MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇAO: QUE FENÔMENO É ESSE?

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MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇAO: QUE FENÔMENO É ESSE?
Claúdia Perrotta; Lucy Duró Matos Andrade Silva; Marilda Almeida; Vera Regina Vitagliano Teixeira

As dificuldades de aprendizagem em crianças e adolescentes têm sido cada vez mais frequentes nas escolas e é crescente a justificativa de que a causa do problema seja um mau funcionamento orgânico. Procurar saber se os alunos têm deficiências visuais, auditivas, etc., é importante e deve mesmo ser considerado, porque essas dificuldades exigem intervenções específicas que contribuem para que eles tenham equiparação de oportunidades na sua vida escolar e social.  O problema é logo determinar que possíveis dificuldades escolares tenham como ÚNICA via de entendimento e explicação a questão orgânica, geralmente atribuída a uma função cerebral mal desempenhada que acometeria o indivíduo. A redução a essa perspectiva acaba por engessar qualquer outra possibilidade de compreensão e intervenção na vida escolar desse aluno, que passa então a ser visto como doente.
Qualquer criança ou adolescente com dificuldades de aprendizagem ou de comportamento na escola provoca um sentimento de fracasso em todas as partes envolvidas: professores, coordenadores, pais e no próprio aluno. Devemos entender, porém, que uma pessoa em processo de construção do conhecimento e em desenvolvimento enfrenta o tempo todo impasses e dificuldades. Este enfrentamento é, justamente, o motor que faz com que a aprendizagem aconteça. Acertos e, principalmente, erros fazem parte do processo, e a forma que cada um encontra para refletir sobre eles pode ser diferente. Mas nem sempre existe reflexão sobre os erros; são erros e pronto.
Todos têm a capacidade de aprender. É só prestar atenção nas pessoas com alguma deficiência, ou que sofreram acidentes e perderam algumas capacidades cognitivas para ver o quanto aprendem e se desenvolvem.
Não podemos perder de vista que o processo de aprendizagem é multideterminado; isto é, depende de vários fatores que estão relacionados às condições sociais das pessoas. Se algo não vai bem, no que diz respeito à aprendizagem de um determinado aluno, muitos aspectos devem ser observados e relacionados. E o mais importante: o olhar do profissional da educação não deve ser o de procurar o que falta (falta atenção, falta disciplina, falta coordenação motora…), mas o que pode ser feito para aproximar esse  aluno do conhecimento e assim evitar que ele seja estigmatizado dentro da lógica da medicalização.
Entendemos por Medicalização  o processo em que as questões da vida social, sempre complexas, multifatoriais e marcadas pela cultura e pelo tempo histórico, são reduzidas à lógica médica, vinculando aquilo que não está adequado às normas sociais a uma suposta causalidade orgânica, expressa no adoecimento do indivíduo.
Assim, não se fala das precárias e sofríveis condições de trabalho, principalmente dos professores, mas sim da “Síndrome de Burnout"; não se fala de indivíduos questionadores, mas de portadores de “Transtorno Opositor Desafiador”.  A educação encontra suporte nessa lógica medicalizante à medida que dificuldades decorrentes do processo ensino-aprendizagem, ampliadas no interior de um sistema educacional ultrapassado, são facilmente identificadas como supostos transtornos, o que acaba por aliviar o mal-estar de famílias e profissionais de saúde e educação.
Nessa perspectiva, o uso de termos como “Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade” (TDAH) e “Dislexia” têm sido usados não somente para classificar alunos na categoria dificuldades de aprendizagem como também para justificar, em muitos casos, a não efetividade de trabalhos/práticas didático-pedagógicos realizados em sala de aula. Isso é muito sério, pois ambos os termos remetem a quadros neurológicos, e mesmo entre aqueles que advogam a existência deles, há controvérsias sobre sua incidência na população.
