Religião não se discute?

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O Natal está chegando. Calma! Não vou ser mais um a colocar mensagens de felicitações tão comuns nessa época. Existe muita gente mais competente do que eu para isso e, afinal, a internet está repleta de árvores piscando, powerpoints repletos de otimismo e muito papai-noel voando com suas costumeiras renas.

 

Mas gostaria de falar sobre um clima que foi sendo gradualmente perdido. O mercado devorou lentamente o significado religioso do natal e hoje, na maioria dos lugares, transformou-se numa desculpa para trocar presentes no embalo da realização de lucros do mercado. É o momento de desencalhar os estoques e vender os lançamentos pelo dobro do preço que custará em janeiro.

 

Somos bombardeados então por uma mídia que nos torna culpados se não comprarmos o presente da mãe com direito ao "amigo secreto" dos R$ 10,00. Jesus mercantilizado em sua manjedoura Hig-Tec, potencializa o comércio. Milhões esperam ansiosos pelo "novo" especial de Natal do Roberto Carlos saboreando o panetone que bem poderia ter sido comprado pelo Arruda.

 

Não estou aqui para fazer catequese, eu mesmo que sou um agnóstico meio que tentando resgatar uma saída onde encontre alguma coisa chamada de "espiritualidade". mas o que me incomoda é a sensação de que as pessoas estão sendo manipuladas em seus sentimentos mais nobres. Aprendem que o momento é de viver a bondade, nem que ela fique restrita a uma ceia de natal ou um presente comprado em 18 vezes nas Casas Bahia. E os nossos filhos com olhos ávidos, nos pedem presentes aprendendo que isso é o passaporte para a felicidade.

 

No campo das religiões, os sacerdotes estão também fazendo suas concessões. De "médicos" de almas, tratando das culpas que seu sistema de pensamento ajudava a criar, agora se transformaram em agenciadores do paraíso na terra, com direito a bíblia como esconderijo de dólares e  uma doutrina que afirma que quanto mais eu tenho nesse mundo mais sou amigo de Jesus, pois aprendi a negociar pelas suas bençãos. E Marcelo Rossi entre um e outro balde de água benta jogada na platéia, nos ensina que o problema da igreja com o álcool diz respeito às bebidas destiladas e não à sagrada cervejinha que patrocina shows para Deus em todo o país.

 

Sempre vi as manifestações do sagrado com enorme respeito. Vejo nelas as manifestações do humano em busca de sentido à vida, uma tentativa de se comunicar com alguma coisa julgada transcendente. A  palavra "religião"  quer dizer "religar", "reconectar", expressa a busca de um contato com algo perdido e que magicamente é recomposto nas orações e ritos. Não tenho certeza se essa "religação" acontece com a divindade ou com o próprio homem, ainda assim, existe algo de belo nisso tudo, que pode ser percebido nas ações de alguns indivíduos, na arte, na literatura.

 

Fui provocado por um email de Shirley que me fez voltar a adolescência ao me mandar um belo clip feito em homenagem a George Harrison quando da sua morte. Na adolescência  descobri os Beatles enquanto chorava a morte de Lennon, época que pensava ter encontrado minhas respostas existenciais militando em Comunidades Eclesiais de Base, época que aprendia sobre espiritualidade ouvindo belas canções da fase religiosa de Bob Dylan,  época que descobri Bach meio que perdido na Trilha Sonora de Laranja Mecânica  e extasiado descobri deus na forma humana em suas cantatas, época em que ouvia "MY Sweet Lord" de Harrison, um hino a tentativa humana de se religar!

 

Da mesma forma que saúde não faz uma rima feliz com mercado, a busca de "religar" o homem parece não casar bem com a realização de lucros. Se não for assim, então entraremos num mundo onde será normal fazer uma oração depois de esconder o dinheiro da propina na cueca. Tudo bem, no passado a religião já esteve ao lado das coisas mais terríveis. No entanto, parece estar também ao lado de coisas extremamente belas. Talvez porque a busca de "religar" seja um reflexo do homem, dos seus medos, anseios, virtudes, vícios, belezas, perversidades.

 

Deixo com vocês dois vídeos. O primeiro, "My Sweet Lord" de George Harrison (presente mandado por Shirley). O segundo, "Jesus Alegria dos Homens" de Bach. Se vocês religarem alguma coisa depois de vê-los, por favor, me avisem!