VIDEOFONIA DE APAGÃO OU O SER NA ESCURIDÃO
– I –
Alô!
Quem está falando?
Alô!
Bem, daqui, até este momento,
apenas temos acesso
a imagens turvas e retorcidas
de crianças reprimidas,
amedrontadas,
fartas de razão e fé!
Um povo asmático
de fé sem compaixão,
onde sentimentos nadam
vagamente à toa.
Mas d’outra parte desse mundo
estranho ecoa a voz amiga
de um general boa praça,
armado de cartilha na mão,
entoando as ordens do bem.
Prega mais ou menos assim:
banhar com fogo
a alma do semelhante;
enxaguar com línguas
dessalivadas
os enlameados de crueldade;
lamber raças e credos
por um só credo,
por uma só raça;
creditar vidas em bancos de morte;
alimentar a violência
com entulhos de poder;
picotear a identidade,
o fim do outro, o direito de ser
pela força invencível
da imagem distorcida.
Outro cenário já se desenha
à noite com aviões
que estrelam sem piloto;
modelam em rostos inocentes
cavernas infernais;
abrem corações com fúria bélica;
amordaçam a humanidade,
enterram-na abaixo dos escombros
da ruína do capital mundial.
O clima esquenta,
choques estranhos entre nuvens
de estupidez
provocam tempos de rigoroso inverno,
chuvas explosivas a desenhar a sorte
dos que nada possuem.
Homens, mulheres e adolescentes
aqui são bombas quem explodem a vida
desesperadamente.
Jardins de sempre-vivas a dormir,
dominadas,
fora do mundo (de si),
não oferecem perigo
ao reino maravilhoso e bondoso
dos sete capitais.
Restam almas sedentas e famintas,
presas fáceis (tentação de marketing),
flagrante martírio da dignidade.
– II –
A esta altura do conflito
tudo aparece aos nossos olhos
como artifícios da verdade
(absoluta).
Conceitos.
Manchetes.
Neo-profecias fundamentalistas
do neo-capital:
abolir o céu,
conservar o paraíso;
reinventar o inferno –
inferno de poucos;
paraíso dos que sonham
em morrer depressa;
vida longa aos que podem
matar.
No fundo, nós que resistimos
ou que existimos pouco,
inventamos o que nos convém
e compartilhamos os excessos com todos;
menos o lucro excessivo e a riqueza excedentes.
A miséria, a ignorância, a devastação, a devassidão e a violência estão sempre
disponíveis no mercado global
a preços de banana na internet, na tv, nos jornais.
Os gritos vindos das bolsas de valores
de longe se ouvem:
“Quem dá mais por uma nação,
por um continente inteiro
de miseráveis e violência!”
Cada instante do gozo de satã,
o sacrifício do mundo.
Aos emergentes da periferia
nem vida nem morte:
agonia infinita.
Sob o entorno de Deus, nenhum intervalo –
fogo fátuo,
informação truncada,
contra-informação,
cavernas, caveiras,
comida beligerada,
liberdade vigiada,
sitiada.
Fé falsificada, falácia, ração negada, estragada, flagelo. Ninguém percebe, poucos acreditam,
entretanto esse jogo,
mais do que duro, é sujo:
futricagens,
mentiras,
sacanagens,
espionagens,
palhaçada!
Câmeras escondidas. Palácios vazios.
Câmeras inimigas > Câmeras atingidas.
Câmeras vitrines da má fé > Câmeras protegidas.
Bombardeios de notícias que se misturam
a eleições, negócios, tanques e mísseis.
Lentes de sangue. Opiniões ensangüentadas.
Metade do mundo constata a cascata das guerras.
Nações inteiras divergem dos loucos
que as planejam e dos que as gerenciam.
Moções. Manifestos.
Protestos desaprovam a verdade sensacionalista
das manchetes:
“nuvens de sangue espalhadas
por naves sangrentas deixam o mundo nervoso”;
“mercado de carnificina põe o mundo
refém das bolsas, dos capitais voláteis”;
“a paz se transforma em túnel da morte futura”;
“humanidade sem crença nem crédito
aposta no credo do clero,
nas tarifas rígidas de judeus e talibãs”.
Voláteis palavras.
Voláteis negócios.
Vida volátil.
Uma ferida se fez na terra.
Uma ferida se fez no Tigre, no Eufrates.
