Dentre as crises do mundo, a crise da saúde mental brasileira
Die, a mãe inconsequente, em Mommy (2014)
O evidente retrocesso na política de saúde mental brasileira, com a posse de Valencius Wurch Duarte Filho (1) na coordenadoria desta pasta, é preciso ser visto num contexto de crises não isoladas.
Estamos falando de crises econômicas, políticas e, consequentemente, das condições sanitárias, que atingem a todos os países regidos pela lógica neoliberal (2).
O advento de novas pan-epidemias, a transição de endemias em epidemias e a restruturação dos serviços de saúde, são exemplos claros que de que há algo em comum entre a economia, a política e a saúde destes países. Assim, é necessário analisarmos em escala macro e micro, conjuntamente, as crises, leis, movimentos e resistências que ainda que atinjam a estes países em momentos diferentes – não é porque vivemos num mundo globalizado que as coisas acontecessem no mesmo momento, devido a historicidade e constituição do capitalismo em cada local – vem semelhantes em seus discursos.
Uma simples olhada no artigo "Crise Econômica e Contrarreforma dos Sistemas de Saúde: O Caso Espanhol" (3), escrito por Paulo Fortes, Regina Carvalho e Marilia Louvison, em março de 2014, nos faz, ironicamente, lembrar dos diferentes e diversos discursos que ouvimos ao decorrer deste ano se tratando do SUS. Especificamente falando de saúde mental, o filme "Mommy" (4) de Xavier Dólan, já denuncia em seus momentos iniciais o desmantelado de uma rede de cuidado e a constituição de um cuidado particular, individual, sem rede, sem apoio no Canadá (5) de 2014.
Steve, o filho problemático, em Mommy (2014)
"Cuidado particular, individual, sem rede, sem apoio" como só alguns dos reflexos do desmantelamento do movimento de reforma psiquiátrica em um país que não superou seu passado manicomial, tanto que é dada a um defensor de manicômios a coordenadoria geral da pasta de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde.
Por fim, diante de um cenário de desmantelamento, é necessário gritar, em sentido literal, que há resistência! Na Espanha, há a Marea Branca (6), como no Canadá também há seu movimento. No Brasil, nestes 3 dias desde o pronunciamento do ministro da Saúde, Marcelo Castro (PMDB), sobre a substituição de Roberto Tykanori, atual coordenador geral da pasta, por Wurch, vários movimentos foram feitos mostrando que há resistência e que a Reforma Psiquiátrica Brasileira continua viva.
A aposta destes movimentos não é apenas referente a permanência ou não de alguém em um espaço institucional, mas da necessidade de novas formas de cuidado e defesa da vida, para além do indivíduo-doença, do ser humano-caixa e da cápsula-saúde.
Já dizia Merhy: "Qualquer vida vale a pena ser vivida. E a vida tem que ser radicalmente defendida" (7). E é por isso estamos na luta!
(1) https://www.facebook.com/notes/conselho-regional-de-psicologia-de-s%C3%A3o-paulo-crp-sp/mo%C3%A7%C3%A3o-de-rep%C3%BAdio-ao-retrocesso-na-pol%C3%ADtica-de-sa%C3%BAde-mental-no-brasil/947698411965608
(2) https://redehumanizasus.net/92812-crise-economica-e-cont…
(3) https://www.revistas.usp.br/rsp/article/view/101901/100371
(4) https://tocadoscinefilos.net.br/mommy-2014/
(5) https://uwaterloo.ca/…/canadas-mental-health-system-failing…
(6) https://defensasanidade.wordpress.com/
(7) https://www.redeunida.org.br/no…/quem-sao-os-anormais-da-hora
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O sonho de uma mãe qualquer – cena do filme "Mommy", de Xavier Dólan.https://www.youtube.com/watch?v=CVshTmAYexg
Por Carlos Rivorêdo
Pessoas humanas.
Muitos de nós se sentiram mal, traídos, confusos, etc e tal, quando a Dilma cedeu, para garantir a "governabilidade", à pressão da política tradicional da mais rasteira que conhecemos.
Muitos de nós ficou mais estupefato ainda quando, nessa demonstração de fraqueza e concluo, a presidente da república, entrega a pasta da saúde para quem entregou.
Pior, troca uma equipe constituída por pessoas com experiências bastante exitosas na gestão da saúde, por uma outra indeterminada e cujo perfil do seu dirigente já era conhecido.
Erro? Acidente de percurso? Não creio. Tudo muito bem pensado e calculado e que, o tempo o dirá, a história mostrará, a tolice da negociação acima de tudo, acima até das ideias e dos princípios.
Apesar disso, persisto confiando neste governo por mais paradoxal que pareça. Cerco a crítica por conta do compromisso exatamente com ideias e compromissos. Compreendo a lógica do poder. Qual seria essa lógica?
Quem está no poder deseja simplesmente duas coisas:
1) Continuar no poder;
2) Aumentar, cada fez mais, seu próprio poder.
É assim.
Agora, governantes não podem obedecer a essas duas máximas e esquecer ou obscurecer onde vem e a história.
Mas, toda manifestação de poder tem, para sua própria sobrevivência, uma oposição, uma resistência, um contrapoder que nada mais é do que a manifestação da guerra perpétua pela predominância de si e dos seus, em qualquer nível.
Há mais ou menos dois mil e quinhentos anos o ocidente abriu mão do que os gregos antigos chamavam de ágon, cujo significado primeiro era a disputa para predominar sem jamais pensar em aniquilar seu oponente. Hoje não é mais assim. A guerra se dá com o objetivo de aniquilação do outro, seja pela extinção, seja pela sujeição, seja pela servidão.
O que precisa ser assinalado, ganhando ou não ao final, é que tais atitudes jamais ficarão sem resposta, sem resistência, sem contrapoder, sem deixar claro que a circulação do poder é imanente a ele próprio. Poder não se dá, não se troca. Poder se exerce.
Cabe a nós todos exercer o nosso poder – ou contrapoder – onde quer que estejamos, com as armas que temos e com a consciência de que a guerra é infinda.
Franco Basaglia, David Capistrano, Sérgio Arouca, devem estar se revirando na cova.
Vamo que Vamo. Não passarão.
Beijo todos.
Carlão.