“O Financiamento Social da Medicina”

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"Coloca-se para os médicos o seguinte problema: qual é o destino do financiamento social da medicina, do lucro derivado da saúde? Aparentemente esse financiamento passaria para os médicos, mas não é o que de fato acontece. A remuneração recebida pelos médicos, por importante que seja em certos países, nada representa em meio aos benefícios econômicos derivados da doença e da saúde. Os grandes lucros da saúde vão para as empresas farmacêuticas. Com efeito, a indústria farmacêutica é sustentada pelo financiamento coletivo da saúde e da doença, por mediação das instituições de seguro social que obtêm fundos das pessoas que devem obrigatoriamente se proteger contra as doenças.
Se esta situação ainda não está bem presente na consciência dos consumidores de saúde, ou seja, dos assegura- dos sociais, os médicos a conhecem perfeitamente. Estes profissionais, cada vez mais, se dão conta de que estão se convertendo em intermediários quase automáticos entre a indústria farmacêutica e a demanda do cliente, quer dizer, em simples distribuidores de medicamentos e medicação."

Crise da medicina ou crise da antimedicina.
Michel Foucault
Verve 18: 167-194; 2010

Uma leitura de Michel Foucault, compartilhada por Altair Massaro, e transcrita acima, ajuda a aprofundar a reflexão sobre o processo de mercantilização da vida.

Se uma evidência é percebida de fontes diferentes e não interligadas, ela expressa algo mais que uma mera interpretação. Que a complexidade das ações de saúde envolvem ações multidisciplinares, já é um consenso estabelecido. Para usuários e trabalhadores é uma questão de segurança. Mas também implica em uma postura ética. Pois trata do lugar humano nas relações de troca. A consulta médica é parte de um complexo arsenal de recursos na promoção e recuperação de uma condição saudável.

O trato corporativo e o uso de reserva de mercado para evitar a proletarização da medicina, tem tido uma série de efeitos práticos. No entanto, a massificação de biopolíticas do corpo e da saúde são parte de um movimento tectônico mais profundo do que as estratégias corporativo-profissionais.

Assim, verificamos o curioso refluxo da estratégia corporativista. Ao tentar centralizar no médico um processo complexo, o efeito tem sido a instrumentalização da prática profissional em favor dos lucros da indústria farmacêutica.

O direito ao cuidado em equipe ajuda a contrapor essa redução das necessidades humanas em saúde. Nenhum de nós anseia ser reduzido a um sintoma nem reduzir suas necessidades a um conjunto de substâncias.

Mas então, todo o recurso de cuidado será apenas mais um entre outros tantos. Nenhum é subordinado ou descartável. Não somente água ou alimentos, mas também ar e tudo o mais. O cuidado de humanos para humanos não se equaciona na funcionalidade do corpo ao sistema de trocas de mercadorias e bens monetários. O corpo e a vida não são elementos do sistema de conversão de valor monetário e mercadoria.

A ideia de que cada um tem o direito de ser cuidado por uma rede de equipes responde ao risco de que a vida seja colonizada e a subjetividade transformada em mercadoria.