determinados grupos empresariais. "O que já está mais do que comprovado é que sem investimento adequado tanto no público e quanto por parte de empresários privados, que evitam de tudo que é jeito tocar seus negócios sem subsídios governamentais, ambos os setores tendem ao isomorfismo […] O público em função das coalizões político-partidárias eleitorais e o privado pela necessidade de amealhar lucros rapidamente", contesta a professora.

  O presidente da Associação Paulista de Medicina (APM) também criticou a parceria entre o Executivo e os planos de saúde. De acordo com Florisval Meinão, o lançamento do pacote será "um erro conceitual grave, porque impedirá o fortalecimento do SUS". Meinão alerta ainda que as operadoras aumentam seus lucros vendendo planos com baixos custos para jovens, que dependem menos que os idosos de tratamentos médicos, e impondo restrições de cobertura no contrato. Prova da insuficiência funcional é que uma pesquisa realizada pelo Datafolha no ano passado mostrou que 20% dos conveniados de São Paulo precisaram recorrer ao SUS por falta de opção de atendimento da operadora.

"O grande problema do SUS é o financiamento. O governo trabalhou contra a aprovação da Emenda 29, que determinava o investimento de 10% da receita bruta da União na saúde. Optou por não fazer isto e agora ele faz a opção de reduzir impostos e financiar a iniciativa privada. Isso vai na contramão da Constituição, que diz que a saúde é dever do Estado", disse ao SRZD.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) reprovou as medidas anunciadas e aprovou um manifesto em defesa do SUS "público, integral, gratuito, de qualidade e acessível para todos". Na plenária do I Encontro Nacional de Conselhos de Medicina, encerrada nesta sexta-feira em Belém (PA), representantes dos 27 Conselhos Regionais avaliaram que o futuro do sistema de saúde brasileiro pode ser comprometido caso as ações saiam do papel. "Não podemos admitir que interesses políticos subalternos, financeiros e de mercado decidam sozinhos os rumos e o futuro de um modelo enraizado na nossa Constituição e que pertence a 190 milhões de brasileiros", concluiu o Manifesto de Belém.
Cientista econômico defende fim do lucro na Medicina

O coordenador de Ciências Econômicas da Mackenzie Rio, professor Marcelo Anache, tem um posicionamento mais rígido em relação ao assunto. Entrevistado pelo SRZD, ele defendeu a abolição do lucro na Medicina e se firmou contrário à concorrência dos planos de saúde com os serviços que, na visão dele, deveriam ser prestados apenas pelo Estado. O professor afirmou ainda suspeitar que o PT tenha recebido algum tipo de patrocínio dessas empresas em sua última campanha eleitoral.

"Se você permitir que exista um sistema de saúde com dois níveis, o sistema público cada vez fica mais enfraquecido e, ao mesmo tempo, menos financiado. Sou a favor de um sistema de saúde sem fins lucrativos, providenciado e administrado pelo governo e que garanta um tratamento digno para todos. Acredito que o lucro seja o cerne do problema. Só concordo com planos para procedimentos estéticos e que não disputem com o SUS", afirmou o especialista, citando o exemplo canadense como um modelo em que o Brasil deveria se espelhar. No Canadá, a única opção de assistência médica, para pobres e ricos, são os hospitais públicos.

O SRZD procurou o Ministério da Saúde para confirmar se o pacote estava em pauta. A assessoria do órgão informou que o assunto não constava na agenda de discussões do Ministério, porém se negou a afirmar que a notícia, adiantada pelo jornal "Folha de S. Paulo" no último dia 27, era falsa. A reportagem tentou estabelecer contato com algumas entidades da área da saúde complementar, mas nenhuma delas quis se pronunciar.
Entre 2012 e 2013, a Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS) puniu por três vezes as operadoras que descumpriam as normas de atendimento a clientes de planos de saúde. As principais queixas referiam-se a atrasos na marcação de consultas, exames e cirurgias. No dia 5 de março, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) apontou que os planos de saúde continuam liderando o ranking de reclamações recebidas pelo órgão. Cerca de 20% dos atendimentos em 2012 foram relacionados a reclamações sobre os planos.

Matéria postada por Gustavo Ribeiro em 09.03.2013