Uma ferida se faz na paz de nossas casas
a partir do oriente ocidentalizado no Paquistão, no Afeganistão, no Líbano, no Iraque,
nas favelas do Rio, nas chácaras de São Paulo, em Gaza…
Aprendizagens dizimadas ou desditas.
Maldita humanidade de homens malditos.
Maior que o terror só o combate ao terror.
– III –
Você aí, está do lado de quem?
Você lá, com quem vai ficar?
Nenhuma voz se levanta?
Nem o algoz se sustenta sem voz.
Nenhuma fala é válida quando cala.
Vozes desvalidas são limitadas
pelo eco que delas fazem
os que fingem não ouvir.
Quem está falando?
O dono da fala.
Fala sufocante!
Fala sufocada!
Fala forca, força dos negócios do mundo.
Ninguém quis ouvir o clamor das ruas.
Ninguém difundiu o amor confesso pelos pacifistas.
Ninguém publicou a alegria da antiguerra.
Berros solitários não têm eco
na litosfera dos prepotentes.
O corpo da justiça do mundo está cegueta,
dependente de máquinas humanas
que vêem por um só ângulo.
– IV –
Todos de pé!
Sentados!
Todos sentados!
De pé!
Terrorista sem cabeça se for homem!
Terrorista sem sexo se for mulher.
O corpo de um que morre no reino dos sete
vale mais
que o de milhares que apodrecem
todo santo dia
nas esquinas das capitais.
Bom senso é ter controle sobre o medo
e a opressão.
Bom censo seria uma estatística
com bons indicadores de paz e felicidade.
– V –
Alô!
Não há mais sinal.
Estranho funeral da guerra fria.
Donos do medo, em pleno dia,
simulam apagar as luzes do passado.
Aviões e mísseis enfileirados no chão da mídia,
sustentados pelos ombros da miséria
causam sempre ótimas impressões.
Sobrará luz se houver apagão?
Talvez sim, talvez não.
Enquanto isso, pela madrugada,
missionários do bem pedem:
rezemos missas
antes de acender os mísseis;
recomendemos as almas ao diabo;
recitemos as leis do capital;
adaptemos a bíblia,
modernizemos o alcorão;
guardemos teu corpo
em túmulos conservados
pela agitação do mercado global.
– VI –
Acabou!
Acabou?
Não.
Essa guerra não pode terminar
enquanto houver tesão pelo terror;
enquanto prevalecer embustes contra o amor;
enquanto houver monólogo;
enquanto o prólogo for falso;
enquanto a palavra ficar no cadafalso;
enquanto a mídia for deus;
enquanto deus for só por nós;
enquanto deus não for deus;
enquanto o homem agir de má fé com a fé;
enquanto hitleres, bushes, bins, saddans
travestidos de guardiões da paz
e da justiça houver;
enquanto a vida for pó;
enquanto a paz se confundir com luto, lucro;
enquanto os fins do imperador
justificarem o fim de todos.
(Lima, Ray – in Tudo é Poesia Vol.I – Queima Bucha- Mossoró-RN – 2ª edição – 2005)
NOTAS SOBRE O AUTOR.
Licenciado em Língua e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro-UERJ, Ray Lima)também estudou na Escola de Teatro Martins Penna-RJ e contribuiu para a formação de vários grupos de teatro no Rio, Rio Grande do Norte, Maranhão e Ceará. Junto a outros homens e mulheres de teatro fundou o maior movimento de cultura popular do Brasil, o Escambo Popular Livre de Rua, que teve como berço a cidade de Janduís-RN. É especializando em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde ministrado pela UNICAMP em parceria com o Sistema Municipal Saúde Escola de Fortaleza-CE
Poeta com vários livros publicados, Ray Lima tem atuado como assessor e gestor de políticas públicas na área de cultura, educação, saúde e desenvolvimento local sustentável.
Atua no momento no Programa Cirandas da Vida e no SMSE da SMS – Fortaleza-CE e nos e nos grupos: Pintou Melodia na Poesia e A Poemia do Mundo.
Por raylimalima
Gostei do texto.
Finalmente uma voz.
Eu estava um pouco indiferente, mas agora ja me animei novamente
Felicidades
E obrigada
Beth (Cirandeira do Movimento de Mulheres do Palmeiras – Fortaleza-CE)