“House of Cards” no sistema de educação brasileiro.

11 votos

lua_2_0.jpg

Prática e discurso na valorização do professor e da educação.

A questão da remuneração dos professores é mais significativa em seu aspecto simbólico do que no aspecto econômico. Claro que é desejável que os professores, em início de carreira no Ensino Fundamental e Médio, componham a parcela de renda de classe média (isso implica em obter proventos na ordem dos 50 mil dólares por ano). Mas o efeito de um nível mais elevado de remuneração não seria revolucionário apenas por permitir um padrão elevado de consumo e conforto para os professores. Uma sociedade capaz de organizar seu orçamento para pagar aos professores um salário dessa ordem, teria uma hierarquia de valores, de fato muito diferente da nossa.

As diferenças econômicas entre professores nos diversos níveis de ensino, compõem uma pirâmide que vai do início, onde lecionam os professores do Ensino Básico, até o topo onde estão situados os professores de Pós-graduação e pesquisa nas grandes universidades públicas e privadas brasileiras.

A grande distorção desse fenômeno de desigualdade interna é que ele perverte o discurso de valorização da infância e da sinceridade de nosso compromisso com as gerações futuras. No mundo real, quando mais distante das crianças e seus sintomas, das crises na família, da falência da vida comunitária e da guerra civil imposta pelo crime organizado nas grandes cidades, mais os professores recebem pelo trabalho de ensinar.

Ou seja, entre os trabalhadores em educação se resolve a questão imediata do padrão de vida (e da detenção de capital simbólico) na proporção inversa em que se distanciam do perfil majoritário dos alunos em nosso país: crianças e adolescentes do Ensino Básico. Na prática, a situação de quem trabalha nos níveis iniciais é caótica. Quanto mais vulnerabilidade sócio-cultural e econômica, maior o desgaste cotidiano a que os professores são submetidos e menor sua remuneração.

Essa situação desvela o fato de que nossa sociedade é mesquinha o suficiente para colocar as necessidades de adultos que, bem ou mal, sobreviveram aos percalços e riscos da infância, em primeiro lugar. Mas o ponto é que são adultos muito específicos que têm benefício com esse característica sócio-cultural: os detentores do capital simbólico e monetário no campo da educação.

Atualmente é possível chegarmos à conclusão de que há mais recursos públicos financiando a educação universitária do que o investido na educação infantil, fundamental e média. As crianças em idade escolar ainda são demograficamente maioria. E, muito provavelmente, estaremos em sérios apuros quando a maioria da população consistir em anciãos solitários e desamparados.

Esse modelo de prioridades de investimentos na educação revela um imediatismo que permite desacreditar no futuro a ponto de pilharmos os recursos públicos que deveriam prover a qualidade de vida das próximas gerações. Isso é uma forma perverter, no orçamento e nos gastos públicos, o discurso que sustentamos, em teoria, sobre a importância do ensino e da educação para as gerações futuras.

Essa desigualdade na parcela dos impostos destinados à educação (e, também, na distribuição dos recursos já orçados para o sistema educacional) serve aos interesses dos que detém as cartas de maior valor no jogo de poder simbólico e monetário. O argumento de que a desigualdade salarial é um expediente dos melhores aquinhoados para prover suas famílias e seus filhos, piora ainda mais o cenário. Nossos filhos não estarão melhores em um mundo ainda mais desigual do que o nosso já é.

O poder e o dinheiro se articulam e não se abandonam jamais. Quer saber os valores inconfessados que pervertem a ética dos discursos sobre educação: Follow the Money (siga o dinheiro). A distinção acadêmica é um tipo de capital. A disputa por ele pode ser tão sombria quanto as disputas de poder que conhecemos nos meios onde política, crime organizado e interesses empresariais arranjam suas cartas.

A questão não é desejar que os professores universitários devam ganhar o mesmo, ou menos, que os professores do ensino básico. Não se trata de comparar as complexidades inerentes a cada prática de ensino ou mesmo de desvalorizar o trabalho em pesquisa.

O fato é que a diferença é um sintoma. Ela aponta para determinantes sócio-culturais e históricos. Especialmente, a presunção de que em determinadas formas de complexidade prática e teórica se esconde a verdade. Esse mito, detestável, aprisiona o senso comum numa redoma que lhe impede de usar evidências e experiências – o método científico – em suas vidas cotidianas porque o suposto saber está distante da realidade. E, suprema iniquidade, por isso é muito bem remunerado.