O Poder Judiciário e a Justiça em análise
Ainda que a luta em defesa do devido processo legal e do Estado Democrático de Direito resulte em algo positivo (amadurecimento da democracia brasileira?) nesse caso da lava-jato, que é um caso com repercussão nacional, os pequenos desmandos judiciais, o domínio da lei feita e interpretada e manipulada pelos grupos em posição favorável – homens, brancos e proprietários – vai continuar acontecendo diuturnamente sem uma grande comoção nacional.
Entrei na Rede HumanizaSUS falando de uma situação dessas (https://redehumanizasus.net/65080-direito-e-justica-antonimos-ou-sinonimos-um-estudo-de-caso-envolvendo-o-direito-a-saude-e-o-tratamento-de-diabetes), e há algumas semanas pensei em desistir de ser uma operadora do Direito justamente por perceber que as minhas escolhas são pré-fabricadas e bastante limitadas na construção da justiça social.
Mas o que acontece agora talvez me dê vontade de continuar. Não porque “creio” no Direito, porque não creio mais. Mas porque talvez não tenha opção senão defender a possibilidade, ainda que mínima, de lutar por um país melhor, dentro ou fora (e em boa parte dos casos dentro e fora) das regras do Poder Judiciário – que não se confundem com as leis.
Talvez a grande vantagem de tudo que vem acontecendo agora no Brasil seja a possibilidade de analisarmos com mais atenção a atuação do Poder Judiciário em todas as suas instâncias – desde a exigência desumana de produtividade dos Juízes pelo CNJ, que não verifica se a produção de sentenças em escala industrial de fato resolve os conflitos sociais colocados em julgamento, até a omissão de Juízes em relação a providências necessárias para que as ordens judiciais não se façam letra morta fora do processo (como muitas vezes ocorre com as determinações de fornecimento de medicamentos e tratamentos de saúde). Para que o controle social exija mais transparência dos operadores e do sistema judiciário, para que o Poder Judiciário faça da democracia sua política interna.
Como disse naquele primeiro texto publicado aqui na Rede HumanizaSUS, em que denunciava a prolação de uma sentença de forma contrária à sistemática constitucional do direito à saúde integral, universal e igualitário, o ser humano é elemento indissociável da idéia de Justiça, pois o Direito existe para garantir o bem-estar do ser humano. A concretização das previsões legais e constitucionais depende da forma como o Direito é “manipulado” por aqueles que trabalham com as leis e com a Constituição Federal. É a partir desse referencial – o elemento humano – que poderemos definir se Direito e Justiça são antônimos ou sinônimos.
Que o momento atual sirva para exercermos de fato o controle social sobre o Poder Judiciário, e para que o respeito à dignidade humana de todos os cidadãos – independentemente de sua posição ideológica – se faça mais presente no Direito, para que assim possa ser identificado com a ideia de Justiça.
Por Marco Pires
Oi Debora,
Comecei a ler ontem teu texto. Terminei agora, após escrever meu texto sobre as urgências de nosso instante polítio e social. Segue meu comentário:
Acredito que buscar o melhor curso possível, como resultado para nossas ações, ao custo que for suportável, consiste no fundamento mais atrativo para a ética. A racionalidade que embasa a noção de direito tem origem no conceito de justiça.
Penso que o conceito de justiça está distante de ser relacionado a inexorabilidade que decorre como consequência de nossas ações. Não diz respeito a justeza imóvel que liga o encadeamento dos eventos. Justiça é algo que se pretende como transcendente as dimensões de tempo e espaço que conhecemos. É um conceito metafísico porque pretende violar a seta do tempo e fazer o futuro corrigir o passado. É, fundamentalmente, uma crença e uma expectativa humana em relação a suas impressões que derivam em ideias de como deveria ser o real. Não o que virá, o devir, mas o que deveria ser o conjunto atemporal da existência, do mundo e do universo.
Então, por ceticismo e prudência concordo contigo. Buscar a equação do melhor mundo possível sem as ilusões de que o mundo visceral dos processos, das investigações, testemunhos e provas possa ser sinônimo dessa colossal esperança humana que é, ela sim, sinônimo de justiça.
Um forte abraço e obrigada por compartilhar sua vivência e produção reflexiva.