QUERO FALAR DE EMOÇÕES

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Decidi que a partir de hoje fica decretado que quero falar de emoções. Emoções prazerosas, que me faça bem, que me faça sorrir, que faça bem ao coração.

Quero falar de solidariedade, fraternidade, generosidade, esperança, amorosidade, acolhimento, cuidado, sensibilidade, carinho, paixão, afetividade, bem-fazer, felicidade. Não quero e nem preciso falar de horários, folgas, reuniões, bater ponto, hora marcada para chegar e sair. Será que temos hora marcada para chorar ou para sorrir? Para se emocionar numa visita domiciliar ou num canto qualquer do nosso local de trabalho?

Será que precisamos ser burocratizados, tecnicistas, calculistas, vivermos subjugados a leis e normas que alguém escreveu e determinou, engessando como seria o funcionamento de uma USF?  E os sentimentos, não contam? E como fazer com o vínculo que adquirimos ao longo do tempo com as pessoas as quais convivemos diariamente nessa incansável luta por uma saúde de qualidade?

Quantos não ficam aliviados e felizes quando adentramos a sua porta, com um Bom Dia ou uma Boa Tarde, com o compartilhar do sofrimento ou alegrias, com um aperto de mão caloroso a alguém que talvez não saiba até quando poderá tocar no outro por ter seus dias contados. Será que isso é mensurável? O toque de uma mão; o simples ouvir; um sorriso; um abraço afetuoso; um dançar; seja como for, o importante é estar junto do outro.

Insisto em falar de emoções, emoções de alguém que não consegue esconder as lágrimas que correm livremente ao retornar de uma visita e nos conta o desprezo de uma filha com a mãe idosa. Quanto aquele choro significou naquele instante, pois como desejaria ainda ter a própria mãe para cuidar e já não mais a tem.

Quero também falar de generosidade; de um profissional esperando um usuário em pleno meio dia, num sol escaldante, para juntos, de ônibus, ir a uma consulta em outro bairro distante.

Quero falar do sorriso estampado das idosas que dançam compassadamente o forró nas primeiras segundas-feiras do mês, relembrando tempos de outrora. Algo tão simples, mas de infinita magnitude, num ambiente onde efetivamente pode-se ver refletido no espelho da realidade o conceito que saúde não é apenas ausência de doença.

Quero falar dos encontros semanais de pessoas que trazem uma palavra de acalanto, de fé, de valores da vida, de acolher a nós mesmos, de tomarmos café da manhã num cantinho apertado, mas aconchegante. Quantos de nós esperamos por esse dia, para afogarmos nossa sede de espírito num oásis de palavras.  Lembrei de um trecho do célebre Pequeno Príncipe: “Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieto e agitado: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração…” É esta a sensação que nos habita ao esperar esse encontro.

Quero falar de solidariedade, dedicação, criatividade de meninas que juntas tecem pequenos saquinhos, enfeitam rosas, elaboram cartazes, fazem o local dos encontros se tornar belo;  repartindo com o outro o mais sublime dos presentes: uma rosa.

Quero falar de um alguém que por ser demais solidária com o seu povo, reparte, como diz o poeta,  o que tem e o que não tem”, para que chegue o mais breve possível as tantas Referências que necessitam, para, assim, construir, na prática, um dos princípios do SUS, a Integralidade. Afinal, “sabe lá, o que é não ter e ter que ter pra dá?”

Quantos de nós desejaríamos ser uma fada, e com uma varinha de condão transformar uma realidade cruel na mais bela e maravilhosa fantasia. Quantos de nós deparamos com situações inimagináveis de sofrimento, de desalento, de abandono, de esquecimento, de desemprego, de descaso e de ausência do poder público.

Quero, outrossim, falar da preocupação de vermos jovens filhos de Felipe Camarão, semanalmente, ser exterminados;  sentindo-nos inertes frente a tamanhas atrocidades.

Quero falar da dedicação e do compromisso daqueles que trabalham e vivenciam Felipe Camarão; do quanto enveredamos e compartilhamos o sofrimento do outro, seja em cima do morro, nas ruelas e becos da Favela do Fio, na rua Oeste, na rua São João ou na rua São José, santos que testemunham silenciosamente o grito de dor dos desalentados e o choro de angustia dos que de mãos atadas quebram os grilhões das dificuldades fazendo milagres, enxugando lágrimas, doando ombros e amparando aflições.

São mentes e corações de uma generosidade maior que qualquer conceito. São seres humanos presentes no nosso cotidiano de trabalho, não são fictícios, não são retirados de estorinhas de gibis ou da mitologia grega. Somos nós, trabalhadores da Estratégia de Saúde da Família, que dia após dia somos lançados nesse turbilhão de emoções.

Meine Siomara Alcântara.

Inicio de inverno de 2013