O Medo, a Inveja e a Vergonha em uma reflexão sobre as Paixões

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Por Neusa Teresinha Bohnen

Uma boa razão para estudarmos as paixões seja, talvez, a possibilidade de melhor entendermos a alma humana em toda sua complexidade. Desde Aristóteles até Greimas as paixões suscitam discussões e teorias que sugerem ainda um tema inesgotável. Para os antigos, a paixão era associada à doença, à loucura; uma vez que a opunham à lógica, à razão; modernamente é concebida como uma força motriz que leva o homem à ação (FIORIN, 2007, p. 10).

As paixões estão presentes nos diferentes tipos de discursos: publicitário, político, acadêmico, religioso, etc. Entretanto, segundo Fontanille (2008, p. 93) o tipo de discurso no qual a dimensão passional mais se manifesta é o literário, narrativo ou poético mais explicitamente. 

Ainda crianças somos orientados a temer desde coisas concretas, como o fogo, a água, objetos cortantes, até aquilo que não conhecemos. Disso se depreende que o medo é fruto da consciência da finitude humana, isto é, tememos basicamente aquilo que ameaça nossa vida e das pessoas que amamos.

Para Fontanille (citado por NASCIMENTO; LEONEL, 2006, p. 628) o medo, o temor e o terror são paixões que nos igualam aos animais e se distanciam de paixões mais nobres, que dão sentido à existência, como o amor, o ciúme, a ambição entre outras; isso porque nestas, o sujeito busca o objeto; naquelas, o sujeito atemorizado foge, rejeita o objeto, o que significaria a decomposição do sentido.

Fontanille criou uma tipologia para o medo baseada no desenvolvimento das formas observáveis e na intensidade da expressão dinâmica. Quando esses dois elementos são fortes surgem os “atores do medo”. Nessa construção, o medo se revela por motivos estereotipados, imediatamente reconhecidos, como a fera, a tempestade, o bandido. Quando o desenvolvimento das formas é fraco e a intensidade forte, surgem as “forças do medo”, nas quais o medo se revela por formas indefinidas, impalpáveis, em que o sujeito somente vê formas e cores, por exemplo. Quando a intensidade é fraca e o desenvolvimento forte, ocorrem as “formas do medo”, nas que o medo se dá por coisas monstruosas, fantásticas, cujo tipo de ação o sujeito desconhece. O último tipo de medo acontece quando os dois elementos são fracos, é a “aura do medo”, que se caracteriza por um mal-estar indefinido. A partir dessa tipologia o percurso do medo é descrito, permitindo observar as transformações textuais, que podem passar da “aura” ao “ator”, à “forma” e à “força”, por exemplo.

Segundo Chauí (1996, p. 56), a origem e os efeitos do medo fazem com que não seja uma paixão isolada, mas articulada a outras, determinando o modo de sentir, viver e pensar do sujeito amedrontado. Para Harkot-de-La-Taille (1999, p. 18) a paixão da vergonha é intersubjetiva, surge do cruzamento de outras configurações em que o destinatário assume a perspectiva de um destinador julgador. O sujeito se divide em dois simulacros existenciais: num ele pensa ter certa competência modal positiva, constrói para si uma imagem que acredita representá-lo verdadeiramente; noutro, vê que não possui tal competência, isto é, não é o que pensava ser. Trata-se de uma paixão definida pela combinação do querer ser, não poder não ser e saber não ser. Isso tudo diante do olhar real ou virtual de um espectador cuja opinião importa muito ao sujeito envergonhado.

Para Mezan (1986, p. 119), a inveja está associada aos olhos, afirmação que se justifica na própria etimologia da palavra, do latim invídia, formada a partir do radical ved-, de vedére. Ainda segundo o autor, outra associação entre a inveja e os olhos está presente no Canto XIII do Purgatório, na Divina Comédia, de Dante Alighieri, em que os invejosos têm as pálpebras costuradas por um fio de arame como castigo, impedindo-os de ver, inutilizando o órgão através do qual pecaram quando vivos.

Daí o caráter polêmico da confissão, que pode não simbolizar necessariamente arrependimento sincero, culpa ou pesar pela falta cometida. Ela também pode funcionar como estratégia visando a autovalorização do sujeito envergonhado. Através dela o confessando se coloca em situação superior ao do confessor. É como se Moon dissesse a Borges: “Sou covarde e traidor sim, mas sou capaz de reconhecer isso, o que me dignifica”.

Embora quando perceba que sua imagem foi atingida por sua atuação, poderá sentir vergonha, mas para que isso aconteça, o sujeito envergonhado deve estar em sincretismo com o destinador julgador. Não obstante, a vergonha por falta moral não é garantia de comportamento moral. Serve, sem dúvida, como freio e controle para possíveis transgressões, assim mesmo pode levar o sujeito a cometer outras transgressões.

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