Papiros da Rede Afetiva em Caixa de Música: Comunicação Pós-moderna

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  Dia 25 de novembro ultimo, vivi uma passagem que muitos de vocês que aqui lêem já passaram, ou provavelmente vão passar algum dia. Foi o dia da minha defesa de mestrado; sempre uma experiência única para cada um. Me chamou a atenção que antes mesmo desta data, eu já recebia muitos parabéns e desejos de luz, tranqüilidade, boa sorte, serenidade, otimismo e vivas. Lembrei-me do meu casamento, também do divórcio, e anos depois de quando minha filha nasceu (hoje 17), em termos da intensidade e volume de mensagens; mas não sei se pelas facilidades da Internet, desta vez as mensagens foram mais numerosas. Algumas me tocavam mais, e eu que valorizo muito os rituais simbólicos pessoais, onde se cultiva coisas boas que nos fazem bem, fui salvando em uma folha única as mensagens mais queridas, comentários mais significativos sobre este tema pessoal tanto quanto profissional; reuni até mesmo mensagens mais antigas, de outubro para cá …e deu duas páginas. Tinha a viagem para João Pessoa, e o vestibular seriado da minha filha antes do dia da defesa, ambos lá, na Universidade Federal da Paraíba. Viajei, sem ter tido tempo de imprimir as duas folhas de mensagens queridas, as quais porem estavam no notebook junto com os slides da apresentação. Ensaiei tanto para conseguir falar, pelo menos uma vez na vida dentro dos 20 minutos, que nem deu tempo de reler os desejos auspiciosos dos meus amigos e “apoiadores” que reuni nessas duas páginas, para imprimir… Mas… eis que … outras mensagens chegam de ultima hora, na forma de papiros virtuais, escondidos em um bauzinho musical, digo, uma caixa de música dessas onde se guarda anéis e batons. Embarcados na criatividade da Jacqueline estavam Erasmo, Cláudia Matthes, Patrícia, Ricardo (“o nosso”),a própria Jacque, e daqui de Natal, a Teresa, a Lurdinha, e a Ana Carla.
Já imbuída dos desejos das mensagens mais tocantes das duas páginas (síntese de emails importantes) de algumas destas pessoas e outras mais, eu realmente não esperava aquele embrulho vermelho e grande, minutos antes da defesa. Daí que no pátio verde da cantina do campus da UFPB onde tudo começou no verão de 2007, entre o coral das cigarras e a mata atlântica da reserva florestal, eu com aquela ligeira ansiedade que nos deixa meio que no ar, fui tomada por uma outra realidade que me  trouxe serenidade e fundamento, em raízes mais profundas… Algo assim, fundante e calmante: Primeiro quando vi que tratava-se de uma caixinha de música, já foi surpreendente por si só, o que trouxe uma alegria radiante que percorreu o tempo em segundos a me lembrar uma antiga época, e pensei: Que engraçado, tive que fazer mestrado para ganhar uma caixinha de música, que sempre esteve em minha lista de presentes quando eu era criança !!? Daí, enquanto eu divagava nessa curiosidade, Jacque abre a segunda tampa, e lá estavam rolinhos brancos, com novas mensagens de e-mail, o que chamo aqui  “os papiros virtuais” … Cada rolinho de papel, representava uma pessoa ou duas: Erasmo falava sobre o momento em si da defesa, do ritual em seu significado, e do que mais importa nisso tudo, e para além de tudo … Liiindo !!! Havia pelas meninas e gurias palavras sobre o Minuano, sobre a Loucura no centro da roda, sobre a força e apoio dos coletivos que vem acontecendo aqui em Natal; e sobre a dança singular, por Ricardo.
Assim, de forma surpreendente e trans-temporal estas mensagens e a música me relaxaram, me apoiaram, e me fizeram Calma e Confiante … Quebraram toda aquela ligeira tensão que se guarda frente a uma Banca. Todos os comentários de vocês, cada um com sua singularidade, me comoveram (co-mover= mover com) imensamente naquele momento pré-banca,… daí que movendo-me com voces, passei a me mover serenamente na sala da defesa, numa outra atmosfera emocional e cheia de endorfinas relaxantes, penso agora…. sendo assim de certa forma, a banca e  a pompa ficaram realmente secundários diante de tanto apoio e afeto participativo, e de uma forma tão inusitada, potente e terna de alegria e carinho de amigos presentes, a vencer distâncias.
Alí estavam “afetos virtuais nas redes afetivas das neo-tribos pós modernas”, no dizer de Maffesoli, ou seja, afetos virtuais humanamente verdadeiros de amigos da RHS que reuniram-se guardados e expressos através de um antigo costume e adôrno “tradicional", como uma caixinha de música ! Detalhes da imagem enquanto eu olhava a caixa: atrás de mim na bolsa, está o notebook, o pen-drive, e todos estes nossos adornos pós- modernos, que nos permitem construir a rede de afetos éticos e estéticos, ao longo do tempo na RHS  por um sentimento em comum, o sentimento “susista”, que também nos faz descobrir muitas outras afinidades e valores que se retro-alimentam … daí que, por estas mesmas tecnologias acontecem resgates de simbologias tradicionais, quase ancestrais, que chegaram a povoar a fantasia infantil de quem já está nos 40, como expressão afetiva !! AMEI a Rede Virtual dentro de uma Caixa de Música !!! Tecnologias trans-temporais !!! reunindo pessoas especiais do RS-RN- SC- SP e CE !!!
Não posso deixar porem, de mencionar a contextualização teórica desse momento, incluindo seu encanto, com a Sociologia Compreensiva de Michel Maffesoli,  nas ondas antropológicas do Imaginário do cotidiano pós-moderno, que nos embalam nestes fenômenos da comunicação contemporânea, ressaltando simbólicas singulares carregadas de afeto e amizade aqui presentes, em cada recado que foi digitado, enviado em segredo ao email de Jacqueline, impresso e transformado em pequenos papiros !!!
 

