Gostaria de compartilhar com os companheiros desta rede minha experiência, neste ano infelizmente interrompida, no manejo da crise psicótica realizada em Jaraguá do Sul, SC.
Há pelo menos duas décadas profissionais finlandeses vêm atuando sobre a crise psicótica através da abordagem Open Dialogue (OD), a qual baseia-se na ação territorial, baixo uso de medicamentos e em 7 princípios, a saber (SEIKKULA; ALAKARE, 2007):
1- Resposta imediata: O primeiro encontro deve ocorrer dentro de 24 horas após o primeiro contato com a equipe profissional.
2- Inclusão da rede social: O paciente, sua família e outros membros da rede social são sempre convidados para o primeiro encontro.
3- Flexibilidade e mobilidade: Estas são garantidas adaptando-se a resposta terapêutica às necessidades variadas e específicas de cada caso. A assistência tem que ser móbil: ir às casas, onde os próprios recursos das pessoas são mais acessíveis (FREITAS; AMARANTE, 2015).
4- Responsabilização: O primeiro profissional contactado deve se responsabilizar por organizar o primeiro encontro e convidar a equipe que fará a intervenção.
5- Garantia de continuidade: A equipe se responsabiliza pelo tratamento pelo tempo necessário.
6- Tolerância à incerteza: O relacionamento entre os participantes dos encontros deve ser construído de modo que todos sintam-se seguros. Isso acontece através de encontros frequentes e através da escuta e resposta a todas as falas e pontos de vista (SEIKKULA; OLSON, 2003).
7- Dialogismo: Nos encontros, o foco é primeiramente promover o diálogo e secundariamente promover mudanças no paciente e/ou família (SEIKKULA; ALAKARE, 2007). O diálogo promove um novo entendimento sobre a situação, proporcionando sentido àquilo que está sem sentido. O objetivo da equipe na construção do diálogo é seguir os temas e o modo de falar que os membros da família utilizam (SEIKKULA et al. 2003).
Em 2015, iniciamos as primeiras ações baseadas no OD em duas unidades básicas de saúde, com acompanhamento de 3 pacientes (2 em crise paranoica e um em crise maníaca), os quais saíram das crises em no máximo 15 dias e somente o paciente em crise maníaca fez uso de medicamentos. Todos retornaram para o trabalho.
Em 2016 decidimos ampliar as ações para todas as unidades e envolvendo mais profissionais da saúde mental e atenção básica. O nome escolhido para a abordagem foi Roda de Diálogo (RD), sugerindo uma fusão entre nossas rodas de conversa e o dialogismo do modelo finlandês e apresentando algumas diferenças:
1- Participação de profissionais de nível médio e superior.
2- Capacitação através de educação permanente.
3- Pacientes com diagnóstico de psicose, porém não somente esquizofrenia (na Finlândia o trabalho foi realizado com pacientes esquizofrênicos em primeira crise).
4- Os encontros ocorreram até 3 vezes na semana.
5- Pelo menos um profissional esteve em todos os encontros.
6- Influência psicanalítica no embasamento teórico.
Em dois anos acompanhamos 10 pacientes. Quatros eram esquizofrênicos, 1 estava em crise maníaca, 1 em crise inicialmente diagnosticada como psicose puerperal (depois vimos tratar-se de uma crise histérica) e o restante em crise psicótica paranoica. Somente 3 pacientes encontravam-se em sua primeira crise e do restante alguns já faziam uso de antipsicóticos e/ou estabilizadores do humor. Somente um desses pacientes precisou ser internado. Dois pacientes saíram das crises sem medicamentos e todos os outros receberam baixas doses de medicamentos.
Apesar da amostragem ser ainda pequena, já considero os resultados animadores, além de termos iniciado um diálogo antes inexistente na atenção primária. Quem disse que o sujeito psicótico não pode ser acolhido em seu próprio território? E ainda por cima com pouca ou nenhuma medicação?
Por patrinutri
Quanta esperança em seu relato Marcelo! Como a humanização, desmedicalição, clínica ampliada, em especial, com a inclusão do usuário em seu plano terapêutico, pode sair do lugar comum que ronda este mundo dos que vivem com estes transtornos psíquicos.
Não sou da área, mas percebo que incluir novas possibilidades neste mundo de cuidados da saúde mental tem sido muito mais efetivo e, em especial, instrumento de inclusão social destas pessoas.
Que maravilha! Aprendi muito com seu relato e fico por aqui aguardando novas experiências!
Grande abraço,
Patrícia