Portanto, há uma tendência de usar esses termos de forma inconsequente, o que, obviamente, precisa ser combatido.  Inclusive, muitos profissionais comprometidos, das mais diversas áreas de atuação, e que lidam com os fracassos escolares em seus cotidianos de trabalho, tanto na escola privada, como na pública concordam que o sistema educacional tem de ser revisto.
A pediatra Maria Aparecida Affonso Moysés e a educadora Cecília Azevedo Lima Collares destacam que existe na própria comunidade médica um dissenso muito sério em torno do distúrbio neurológico denominado Dislexia. Apesar ser considerada uma doença neurológica e de existir nos guias de classificação médica, como o CID 10 e o DSM IV, a Dislexia não possui um diagnóstico preciso para a área médica. Seu diagnóstico é realizado por exclusão, quer dizer, uma pessoa é considerada disléxica quando só tem problemas de leitura e escrita e não apresenta nenhum problema de ordem cognitiva, escolar, social e afetiva. Determinar a não existência de outros problemas, convenhamos é bastante difícil. E, por outro lado, a persistência de erros na leitura e na escrita pode ser característica de crianças que estão em processo de apropriação da leitura e escrita ou daquele que ainda não sabe ler e escrever com competência.
A questão que se coloca é: como subsidiar a prática pedagógica a fim de contribuir para que os professores possam ajudar esses alunos a se apropriarem efetivamente da linguagem escrita, instrumento fundamental em nossa sociedade para exercerem plenamente sua cidadania? 
Temos a ilusão de que, se descobrimos qual a dificuldade, teremos ou alguém terá a solução. Mas os teóricos e a prática nos mostram a todo o momento que precisamos estar atentos, buscando contextos diversificados, pois as soluções só aparecem se pudermos problematizá-las. A escola é um espaço potencial de aprendizagem, e isto se aplica a todos que nela convivem. Todos aprendem o tempo todo e isso envolve situações-problemas. Encontramos comumente professores com dificuldades diante de sua classe, e alunos com sentimentos de impotência e de solidão.
Jacques Delors (1999), político europeu, em seu relatório sobre a Educação para o Século XXI definiu os quatro pilares da educação que devem ser contemplados no espaço escolar, são eles: aprender a conhecer, a fazer, a viver junto e a ser.
              Assim, pensar a escola como um lugar que respeita as diferenças, que busca estratégias de ensino e aprendizagem através do coletivo, de parcerias na saúde, no lazer, nas comunidades, na política é uma forma de ir além da falta e olhar para as possibilidades que, sem dúvida, nos remetem a mares revoltos, mas também à condição de planejar rotas, escolher portos seguros, enfrentar as incertezas, encontrar diferentes saberes e pessoas, seguir em frente em busca de novos ou melhores caminhos. Com isso, todos certamente poderão aproveitar a viagem e aprender a ser, que é o quarto pilar da educação.
Fazemos parte do Fórum sobre Medicalização da Saúde e da Sociedade, uma entidade formada por voluntários de diversas áreas, dentre as quais: a antropologia, fonoaudiologia, medicina, pedagogia, psicologia. O objetivo desse movimento, entre outras coisas, é debater com toda a sociedade, principalmente, com os profissionais da educação e da saúde, questões como o aumento exacerbado de diagnósticos de supostos transtornos relacionados ao não aprender, bem como os respectivos tratamentos com medicamentos psicotrópicos ministrados, de forma banalizada e inconsequente, a crianças e adolescentes. É importante destacar que eles se encontram em processo de desenvolvimento e os efeitos desses medicamentos podem  comprometer a saúde, além do risco da drogadição.
Para nos encontrar e saber mais sobre o trabalho que realizamos é só acessar o site www.medicalizacao.org.br, inclusive será possível baixar as “Recomendações de práticas não medicalizantes para profissionais e serviços de educação e saúde” para orientar profissionais da educação e saúde.
Você também pode fazer parte desse movimento, basta acessar o site, assinar o manifesto e comparecer às reuniões.