Vejam então: Michel Maffesoli, enquanto Sociólogo do cotidiano discute a contemporaneidade de forma provocativa, levantando questões da pós-modernidade, e nuances que se mostram no dia-a-dia das relações sociais; e assim aborda temas como a formação de tribos, a violência, a solidariedade orgânica, a efervescência social, a tecnosocialidade, a força da imagem e do imaginário, a ética da estética e dos afetos no fenômeno que chama socialidade.
Em 03 de Novembro ultimo, Maffesoli foi destaque da abertura do “10 Seminário Internacional da Comunicação”, organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC-RS em conjunto com a Universidade René Descartes Paris V/Centre de l”Étude sur l”Actuel e le Quotidien. A atividade teve como tema central “Comunicação e Imaginário”. Durante este Seminário realizado em Porto Alegre, o professor Michel Maffesoli foi nomeado Doutor Honoris Causa da PUC-RS. O coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, Juremir Machado da Silva, que foi orientado por Maffesoli em mestrado e doutorado realizados na França, afirmou que a Sociologia Compreensiva é capaz de “conciliar inconciliáveis, valorizar a diferença e celebrar a vida no cotidiano”.
Maffesoli destaca a liberdade de pensamento, a valorização do cotidiano, e a importância do imaginário e da comunhão em redes sociais. Para ele, o filósofo contemporâneo não precisa odiar o mundo em crise, podendo ser aquele que descobre, provoca, desvela, faz a vocação de algo aparecer, no que remete ao re-encantamento desse mesmo mundo. Para Juremir Machado, na Pós-Modernidade, "onde os outros destacam o isolamento, enxergamos o encontro". Para Michel Maffesoli, "pós-moderno é unir o arcaico com a tecnologia de ponta".

“A terceira e última saturação da modernidade é epistemológica.

Há um retorno do sensível, do corpo e da intensidade, só  que  de forma difusa. É mais vivido do que pensado.

É uma idéia de criatividade da existência. Noção de criação da vida como obra de arte e da estetização da vida social. Estética é o compartilhamento de emoções (quaisquer que sejam). Assim temos um outro laço social em jogo. A rebelião do imaginário é interna. Se há uma força interna contra uma sociedade racionalista, é pelo fato de haver uma (re)ligação com forças arcaicas e naturais. Meu aporte é encontrar a terra fértil na vida cotidiana.”
                                                                              Maffesoli, 2005.

 Assim, encerro este post afirmando meu sentimento de que a Rede HumanizaSUS em todos os seus desdobramentos, tem sido terra fértil na vida cotidiana de muitos de nós, nos momentos plurais da existência, de forma inusitada, transbordando assim as fronteiras do cotidiano do SUS, com  saúde e vitalismo. Este é o início de alguns posts que se seguirão, no tema da minha dissertação de mestrado: " Potências Antropológicas do Imaginário na Atenção Básica em Saúde Mental: Simbólicas Singulares & Danças do Cotidiano", onde falarei mais acerca de Maffesoli, Gilbert Durand, Carl Gustav Jung, Felix Guattari, e outros em torno da questão da Imaginação Simbólica, e das imagens e símbolos singulares, como potências instituintes de mudança, em lugar dos agenciamentos ideológicos das imagens, que nos assaltam a todo momento.

REFERÊNCIAS-

MAFFESOLI, M. Resumo do seminário especial Metodologia, Epistemologia e Pós-modernidade: Sociologia Compreensiva, Razão Sensível e Conhecimento Comum. Ministrado pelo Prof. Dr. Michel Maffesoli, de 08 a 11 de maio de 2005, na PUCRS, por iniciativa do PPGCOM. Dados coletados: Eduardo Portanova Barros (bolsista CNPq). Revisão: Luiz Maurício Azevedo (bolsista CNPq)- 2005

MAFFESOLI, M. A terra fértil do cotidiano. Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 36 • agosto de 2008.

Parceria: Ministério da Cultura, Ministério das Relações Exteriores, TV5Monde, Ubifrance, Aliança Francesa, CulturesFrance, TV Brasil, SESC, SESC SP.Realização: Governo Federal do Brasil e República Francesa. Assessoria do Ano da França no Brasil: Entrelinhas Comunicação. Contatos: (11) 3066-7700 e [email protected]
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