A ERA DA COGESTÃO

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Antes restrita aos setores de excelência em modernização tecnológica e produtividade da iniciativa privada em países como Japão e Alemanha, a cogestão chegou ao serviço público e especialmente a área da saúde em nosso país. Como é comum na realização de uma utopia (para os pais e teóricos da Reforma Sanitária no Brasil), esta se desenvolve em uma inesperada complexificação de resultados inusitados.

É lugar comum que em política os efeitos da ação sejam sempre mais extensos do que os objetivos projetavam. Mas a cogestão tem aspectos múltiplos e de significados diversos. A autonomia pode ser uma benção. Mas a responsabilidade que dela advém dificilmente o é. Não são muitos os que estão dispostos a trocar o conforto de criticar o mundo, pela cansativa tarefa de moldá-lo indefinidamente.

Mas é difícil pensar estas mudanças no mundo do trabalho como escolhas racionais. Os processos são de uma emergência ou afloramento mais próximos aos da biologia do que ao racionalismo progressista, ligado a ideia iluminista, liberal ou socialista, de progresso constante.

O entrelaçamento entre novas tecnologias da informação e a interconexão mais ágil, ou mesmo instantânea, de pessoas e instituições tornou o sistema de produção baseado em autoridade vertical obsoleto.

Parâmetros e sistemas de avaliação de produção das ações em saúde seguem sendo remetidos ao poder centralizado na gestão ortodoxa. Mas agora os relatórios de gestão são alimentados por dados produzidos de forma descentralizada. A responsabilidade pela gestão vem se tornando heterodoxa, descentralizada e de responsabilidade solidária.

Podemos perceber uma distinção: A produção em saúde classificada por CBO – Código Brasileiro de Ocupações, de um lado. E de outro, as ações em saúde que mobilizam recursos em torno de projetos e Planos Anuais de Saúde interdisciplinares e interinstitucionais.

Por esta distinção há uma distribuição do tempo de trabalho entre as novas atividades da cogestão e a de realização dos procedimentos clássicos na atenção em saúde.

Evidentemente que o conjunto das duas forma a produção global em saúde. Na produção global está relacionada tanto a realização de ações e procedimentos, quanto à efetivação dos planos de saúde.

Ambos os aspectos envolvem repasses de recursos para os fundos de saúde estaduais e municipais de saúde. A primeira na forma de remuneração da realização de procedimentos e a segunda na forma de custeio a projetos, convênios, eventos entre outras atividades.

O custo do planejamento, execução e supervisão de projetos através de aferimento de metas relacionadas a diretrizes do Ministério da Saúde está distribuído pelas ações em gestão participativa. Cada vez mais quem identifica as diretrizes, faz diagnóstico, planeja, monitora é também um profissional da ponta. Ou seja, incorporamos a cogestão às responsabilidades já consagradas de responder pela realização dos procedimentos de atenção à saúde.

Se o investimento em saúde não corresponder em crescimento a esse aumento nas responsabilidades das ações em saúde suportadas por trabalhadores e usuários do SUS, temos um prognóstico sombrio se desenhando para um futuro não muito distante. Muito mais pessoas estarão envolvidas em processos de cogestão. Então, educação e formação continuada irão se tornar efetivamente partes da ação direta de cuidar, por exemplo.

Isso em parte é a realização de um sonho dos pioneiros do movimento social e dos trabalhadores que lutaram pela instituição e consolidação do SUS. De outro lado, é também uma forma de amarrar a continuidade do SUS a um crescente incremento no investimento per capta em saúde no Brasil.

Uma medida importante de poder e até grande parte da autoridade, evidentemente, permanecerá vertical. Apenas não é mais necessário que o poder ou a autoridade sejam estendidos até a base local de atendimento ou unidade de produção.

Tornou-se dispendioso demais e contraproducente que as práticas de cuidado, na forma de processos de trabalho emanem de uma autoridade centralizada.

A disseminação da informação, a diversidade cultural e o cambiante perfil epidemiológico das populações tornaram cada território um laboratório e uma incubadora de desenvolvimento de tecnologias de cuidado e atenção. As universidades se encarregam da permanente atividade de produção e aferimento das formas de conhecimento local desenvolvidas por seus alunos atuais que são ou serão futuros trabalhadores da saúde.

Os processos de trabalho serão construídos em regime de participação e diálogo permanente. Não por uma mudança no padrão ético ou moral dos gestores. O que mudou é disponibilidade de recursos tecnológicos que permitem fazer de maneira diferente.

A busca por inovação e a resistência a mudança são característica que distinguem os humanos a despeito de serem contraditórias. Esta transformação tem sua origem na revolução das tecnologias da informação e na disseminação das mesmas de forma generalizada.

E como já afirmamos um recurso tecnológico uma vez introduzido nas relações humanas não pode mais ser revertido. Suas consequências mudam a paisagem social de uma forma que os efeitos não podem ser previstos com precisão. Suas consequências podem ser atenuadas, acentuadas e moduladas. Mas não afastadas completamente.

A Cogestão é uma Diretriz da PNH que pode ser efetivada a partir de uma série de dispositivos, como o GTH e a Reunião de Equipe. Além disso, no contexto mais amplo do mundo do trabalho é uma tendência de rearticulação do modo de produção capitalista na busca de mais eficiência e produtividade.

Ou seja, de uma forma ou de outra ela veio para ficar. Olhando para o passado podemos pensar que ela foi uma escolha. No presente ela é um imperativo ao qual nos adaptamos ou somos deixados de lado.