Qual é o sentido da informação sobre as pessoas se a informação não faz sentido para as pessoas?

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As eleições nos trazem muitas coisas, dentre elas algumas (muitas) angústias, mas também muitos dados que podem ser utilizados de diferentes formas. Esses dados que são capturados através de pesquisas eleitorais ou surveys até a contabilidade real dos votos, mais cedo ou mais tarde são interpretados dando-nos “luz” a algumas partes da dinâmica social dos territórios e das populações que o compõem, desde trabalho, passando por relações de gênero até religião.

De vista grossa, não vemos nenhum problema.

Porém, algumas coisas me incomodam no modo que estamos interpretando os dados. E o problema não está apenas na interpretação dos dados em si, mas também na forma que capturamos ele.

Pensando nisso, pego como exemplo um artigo escrito pelo Jean Ilg1 no portal Esquerda Diário sobre o resultado do 2º turno das eleições municipais na cidade do Rio de Janeiro, fazendo um debate com dois artigos publicados no blog O Cafezinho2,3 interpretando o mapa do resultado eleitoral do site G14. Escreveria um artigo científico completo se fosse comparar afinco estes 3 artigos, mas acho muito mais proveitoso um breve comentário e que cada um que possa ler esses 3 artigos venha contribuir aqui com essa discussão.

Entendo que quando vamos fazer uma análise de um território temos que ter, no mínimo, duas coisas em mente: a composição do território (sua história, demografia, topografia etc.) e as medidas de análise utilizadas (tipo de amostragem e medidas de tendência central, dispersão e inferência). E mesmo sendo insuficientes para interpretar toda a conjuntura de um território, são ferramentas que auxiliam no caminho a ser percorrido durante a análise territorial. Sem elas, ou com a sobreposição de uma pela outra, corremos o risco de ter resultados causais (isso afeta aquilo, fim) e simplórios que pouco dialogam com a realidade das pessoas viventes neste território.

O caso das interpretações visuais das eleições municipais no Rio de Janeiro (e que equivalem também para o resultado eleitoral na cidade de São Paulo) mostram essa inadequação provocada pela submissão de uma análise pela outra, pois na Zona Sul e Zona Central do Rio só existem globais e pessoas de classe média, certo? Opa, pera aí. E em São Paulo, na Zona Norte e da Zona Leste só existem pessoas pobres, que para alguns adoramos da causalidade ora são burros ora são anarquistas, certo? Opa, pera aí. Tudo isso rodeia uma visão diretamente causal das coisas, onde a análise estatística não consegue dialogar em nada com a realidade histórica, demográfica e topográfica dos territórios, asseguradas, inclusive, com um discurso pedagógico de que não há nada de social na estatística.

Pegando essas referências do artigo do Jean Ilg e refletindo sobre o cotidiano e a prática do trabalho dos profissionais da saúde e daqueles que, como eu, trabalham diretamente com os dados sobre os usuários do sistema, penso na necessidade de discutirmos e pactuarmos formas ampliadas, coletivas e democráticas de olhar esses dados e sua interpretação nos territórios.

Marilia Louvison5, em entrevista publicada no Estadão nesta última sexta nos diz, em resumo, que “ nosso desafio é utilização das informações e estatísticas em saúde para o conhecimento do sistema e ferramenta na sua administração, mas para além disso, tais informações devem dialogar e ter sua utilidade no cotidiano dos trabalhadores dos serviços de saúde. ”

Em suma, toda essas reflexões, artigos e entrevista desenvolveram em mim uma outra dúvida, ou um guia questionador sobre minha prática profissional: “Qual é o sentido da informação sobre as pessoas se a informação não faz sentido para as pessoas? “

Por fim, quero destacar que há um problema enorme no trabalho com dados brutos por conta da “vomitação” de informações, mas há um problema maior ainda em substituir esses dados apenas por dados porcentuais, ou escondê-los debaixo do tapete e, deixando escassas, assim, a possibilidade de se pensar novas estratégias de se olhar para eles.

 

Fontes:

1ILG, Jean. 1 milhão de votos da Zona Sul? Ou escondem a força que pode lutar contra Temer? Disponível em <https://www.esquerdadiario.com.br/1milhao-de-votos-da-Zona-Sul-Ou-escondem-a-forca-que-pode-lutar-contra-Temer>. Acesso em: 06 de nov, 2016.

2FEGHALI, Jandira. Esquerda sem povo não vai muito longe. Disponível em <https://www.ocafezinho.com/2016/10/31/jandira-feghali-esquerda-sem-povo-nao-vai-muito-longe/>. Acesso em: 06 de nov, 2016.

3BRITO, Fernando. Faltou povo à candidatura Freixo. Disponível em <https://www.ocafezinho.com/2016/10/30/tijolaco-faltou-povo-candidatura-freixo/>. Acesso em: 06 de nov, 2016.

4G1. Apuração por Zona Eleitoral: Rio de Janeiro. Disponível em <https://especiais.g1.globo.com/rio-de-janeiro/eleicoes/2016/apuracao-zona-eleitoral-prefeito/rio-de-janeiro/2-turno/>. Acesso em: 06 de nov, 2016.

5CAMBRICOLI, Fabiana. Gestores não estão prontos para lidar com a informação. Disponível em <https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,gestores-nao-estaoprontos-para-lidar-com-a-informacao,10000086255.>. Acesso em: 06 de nov, 2016.