Os erros do PT e a biopolítica da subjetividade.
Depois de três mandatos presidenciais o fator simbólico se sobrepôs ao fator econômico nos movimentos de parte de nossa opinião pública. Uma oportunidade que os atores reacionários e conservadores agarraram com as duas mãos. Esse momento de desaquecimento da atividade econômica é o de evitar as consequências simbólicas da redução da desigualdade social e da miséria. O arranjo no mercado de bens simbólicos foi desestabilizado e essa é a raiz da reação política, social e cultural dessa crise.
Como uma socialite afirmou “contemplar o pôr do sol no alto da Torre Eiffel não tem valor se você divide a cena com seu porteiro ou manicure”. A perda do status simbólico margeia a insuportável realidade, sempre mantida nas sombras, de que a medida de valor da existência humana não pode ser resumida a critérios de privilégio e exclusão.
É disso que se constitui uma grande parte da crise atual. O papel da miséria na constituição de um significado para a prosperidade das classes abastadas foi muito desgastado. O pavor dos reacionários é tal que pouco lhes resta diante da infinita diversidade de modos de ser feliz e mesmo de sofrer. Esse alargamento da percepção do real torna mais vulgar o sabor de viver no topo da pirâmide social.
Uma certa relativização do capital simbólico econômico aconteceu pela massificação do acesso a bens tecnológicos. Os dispositivos de acesso a informação e produção de conteúdo permitiram a afirmação de identidades culturais que desempenhavam um papel subalterno de validação do status simbólico das classes abastadas. Um efeito que deve mais a difusão da informação do que da gestão política, portanto. Esse é o papel fundamental das revoluções das redes sociais no contexto de perda do monopólio das mídias tradicionais na produção de sentido.
Parece razoável aceitar que se Lula tivesse rompido a política de conciliação de classes a crise atual teria acontecido até com maior intensidade, mesmo antes da CPI do mensalão. A opção por uma ruptura de interesses de classe é o próprio núcleo duro da crise.
Mesmo de forma sutil a política de inclusão de novos atores na cena de classe média brasileira se mostra insuportável para os conservadores e liberais econômicos. Não é uma questão de dinheiro. É uma questão e status, de poder simbólico e, em última instância de detenção de critérios de validação de sentido.
Os erros do PT são como os erros de todos os demais atores do campo político. A tradicional composição de forças em torno da arquitetura de conciliação de interesses políticos e econômicos é o que impede os políticos de liderarem a decapitação de Lula e a extinção do PT. O que para a sanha conservadora seria o fim do reinado da esquerda no palácio do planalto, poderá ser o início das investigações contra os caciques políticos dos demais partidos da república. O início de uma ruptura de nossa frágil arquitetura de coesão social baseada em mitos com pés de barro.
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Olhar afiado porque amolado nas mais lúcidas referências.
Bom ter você por aqui, Marco!