Análise do trabalhador em saúde nos referenciais da humanização e do trabalho como relação de serviço.

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O texto busca salientar a importância para a análise do trabalho em saúde, enquanto ferramenta e estratégia essencial nos referenciais da humanização e do próprio trabalho como relação de serviço. O autor busca conceber o trabalho como atividade e como relação de serviço, onde os sujeitos são os trabalhadores no contexto do processo de trabalho e as relações estabelecidas no\com processo produtivo. A humanização se torna assim, um campo teórico-metodológico, onde mantém como estratégia essencial – operar com o chamado Apoio Institucional – junto aos serviços de saúde. Nessa perspectiva, a PNH constrói eixos e dimensões analíticas na busca de articular alguns objetivos importantes, tais como: subsidiar a implementação da prática das análises coletivas; fomentar a participação ativa dos trabalhadores como sujeitos dessas atividades e;  fomentar o aumento de sua capacidade de análise e de intervenção em seus processos de trabalho. Com essas análises busca-se mudanças nas práticas de saúde, nas relações e subjetividades, numa permanente construção de autonomia e corresponsabilização com a transformação da realidade de trabalho e de si  mesmo.
A Política Nacional de Humanização (PNH), que foi implementada em 2003, e vem tomando uma proporção significativa quanto aos interesses dos pesquisadores em aprofundar esse tema como política pública, está estruturada em um conjunto de princípios, diretrizes e dispositivos, entendendo-se como princípio o que sustenta e dispara um determinado movimento na perspectiva de política pública, sendo três constituintes desse princípio: o de transversalidade, o de indissociabilidade e a afirmação do protagonismo e autonomia dos sujeitos. Importante esclarecer a importância de cada um desses princípios dentro do contexto do trabalho em saúde. A transversalidade, indica os padrões de relação e comunicação entre os sujeitos (trabalhadores, gestores e usuários) envolvidos na produção de saúde; a indissociabilidade, acontece entre a atenção e gestão, relação inseparável entre modos de cuidar e modos de gerir;  e por fim, o protagonismo e autonomia dos sujeitos, que implica em atitudes de corresponsabilidade nos atos de gerir e de cuidar. Falando um pouco das diretrizes, estas são compreendidas como orientações específicas da Política, nos sentidos da cogestão e do fomento à construção de coletivos e redes de compromissos em torno dos direitos dos usuários e valorização dos trabalhadores . E finalmente, por dispositivos, entende-se a tradução dessas diretrizes em arranjos de interferência nos processos de trabalho. Uma diretriz estratégica que pressupõe a ampliação dos espaços públicos e coletivos, que viabiliza o exercício do diálogo, a inclusão dos diferentes sujeitos no processo de avaliação, tomadas de decisão e construção compartilhada de conhecimentos e intervenções, é a cogestão. A cogestão, facilita a comunicação e a intercompreensão entre os sujeitos envolvidos nesse cenário. Nessas concepções abordadas acima, entende-se que a PNH tem como finalidade maior estar em meio aos processos de trabalho, produzindo um olhar diferente nas relações instituídas, instigando novas composições, outras possibilidades de ser e trabalhar no âmbito da saúde, inventando e reinventando o local de trabalho e a forma de se visualizar dentro desse contexto.
Dentro desse contexto da PNH, que aborda temas como gestão, cogestão, transversalidade, indissociabilidade, corresponsabilidade, apoio institucional, dentre outros, não podemos esquecer uma palavra chave que facilita e acarreta em uma maior assertividade na prática desses princípios e diretrizes, que é a mudança, mudança de pensamento, mudança de comportamento, que traz um olhar diferenciado na forma de ser e de fazer saúde. A proposta da Política é transformar o sujeito dentro do seu contexto de trabalho de forma individualizada dentro de um coletivo, propondo que essa transformação seja também pessoal; onde a autonomia e corresponsabilização esteja em permanente construção. Segundo Serafim, "a humanização, tal como indica a PNH, efetiva-se nas práticas em saúde a partir delas, ou seja, das formas como estamos e agimos no cotidiano dos serviços".
A estratégia de Apoio Institucional, qualificado no sentido de intervenção para ajudar as equipes a por o trabalho em análise, usando a intervenção como um caminho para a exploração dos sentidos do trabalho na vida dos sujeitos\trabalhadores, associa-se aos princípios e diretrizes da política, tornando-se estratégia essencial para a metodologia que propõe a análise de trabalho. Essa análise coletiva de trabalho torna-se importante para possibilitar a exploração de indicadores (analisadores) focando nos grupos  e não no sujeito em si de forma individualizada, fomentando uma capacidade de alterar as relações de confiança, sendo a base para aumentar a comunicação e o aprendizado da cooperação. Essa análise coletiva na realidade é a capacidade de ajuda instituída no trabalho em grupo. Sendo compreendido esse espaço de trabalho como coconstruído pelos atores que estão em cena, e cada um compreendido como gestor de seu próprio fazer, onde é necessário que cada um e todos possa gerir as variabilidades que o meio apresenta.
Referenciando ao que diz Zarifan, que postula que a organização do trabalho como uma "relação de serviço" ou " produção de serviço" é, necessariamente uma arena de interação de recursos e pessoas, aprendendo com o próprio fazer e gerando resultados (mudanças) que sejam considerados válidos. Ele aborda que só podemos falar em produção\relação de serviço se houver também a produção de mudança como transformação na vida dos sujeitos, em suas "condições de atividade", onde a ideia de utilidade se faz presente. Podemos perceber que o processo de mudança é fator preponderante, para uma maior efetividade dessa transformação proposta pela Política, que acredita na singularidade dessa transformação interior e também dentro do próprio cenário de trabalho, gerando uma transformação na forma de olhar  o contexto e a realidade ao qual se está inserido. O trabalho só pode ser visto como prestação de serviço, onde ocorre realmente uma interação que é gerado por mudanças, quando há uma troca de experiências, produzindo um serviço útil\válido e porque não dizer transformador para os trabalhadores e usuários. Onde a individualidade não tem espaço nesse cenário, caso exista, não acontecerá a integração.
Para finalizar, seria interessante abordar alguns entraves existentes dentro dessa contextualização sugerida pela Política de Humanização. As culturas institucionais enraizadas, por exemplo, dificultam uma abordagem diferente e mais humanizada na prestação de um trabalho em rede, onde o coletivo é primordialmente importante na avaliação e análise coletiva. Precisa-se haver a compreensão de que trabalho e trabalhador realizam-se e transformam-se simultaneamente, não dá para desmembrá-los, onde suas experiências concretas ajudarão na transformação desse cenário. Porém, muitas vezes torna-se distante a realidade institucional na busca para uma assertividade dos eixos propostos. A burocratização de alguns serviços de saúde, como por exemplo o uso de protocolos e metas, tornam o trabalho mecanizado, onde vive-se um conflito entre quantidade e qualidade dos serviços prestados. Um conflito também entre o modo de agir dos gestores locais entre lidar com a burocratização e a equipe de trabalho, buscando suprir a dois senhores que não se compreendem em sua realidade. O processo de produção em saúde, é complexo, com contradições e desafios. O objetivo maior e também um grande desafio é levar o trabalhador à postura de observador\investigador de seu próprio trabalho, entendendo seu papel como protagonista desse processo. É com a construção e integração de todos (trabalhadores, gestores e usuários), que a Política Nacional de Humanização, como Política pública, encontrará seu papel definitivo dentro do Sistema Único de Saúde.