silêncio, surdez e cegueira: deficiência dos sentidos?
De novo acontece de um comentário virar post.
Fiz um comentário para o belíssimo posto de Jacqueline Abrantes: https://redehumanizasus.net/62520-prosas-poesias-e-silencios-provocacoes-de-uma-usuaria-do-sus. O que ali se apresenta é de uma afetabilidade tanta, que me tomou, aí fiz o comentário abaixo que, por sugestão da própria autora, que resolvi atender, se transformou neste post. Confiram e não deixem de acessar o posto de onde ele se originou. É simplesmente humano!
Vivemos imersos na fala e muitas vezes ela não diz nada…
Vivemos preocupados com informações e muitas vezes elas nos desinformam…
Vivemos no mundo das imagens e nos esquecemos da realidade…
Como é precioso saber falar e ouvir no/com silêncio…
Como é precioso saber ver além da imagem programada, não ver a imagem, ver a vida…
Quantas coisas ouvidas, ditas e vistas não são coisas, mas anteparos entre nós e as coisas?
Lembro de uma história que ouvi, que não é anedota, de uma criança que perdeu a avó/quase mãe e que apresentava um quadro de febre inexplicável. Ela adentra o consultório do pediatra falando da perda da avó. O médico não dá atenção, pega o estetoscópio e, quando vai auscultar, a criança indaga: Ao invés de ouvir meu coração você não prefere ouvir meus sentimentos? O médico ignora.
Surdez do médico? Cegueira? O que é este silêncio?
Penso que uma completa inadequação nossa, formados e profissionais, de sermos afetados pela vida.
Isto que você fala chama-se afetação, a capacidade que todos temos, porque vivos, de afetar e ser afetado pelos acontecimentos.
Nesta afetação a expressão está desmedida da fala, ouvimos o silêncio e somos surdos para as palavras, porque a expressão e a língua são outras.
Nesta afetação o ouvir está desmedido do som. Ouvimos um corpo que respira, respiramos um corpo que existe.
Nesta afetação não vemos imagens, não imaginamos, a visibilidade se desmede da luz.
Enfim, o regime da afetação é outro, ele tem muita mais a ver com conspiração (respirar junto) do que com comunicação (tornar comum). Porque no afeto não precisamos tornar nada comum, ao contrário, é ele que nos põe em comunhão, numa imanência em que vivemos uma vida tanta, que ela é que nos enreda em redes. Alguns filósofos, alguns poetas, alguns místicos têm uma palavra para isto: Amor!
Não um amor midiático, não um amor baseado em troca, mas um amor que nos ama e nos põe a comunga-lo independente de nós. E aí, muitas vezes, o silêncio, a surdez e a cegueira não são deficiências, mas intensidades dos sentidos, que dispensam os artefatos físicos: ouvimos, falamos e enxergamos com a alma.
Miguel Maia
Por Liduina Fernandes
Lindo texto, Miguel Maia.
Precisamos enxergar além do aparente, dos que os olhos veem e do que ouvimos. Precisamos sentir o que o outro nos diz revelado num gesto, num silêncio onde podemos mergulhar num mais profundo encontro não apenas de profissional e usuário-cliente, mas simplesmente encontro de pessoas.