A FILA DE ESPERA, O HOSPITAL GERAL E O SONHO

14 votos

Quero afirmar aqui, que apesar da "fila de espera" por consultas especializadas (grande gargalo do SUS), o atendimento e o acolhimento do HGF-Fortaleza, mesmo com a reforma ainda em andamento supera os vários serviços de saúde privada da nossa cidade! Tenho uma parente muito próxima, tão próxima que se funde a mim, física e amorosamente – com todas as singularidades e diferenças de nossas personalidades e compreensão de mundo -, que se submeteu a um processo cirurgico neste hospital de referência. Sem me identificar como pessoa vinculada a educação popular em saúde, usei o meu olhar pesquisador e cuidador para fazer uma leitura mais ampliada da atenção que é dispensada aos usuários.
Na parte externa do hospital observa-se a diversidade dos territórios de origem dos "pacientes" através das placas dos veículos e das logomarcas das prefeituras… Carros até de municípios de estados vizinhos, como Apodi/RN avistei no horizonte da minha pesquisa-ação.
Por dentro do hospital, com toda a complexidade alta dos espaços velhos e novos, dos reparos e reformas em curso, de parte da grande sala de espera servindo como ambulatório de urgência clínica (termo de que faço uso para qualificar o improviso de um espaço organizado para o cuidado), em face da grande demanda, todavia, um improviso bastante necessário e relativamente humanizado; para além dessas "providências" observa-se, quando se olha com olhar proativo e cidadão que há uma linha de cuidado emergente, um afeto que se faz sorriso e zelo por parte dos mais diversos profissionais daquele complexo hospilar. Para além do olhar hospitalocentrico o serviço se faz de afeto, mesmo em meio a toda uma conjuntura de saúde-doença.
Não precisei e não fiz questão de barganhar atenção por ser uma pessoa que convive hoje em dia com diversos profissionais de saúde, busquei fazer esse olhar de cidadão comum, que no dia a dia adentra os territórios numa perspectiva de ouvir para dialogar, de compreender para processar e refletir os caminhos de um SUS que cada vez mais precisa avançar nos desafios dos seus principios, que deve também, cada vez mais nortear as carreiras no âmbito da saúde pública e no âmbito das universidades que formam cidadãos e cidadãs para o exercício da saúde coletiva.
Pois bem, para não tornar esta nota prolixa e complexa, para não me embaralhar na "alta complexidade" que esta temática demanda passo a enumerar alguns pontos dignos de nota:
– Observa-se atenção e cuidado efetivo e afetivo em escala por parte dos diversos profissionais do HGF;
– Observa-se poucos casos de descaso e desatenção que são infezlimente inerentes ao sistema cultural dominante, que alguns profissionais acumulam como parte de sua "natureza adquirida" tanto pelos equivocos dos processos formativos, como pela sua visão torpe do que seja saúde coletiva e saúde de mercado;
– Observa-se um acolhimento humanizado que sugere o princípio de "gente cuidando de gente";
Observa-se que o grande transtorno que envolve profissionais e usuários é o "transtorno adquirido e prevalente" (grifo meu) da demanda reprimida, que se constitui em fila de espera e o seu consequente agravo das patologias, em face do tempo e dos procedimentos remarcados, das viagens perdidas por consequência, na forma de via crucis que se transforma em doloroso martírio;
– diante desse sofrimento que se prolonga em compasso de espera, a atenção, o procedimento humanizado que o usuário recebe ao ser acolhido, a forma como ele é tratado e a ambiência do hospital (das novas insalações) que não deixa a desejar em comparação com qualquer instituição de saúde privada, tudo isso se transforma em símbolo marcante da saúde de qualidade como direito de todos e todas.
Esta nota é uma fala grata e sincera, sobretudo para destacar que o grande desafio do SUS não é meramente de natureza econômica, apesar do desafio do seu financiamento e de sua gestão, que encaminha para o desafio do acesso de qualidade. O acesso pleno e universal, para romper com as filas de espera, requer mais financiamento e mais controle social, mais gestão participativa e participação popular. Já o desafio da qualidade do acesso requer a ampliação dos olhares, que suscita uma formação profissional mais voltada para os territórios e para os direitos humanos, onde a lógica dos determiantes sociais da saúde possa se encontrar com os diversos saberes, linguagens e práticas, com as diversas culturas, em que o olhar científico enxerga respeitosamente o olhar holístico e onde a visão biomédica se olha e se afetiva mais, sai do laborátorio de fazer ciência, pula os muros da academia, supera um corporativismo que só olha para o próprio umbigo e sai as ruas e territórios para se integrar no mesmo abraço comum da saúde que deve se fazer por todos e para todos.

A urgência e a emergência do acesso com qualidade precisa ser um desafio comum de todos os cidadãos e cidadãs que têm o SUS como um bem, patrimônio da humanidade. A saúde do Hospital Geral de Fortaleza, na essência do que vi e senti, traduz um caminho que integra desafios, sonhos e lutas, na perspectiva da integralidade que a política de humanização busca objetivar. A mesma luta que demarca nossa posição em favor da efetivação da política municipal (e oxalá também esatdual, como passo seguinte) de educação popular em saúde, vinculada com as práticas integrativas e populares de cuidado.  
Um olha assim, pode até ser um sonho! tomara, oxalá, queira Deus, que os terreiros, que as igrejas, que os movimentos, os sindicatos, as categorias, que os partidos políticos, os gestores e os cidadãos, os doutores e as parteiras, todas as práticas científicas e populares possam anunciar que não é apenas sonho meu!