Desafios da Rede Cegonha

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Retorno a essa rede alguns meses depois de ter tentado disparar um processo de troca sobre os fóruns perinatais que já ocorreram no país com a intenção de compartilhar a maneira como aconteceu nosso Fórum da Rede Cegonha em SC.

Tentamos participar como coletivo e controle social da organização de nosso fórum mas o grupo condutor acreditou que essa seria sua função de gestão e apesar de aceitas nos espaços inicialmente, não pudemos contribuir com sua construção.

Percebemos como é preciso avançar no modelo de escuta construído para que ele possa privilegiar verdadeiramente o debate a partir das realidades de cada local. Nosso fórum foi estabelecido no modelo de palestras e mesas, com muito pouco tempo para debate. Mesmo assim e talvez justamente por isso foi possível evidenciar quanto caminho temos pela frente…

O representante convidado do controle social, representante do Conselho Estadual de Saúde, mostrou sua falta de compreensão sobre o tema, comparou a vagina da mulher a um "parque de diversões" e fez uma platéia pasmar, diante de tamanho machismo, e sofrer, com a demonstração do esvaziamento e despolitização dos espaços "burocráticos" de controle social. Recebeu no comentário de Clair Castilhos após sua fala um cutucão: "pois vejam, basta saber de cor esse bando de siglas (se referindo às siglas do SUS) para se tornar conselheiro de saúde vitalício…"

A fala de um gestor local, diretor de maternidade que pretende ser "modelo" para a Rede Cegonha, disse que não ia falar, mas no fim falou: que não acreditava nesse "negócio" de parto humanizado, que não se comprometia com a implantação do Centro de Parto Normal em "sua" maternidade e enfim, que não acredita no modelo proposto (apesar de ter assinado compromisso e já esteja recebendo recurso por ele).

Clair Castilhos, secretária executiva da Rede Feminista de Saúde problematizou a Rede Cegonha e o que o movimento de mulheres considera uma redução de um projeto integral de saúde da mulher para uma priorização da saúde materno infantil mas se mostrou parceira para estabelecer diálogo por entender que o tema da humanização do parto também seja um interesse do movimento feminista, apesar de não ser sua prioridade.

Sônia Lansky representando o MS apresentou o modelo e resultados do Sofia Feldman em BH e do que uma cidade consegue fazer quando há vontade política, planejamento, comprometimento e controle social atuante. E também inseriu a discussão sobre a necessária regulação, via ANS, da atuação dos planos de saúde no que se refere à taxas de cesareana e demonstrou com como esse é um problema que se reflete em morbi-mortalidade perinatal e materna.

Entendemos  que a discussão sobre mudança de modelo só começou e que a implantação de Centros de Parto Normal encontra um longuíssimo caminho à frente. A reorganização do serviço de um modo-de-ser trabalho para um modo-de-ser cuidado é desafio para a saúde de maneira geral mas ponto de partida para qualquer debate sobre como mudar a assistência ao parto.

Acredito ser imprescindível que haja uma articulação entre um movimento que nasce nas camadas médias (organiza marchas, sai às ruas em defesa de profissional da humanização perseguida) com a tentativa de re-organizar nosso modelo de atenção ao parto no SUS. Esse movimento poderia se inserir nos espaços de controle social, a começar pelas conferências de saúde que acontecem no ano que vem, para que possam ali se deparar com mulheres usuárias do sistema de saúde, profissionais de saúde e entender suas vivências, suas necessidades, dilemas.

Temos acompanhado o movimento em Campinas que organizará seu Fórum pela Humanização do Parto e Nascimento de forma independente. Controle social politizado chamando a gestão do município, do governo federal, profissionais e usuárias para o debate. Movimento que poderia se multiplicar dado o número de "ativistas" e "militantes" envolvidas com o tema país afora.

Temos dúvidas com relação a como se dará a fiscalização da implementação de Centros de Parto Normal, como garantir a participação do controle social nos grupos condutores locais?

Sônia Lansky em sua apresentação fala sobre o fenômeno da migração de mulheres em idade reprodutiva para planos de saúde para garantia de cesárea eletiva. Acredito que o SUS se fortalece garantindo assistência ao parto de qualidade e respeitosa. Mas se perdermos o bonde, em breve, a migração de pacientes se dará em busca do Parto Humanizado (que está nas telinhas, telões e bancas de revista) e tudo bem, teremos uma Reforma, mulheres parindo com dignidade mas pagando por isso…mas teremos perdido a oportunidade de fazer Revolução, mulheres assistidas dignamente no nosso SUS.

 

Halana Faria

Médica Obstetra

Coletivo Parto Plural – Florianópolis