Desejar de Giorgio Agamben

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I

“ – Ouça com atenção essa Sentença!”
Gritou em tom sarcástico o filósofo-toupeira [1]  ao Homem da sanguessuga [2] que caminhava impávido.
“ – Desejar é a coisa mais simples e humana que há.”
O Homem da sanguessuga parou, regurgitou, calou, sentou e observou sua produção do mesmo modo que Narciso observou seu reflexo.

II

Desejo é palavra – Quando queremos algo, já filhotes, buscamos-lho. No estender das mãos, alcançamos, ou não, aquilo que ansiamos….o desejo não é o ansiar, nem o querer e nem o alcançar…mas é tudo aquilo que está no ansiar, no querer e no alcançar {ou não….} São as relações de nós, humanos, com o fora de nós e, ao mesmo tempo [e fora dele, do tempo] desse fora com nós, sendo tudo, fora e nós, dentro mesmo do próprio desejo que está no meio. O desejo está nas relações e é as relações; a teta na boca, lançando o primeiro colostro, é já uma produção do desejo e é o desejo que se faz; o menino ou a menina enche a pança de leite, esquenta a bochecha, tateia o peito e coça o céu da boca; e a mãe também se enche, de outras substâncias, etéreas, pois sentimentais e existenciais, que vai passando à criança, à medida que se comunica com ela. A palavra, dita, apenas compõe o desejo, mas não lhe é suficiente e nem necessária. No desejo, a palavra dita, composta por letras, pode não estar diretamente…..mas, mesmo assim, palavra há de haver, não de letras compostas e traçadas, mas na comunicação que se pode tirar de todas as relações, mesmo aquelas que pra se comunicar não se fazem, mesmo naquelas que não são codificadas; mas só se sabe disso, da comunicação, depois de codificadas. As comunicações são codificadas e são já codificações, as palavras são codificadas e codificações já. Codificar é transformar em palavras (ou outros símbolos que pressupõem as palavras), usando-se de palavras, mas não somente isso. Codificar é se relacionar também…nossas relações são, se não todas, a maioria, codificações, pois compilam informações, e codificadas, pois transformadas também em normas que, juntamente, formam nossos códigos de conduta…o mais impressionante é que nossas relações codificam também, ou seja, produzem as tais normas que, em conjunto, formam nossos códigos. O próprio desejo é, pois, norma codificada que codifica e é codificada….toda codificação pressupõe a palavra, mesmo que seu produto seja por signos; esses também pressupõem as palavras. O que nos leva ao título dessa apresentação: o desejo é palavra. Ou, como nos diz Agamben: “desejar é a coisa mais simples e humana que há.”

 

III

O Napalm Sistema de Som aventurou-se nos precipícios do Desejo e destilou em seus sintetizadores analógicos ruídos animados para contemplar esse conceito tão caro à Psicologia, à Psicanálise, à Psiquiatria e aos seus complexos derivados contemporâneos. No aforismo – Desejar –  Giorgio Agamben dá a partida no motor da dimensão subjetiva usando como combustível a perspicácia do olhar nietzschiano. Imagem & Discurso tencionam & produzem nossos mais secretos & humanos movimentos. Nesse sentido – cabe salientar – que a produção do desejo torna-se uma eficaz estratégia de poder no saber-fazer dos escultores da sociabilidade.

 

Créditos

Pequena Fábula Imoral I – César Gustavo Moraes Ramos
Aforismo II – Victor Melo
Apresentação III – César Gustavo Moraes Ramos
Trilha – Napalm Sistema de Som

Referências

AGAMBEN, Giorgio. Profanações; tradução e apresentação de Selvino José Assmann – São Paulo: Boitempo, 2007.

DELEUZE, Gilles. Nietzsche – Lisboa: Edições 70, 2007. pg 38

PREBISCH, Lúcia Piossek. Interpretação: arbitraridade ou probidade filológica? Tradução de Wilson Antonio Frezzatti Jr. In:  MARTON, Scarlett [org]. Cadernos Nietzsche nº 12 – São Paulo: 2002. p. 92

[1] Lúcia Prebisch utiliza o termo “ filósofo toupeira” para designar aquele que “escava até chegar aos fundamentos ‘humanos, demasiado humanos´ de nossa concepção ocidental moderna do mundo”. Na tradução de Wilson Frezzatti optou-se por utilizar o termo “filósofo tatu” para evitar os sentidos pejorativos, todavia nessa pequena fábula imoral  preferimos manter o conceito original “topo” em espanhol. 

[2] Deleuze trabalha esse conceito na sua obra intitulada Nietzsche lançada originalmente em 1965.

 

Publicação original: (En)cena a saúde mental em movimento