Intervalos para a eternidade.

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Há intervalos para a eternidade entre os instantes.

Passei a maior parte de minha vida pensando neles. Esta tem sido a maneira que encontrei de evitar cair, por ora, nesses interstícios.

É verdade que o tempo está ficando mais curto. Os intervalos para a eternidade estão mais pequenos. Porém, não menos notáveis. Temos logrado protelar a incontornável e derradeira queda por mais algumas décadas. Estamos vivendo mais tempo. Vemos mais gente velha em todos os lugares. É mais raro que elas tropecem e caiam por estes intervalos. Então, podemos encontrar pais e filhos jovens que parecem irmãos e igualmente, duplas de idosas que na verdade são mãe e filha. Não nego que muitos jovens, especialmente os pobres, despenquem por esses intervalos, dissimulados que se ocultam entre os instantes eufóricos, nas madrugadas de juventude.

Num tempo esquecido, em que as tardes da alma eram intermináveis, os intervalos para eternidade eram vastas armadilhas que impediam o crescimento da população do mundo. Febres e diarreias matavam mais de um terço de todas as crianças, a fome e os predadores, outro terço. E os que chegavam a vida adulta poderiam morrer de um simples ferimento, em decorrência de um inverno prolongado, de chuvas escassas ou excessivas que arruinassem uma única colheita. Ser assassinado era a norma. O abandono quando doente ou debilitado, uma forma de aliviar o fardo da família e da tribo.

Os tempos antigos, mais lentos e dilatados, permitiam que os intervalos para o infinito levassem as pessoas antes ainda dos 35 anos. Essa antiguidade se perde em nossa memória e podemos dizer que era assim no mundo todo há 10 mil anos. Mas também é verdade que ainda se via um tempo desenrolando-se lentamente em muitas partes do mundo há apenas cerca de cem, cento e cinquenta anos. Agora, quase não restam lugares onde o tempo passe lentamente.

Hoje, vivemos rodeados de narrativas de quedas nesses intervalos assustadores que ameaçam carregar nossa ínfima finitude para a eternidade silenciosa. Ligamos a TV, nos conectamos a uma rede social, espiamos um vídeo na tela negra de nossos Smarthphones e lá estão eles: Uma bala perdida em um tiroteio na periferia; uma distração ao atravessar a rua, em uma faixa de segurança; uma colisão num cruzamento; uma nova doença contagiosa, aguda ou crônica; o débito dos créditos de nossos hábitos sexuais, alimentares e de lazer; a ira insana de um parente ou amigo; um acidente por imprudência, ou mesmo um esquecimento…

E entre todos os milhões que sabem falar e ouvir, não encontraremos um único que não saiba, não tenha ouvido ou lido, que perdemos para o nada eterno uma criança de colo presa no banco de traz de um carro estacionado sob o sol.

O tema de toda a literatura, cinema, teatro, música, de todo entretenimento, mas também daquilo que é, mas não é apenas distração, como notícia, engajamento político, hábito e filosofia de vida, tudo enfim se relaciona de uma forma direta, indireta, sutil ou ostensiva com a forma de lidar com os intervalos da eternidade que saturam o tempo. Sempre presentes, eles sustentam a arquitetura da existência ao mesmo tempo em que são a substância que dissolve o tudo que existe, no nada. Fundação e fundamento, onde tudo desaba para silenciar e tornar eterno cada passo que tenhamos ousado dar ou que, por um segundo de hesitação, não aconteceu jamais.

O medo que nos assalta, entre a porta da geladeira e o leito aquecido em que ousamos adormecer é a certeza de que iremos, mais cedo ou mais tarde, cair em um intervalo para eternidade.